Fidel Castro e Ignácio Ramonet: cem horas e um documento histórico

altMatéria originalmente publicada na revista eletrônica Fórum em 2006, contendo uma seleção de trechos da obra Fidel Castro: biografia a duas vozes, escrito por Ignácio Ramonet, feita com base em cem horas de entrevista com o líder da Revolução Cubana.

Por Renato Rovai

De janeiro de 2003 a dezembro de 2005, o editor do Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet esteve por diversas vezes com o presidente cubano Fidel Castro e por mais de cem horas o entrevistou. Os encontros se transformaram em um livro que está sendo lançado no Brasil pela Editora Boitempo.

Fórum fez uma seleção de alguns trechos para degustação do leitor. Na verdade, são toques do que certamente se tornará uma obra fundamental para quem desejar conhecer as opiniões e a história do líder cubano. É o legado do pensamento de Fidel, registrado por um dos maiores jornalistas vivos de uma geração que assistiu à história da Revolução Cubana.

A INTRODUÇÃO DE RAMONET

A idéia desse diálogo surgiu um ano antes, em fevereiro de 2002. Eu fora a Havana para dar uma conferência na Feira do Livro. Lá estava também Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia de 2001. Fidel apresentou-o, dizendo: “É economista e norte-americano, mas é o mais radical que já vi. A seu lado, eu sou um moderado”. Pusemo-nos a conversar sobre a globalização liberal e sobre o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, do qual eu acabara de chegar. Fidel quis saber tudo, os temas em debate, os seminários, os participantes, as perspectivas… Expressou sua admiração pelo movimento altermundialista: “Emergiu uma nova geração de rebeldes, muitos deles norte-americanos, que se valem de novas formas e métodos distintos de protestar, e que estão fazendo os donos do mundo tremer. As idéias são mais importantes que as armas. Tirando a violência, todos os argumentos devem ser empregados para enfrentar a globalização”.

Poucos homens conheceram a glória de entrar vivos na História e na lenda. Fidel é um deles. É o último “monstro sagrado” da política internacional. E só foram publicadas quatro conversas longas com ele em 50 anos. De Gianni Miná (duas), de Frei Betto e de Tomás Borge. Esta é a quinta.

PAI, MÃE E INFÂNCIA

Meu pai era filho de camponeses extremamente pobres. Quando visitei a Galícia, em 1992, estive no seu povoado, Láncara, para ver a casa onde ele nasceu. É uma casinha pequenininha, de uns 10 metros de comprimento por uns 6 de largura. Uma casa de lajes de pedra, material abundante naquele lugar, usado tradicionalmente pelos camponeses galegos para construir suas casas. Nessa casinha rústica, vivia toda a família e, suponho, também os animais.

Em um único cômodo ficavam o dormitório e a cozinha. Não havia terras, nem sequer um metro quadrado. Muito jovem, com 16 ou 17 anos, meu pai foi recrutado na Espanha e enviado a Cuba, durante a guerra de independência que começou em 1895. (…) A teoria é que meu pai foi um daqueles jovens pobres da Galícia aos quais algum rico dava uma quantidade de dinheiro para que o substituísse no serviço militar. É praticamente certo que meu pai foi um desses camponeses recrutados de tal forma. Você sabe como eram aquelas guerras.

Recrutava-se por sorteio, e os ricos podiam pagar aos pobres para que fossem para o serviço militar ou para a guerra no lugar deles.

Meu pai começou a trabalhar em Cuba como operário na famosa United Fruit Company, que se estabeleceu no norte da região oriental. Em seguida organizou um grupo de trabalhadores e fez contratos da empresa ianque com um grupo de homens subordinados a ele. Assim começou a obter alguma mais-valia como organizador daquele grupo de trabalhadores. (…). Se somarmos, meu pai tinha, como proprietário de um lado e como arrendatário de outro, mais de 11 mil hectares de terra.

Uma quantidade considerável.

É, considerável. Posso lhe contar essa história porque eu, efetivamente, naquelas condições, pertencia a uma família que era mais que “relativamente” rica. Era, naquela escala, muito rica. E não digo isso por mérito, mas para precisar, para dizer as coisas com toda a precisão.

MÃE

Minha mãe era praticamente analfabeta e, da mesma forma que meu pai, aprendeu a ler e escrever sozinha. Com muito esforço e também muita vontade. Nunca eu a ouvi dizer que tivesse ido à escola. Foi autodidata. Morreu em 6 de agosto de 1963, três anos e meio depois do triunfo da Revolução.

FORMAÇÃO POLÍTICA E STALIN

Seus anos de formação intelectual coincidem, então, com dois períodos trágicos: a primeira ditadura de Fulgencio Batista e a Segunda Guerra Mundial.

