Sob a supervisão de Maria Eunice Rodrigues da Silva, o militante do PCB Dyener Fracaro escreveu esse artigo originalmente para o boletim “Memória Viva”, do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, edição 1º, primeiro semestre de 2013. Nele, homenageia o recentemente falecido camarada Espedito.
Em nossos dias, os representantes sindicais, eleitos pelos seus iguais em associações de classe, organizados em sindicatos reconhecidos tanto pelos trabalhadores quanto pelos empregadores e pelas instituições públicas responsáveis, têm prestígio no meio que atuam, gozando de relativa liberdade para a concretude de suas funções. Exercem seu papel de representante dos trabalhadores, convivendo com associações patronais e autoridades do poder público, em defesa e benefício de seus pares, dentro das normas e leis que regem a prática do dirigente sindical. Também desempenham atividade de suma importância para o relacionamento entre trabalhadores e empregadores, em meio a uma complexa gama de inter-relações e convívio no mundo do trabalho, com as contradições inerentes à relação entre capital e trabalho que observamos em nossa forma de organização social.
Não obstante as atuais condições em que a representação sindical encontra-se, a organização dos trabalhadores nem sempre foi livre e independente no desempenho de suas atividades, sofrendo diversas formas de assédio e repressão ao longo do tempo. A conquista desses direitos foi resultado da luta e da organização dos próprios trabalhadores, que, mesmo com o respaldo da lei, lutaram na justiça para o cumprimento às determinações da CLT e de outras normas que regulavam a relação entre capital e trabalho no Brasil.
Caso emblemático encontra-se nos autos da reclamação trabalhista nº 1.080/1960, da 1ª JCJ de Curitiba (RO 1.519/61-B no TRT-SP e RR 3.273/63 no TST), em que o operário Espedito Oliveira da Rocha, funcionário da Cia. Estearina Paranaense S/A, no exercício de suas atividades como dirigente sindical, foi sumariamente demitido, tendo desrespeitadas as condições que lhe permitiam exercer suas atividades como representante sindical classista, legalmente eleito.
Admitido na empregadora como operário em 01/07/1957, foi eleito diretor tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Produtos Químicos para fins Industriais, de Produtos Farmacêuticos, Sabão e Velas, de Explosivos, Tintas e Vernizes, Adubos e Colas, Lavanderias e Tinturarias do Vestuário de Curitiba, no pleito de 07/11/1958. Empossado no respectivo cargo em 09/11/1958, foi, ainda, indicado como delegado deste sindicato à Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Estado do Paraná, exercendo o mandato desde fevereiro de 1959. No entanto, de acordo com a argumentação patronal, o trabalhador teria descumprido um regulamento da empresa, ao se retirar da seção de trabalho dirigindo-se à oficina para solicitar a intervenção de um mecânico. Foi questionado sobre o ocorrido pelo diretor-gerente e respondeu-o de forma grosseira e insolente. Assim, foi demitido no mesmo dia, 12/09/1960, de forma sumária e sem aviso prévio, não sendo observada sua condição de dirigente sindical em exercício legal de mandato.
A partir do ajuizamento da ação, travou-se verdadeira batalha, dentro e fora dos tribunais, pelo direito à estabilidade provisória garantida em lei, quando do exercício do mandado sindical. Na primeira instância, vencido o vogal dos empregados, Alderico dos Reis Petra, a ação foi julgada improcedente, em 05/05/1961, pela JCJ de Curitiba, presidida pelo juiz Júlio Assumpção Malhadas, sob o argumento da divergência quanto às orientações da jurisprudência, deixando em aberto a interpretação a respeito da forma como se estabelece tal estabilidade (art. 543 da CLT).4
Fato que causou grande estranhamento, ainda na primeira instância, foi o requerimento oficiado pela reclamada, no qual solicitava certidão sobre comportamento do reclamante, encaminhado à Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), bem como relatório sobre possíveis atividades subversivas nas quais teria envolvimento o operário em questão. Este ato da reclamada – mesmo com a negação do Delegado da DOPS, argumentando que as informações constantes nos fichários dos arquivos eram de interesse exclusivo da chefatura de polícia – causou grande comoção e indignação das entidades sindicais em todo o país. Foi tema na imprensa geral e operária por considerável período, criticando a violação do direito constitucional de liberdade política, já que a exigência de atestado de ideologia política não tinha qualquer amparo na legislação.
Seguindo a batalha pela estabilidade provisória e pelos direitos trabalhistas fundamentais, foi interposto pelo autor recurso ordinário, encaminhado ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (ao qual a Justiça do Trabalho do Paraná estava vinculada). O parecer da Procuradoria do Trabalho, na pessoa do procurador do trabalho adjunto substituto Paulo Chagas Felisberto, foi pelo provimento do recurso e pelo reconhecimento da estabilidade, devendo o operário ser readmitido em suas atividades e receber seus salários em atraso. No Acordão nº 3.874 de 05/12/1961, que teve como relator o juiz José Ney Serrão, sendo vice-presidente o juiz Homero Diniz Gonçalves, por maioria de votos, vencido o juiz Wilson de Souza Campos Batalha, foi dado provimento ao recurso e determinada a imediata reintegração do reclamante ao emprego, com direito ao pagamento dos salários não recebidos até aquele momento. Não se conformando com a decisão do TRT da 2ª Região, que garantia a estabilidade provisória ao dirigente sindical, salvo comprovação de falta grave por meio de inquérito judicial, o empregador apresentou recurso de revista ao Tribunal Superior do Trabalho. Fundamentado na jurisprudência predominante e hegemônica sobre a questão, pautado no bom senso e na ação da justiça em conformidade com as leis de nosso país, o TST negou provimento ao recurso, por unanimidade de votos, respaldado pelo parecer da Procuradoria, na pessoa do procurador Marco Aurélio Prates de Macedo, em Acordão de 12/05/1964, que teve como relator o ministro Aldilio Tostes Malta, sendo presidente o ministro Starling Soares.
Após quase cinco anos de luta e persistência, foi alcançado o que de direito já havia sido conquistado socialmente, pois esta condição de estabilidade do trabalhador dirigente sindical já constava da lei, sendo confirmada pela decisão judicial prolatada pela Justiça do Trabalho, que cumpria com seu papel social e institucional. A coragem do operário Espedito Oliveira da Rocha, que, mesmo sofrendo múltiplas formas de pressão, constrangimento e privação, perseguiu seu objetivo, com apoio de seus companheiros, cumprindo a tarefa que havia assumido, quando eleito dirigente sindical, demonstra-nos a importância da organização dos trabalhadores para a exigência do cumprimento das leis que regulam as relações entre capital e trabalho.