Tudo isso, sem dúvida, influenciou na minha formação, mas influenciou, sobretudo, no surgimento e no desenvolvimento das forças políticas e revolucionárias. Porque também, no final dos anos 1930, haviam surgido na França, na Espanha e em outras regiões as famosas Frentes Populares. Nisso estavam também as mãos de Stalin, até mesmo seus métodos. Como quando ordenou, a partir de Moscou, que se estabelecessem alianças nacionais contra o fascismo. (…). A Stalin, apesar de seus grandes abusos e erros, deve ser atribuído o desenvolvimento da indústria de alta produtividade, voltada sobretudo para a defesa, e a transferência das fábricas de armas para o Leste, iniciada antes de 1941, porque já se conheciam os planos de Hitler de conquistar um espaço vital na União Soviética, com considerável aprovação do Ocidente. A transferência da maior parte dessa indústria, já em plena Guerra e em meio a um inverno rigoroso, constituiu uma gigantesca proeza. Com esse esforço e a heróica defesa, na qual mais de 20 milhões de operários e camponeses entregaram a vida lutando contra o fascismo, a União Soviética prestou um serviço inestimável para a humanidade. (…). Tenho dados sobre o que custou à União Soviética aquela Guerra. Tudo isso foi pago pelo movimento comunista internacional a um preço muito alto. E aqui em Cuba também, porque aqui se constituiu igualmente uma Frente Popular. O Partido Comunista de Cuba foi obrigado a se aliar a um governo sanguinário, repressor e corrupto como o de Batista.

Os comunistas aliaram-se a Batista?

Sim. E mais tarde, na atmosfera de união favorecida pela Guerra Mundial e pelo antifascismo, chegaram inclusive a ter ministros no governo de Batista.

Ministros cubanos comunistas?

Isso mesmo. Dois.

FIDEL PRÉ-REVOLUÇÃO

Seu pai era de direita e a sua formação foi toda em escolas religiosas conservadoras. Quando você acha que encontrou a esquerda na sua trajetória universitária?

Já contei uma vez que, quando cheguei à universidade, o pessoal de esquerda me via como um personagem estranho, porque diziam: “Filho de um latifundiário e formado pelo colégio Belén; este deve ser a coisa mais reacionária do mundo”.

O ASSALTO AO QUARTEL MONCADA

Quando você decidiu atacar o quartel Moncada?

Quando decidimos atacar o Moncada? Quando nos convencemos de que ninguém faria nada, de que não haveria luta contra Batista, e de que todos aqueles grupos – nos quais muitas pessoas militavam – não estavam preparados nem organizados para levar a cabo a luta armada.

Quantos homens vocês treinaram para o assalto?

Treinamos 1.200 jovens. Havíamos organizado um pequeno exército. Falei com cada um deles, trabalhava com bastante assiduidade e por muitas horas. Em alguns meses conseguimos recrutar 1.200 homens.

E todos eram muito jovens.

Todos, todos. Era gente jovem, de 20, 22, 23, 24 anos. De mais de 30 anos talvez houvesse um, Gildo Fleitas, que trabalhava no escritório do colégio Belén, e eu o conhecia desde aquela época.

Falemos do assalto ao Moncada. Você considera que, definitivamente, esse ataque foi um fracasso?

O Moncada poderia ter sido tomado, e se tivéssemos tomado o Moncada, teríamos derrubado Batista, sem dúvida alguma. Teríamos nos apoderado de alguns milhares de armas. Surpresa total, astúcia, logro do inimigo. Eles levariam horas até se recuperar do caos e da confusão que se instalaria em suas alas, dando-nos tempo para os passos seguintes.

CHE GUEVARA

Seu irmão Raúl o conheceu antes de você?

Sim, porque um dos primeiros que saíram de Cuba para o México foi Raúl. Já o estavam acusando de ter instalado bombas, e eu mesmo lhe disse: “Você tem que sair”. Foi para o México e lá conheceu Che, por intermédio de nossos companheiros que estavam por lá. Quer dizer, ainda não era o Che, era Ernesto Guevara, mas, como os argentinos costumam dizer “che!”, os cubanos começaram a chamá-lo de Che, e assim ficou sendo conhecido.

Che já simpatizava com as suas idéias?

Ele já era marxista. Ainda que não militasse em nenhum partido, já era, naquela época, um marxista de pensamento. E lá, no México, estava com Ñico López, que era um dos dirigentes do Movimento, um bom jovem, modesto, que vinha do Partido Ortodoxo, muito radical, muito corajoso, e havia participado do ataque ao quartel de Bayamo.

Dizem que Che tinha afinidades trotskistas. Você percebeu isso naquele momento?

Não, não. Deixe-me dizer, realmente, como era Che. Che já tinha, como lhe disse, uma cultura política. Ele havia lido espontaneamente os livros e as teorias de Karl Marx, de Engels e de Lenin… Ele era marxista. Nunca o ouvi falar de Trotski. Ele defendia Marx, defendia Lenin e atacava Stalin. Quer dizer, criticava o culto à personalidade, os erros…; mas realmente nunca o ouvi falar de Trotski.

Ele era leninista e, de certa forma, reconhecia até alguns méritos de Stalin. Na verdade, a industrialização e algumas dessas coisas.

A imprensa internacional dizia que havia uma ruptura entre vocês dois, desacordos políticos graves; dizia que ele havia sido preso aqui e até morto…

Suportamos silenciosamente aquela onda de rumores e de intrigas. Mas ele, ao partir, no final de março de 1965, havia me escrito uma carta de despedida.

Você não divulgou essa carta publicamente?

Não. A carta estava em meu poder, e a tornei pública em 3 de outubro de 1965 no ato em que se anunciou a constituição do Comitê Central do novo Partido Comunista de Cuba, e tive de explicar o motivo da ausência de Che nesse Comitê Central. E, enquanto isso, a intriga circulando, o inimigo semeando a discórdia e a dúvida, sobre se Che Guevara havia sido “eliminado”, se houve discordâncias…

AS BARBAS REVOLUCIONÁRIAS

Abrindo um parêntese, gostaria de lhe perguntar: em que momento vocês decidiram deixar crescer a barba como símbolo da rebelião?

A história da barba é muito simples: surgiu das difíceis condições que enfrentávamos na guerrilha. Não tínhamos lâmina de barbear nem navalhas. Quando nos vimos no coração da montanha, a barba e o cabelo de todo mundo haviam crescido, e no final isso se transformou em uma espécie de identificação. Para os camponeses e para todo o mundo, para a imprensa, para os jornalistas, éramos “os barbudos”. O que tinha seu lado positivo: para que infiltrassem um espião na guerrilha, era preciso prepará-lo com muita antecedência, para que o indivíduo tivesse uma barba de seis meses. Assim, a barba servia como um elemento de identificação e de proteção, até que acabou transformando-se num símbolo dos guerrilheiros. Depois, com a vitória da Revolução, conservamos a barba para preservar o símbolo.

A REVOLUÇÃO

Quando você entrou em Havana?

Levei oito dias para chegar a Havana, porque em cada uma das capitais da província eu tinha de me deter e realizar um ato. Mas, veja, só de tanque se podia passar, não se podia ir nem de caminhão nem de nada. Já não havia resistência, em poucos dias terminou. A greve continuava, as pessoas estavam entusiasmadas com ela quando já não era necessária greve nenhuma; mas depois já estava todo mundo em festa.

Cheguei no dia 8 de janeiro de 1959 a Havana, depois de realizar atos em todo o caminho.

Em janeiro de 1959, vocês não instauraram a transformação revolucionária da noite para o dia, mas uma espécie de governo de transição, certo?

Já havíamos designado um governo, porque eu estabeleci que não aspirava à Presidência. Uma demonstração de que não lutava por interesses pessoais. Procuramos um candidato e escolhemos um magistrado que se opusera a Batista, que havia absolvido os revolucionários.

Manuel Urrutia?

Urrutia. Ele ganhou prestígio. Pena que não tenha tido um pouco mais de decisão.

Você não queria ser presidente naquele momento?

Não, não me interessava. O que eu queria era a Revolução, o exército, a luta. Claro, poderia vir uma eleição em dado momento e eu poderia me candidatar; mas não buscava isso. Eu estava interessado nas leis revolucionárias e na aplicação do programa do Moncada.

JULGAMENTOS E EXECUÇÕES

O que você pensa, particularmente, da pena capital?

Tenho minhas concepções sobre a pena de morte. Sim, tenho muitas concepções, e eu acho que a pena capital não resolve o problema, é relativa a influência que a pena de morte tem. Estamos agora estudando o crime e as suas causas. Estamos fazendo estudos de todo o tipo, científicos (…) Alguém que estudou Direito sabe que há um princípio em Direito que estabelece que o homem com problemas mentais é inimputável.

Estamos estudando tudo isso. Acredito que avançamos para um futuro, no nosso país, no qual estaremos em condições de abolir a pena capital.

A propósito de tudo isso, gostaria de lhe perguntar sobre as três execuções que houve em abril de 2003. Causou surpresa o fato de terem sido condenadas à morte e executadas três pessoas que, apesar do sequestro de uma embarcação e do que fizeram, na realidade não mataram nem feriram ninguém. Então realmente surpreende que se tenha aplicado a pena de morte a essas pessoas.

Esse sequestro foi um desses casos. Havia um risco muito grande de que se desencadeasse uma onda de sequestros, associada ao pretexto insuspeito de ataque, de guerra ao país, dentro de toda essa filosofia da “guerra preventiva”. Já haviam ocorrido os atos terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova York, e foi declarada uma filosofia belicista que qualificamos de nazifascista.

Você ficou surpreso com a declaração de José Saramago?

Sim, nos doeu bastante. Acho que ele se precipitou um pouco. Sem conhecer a fundo a situação, nem as circunstâncias. Mas respeito suas convicções. Muitos amigos nossos se incomodaram com essas execuções. Nós respeitamos seus princípios. Mas houve muita propaganda, e isso criou uma grande confusão. Alguns amigos, que haviam feito declarações críticas, como Eduardo Galeano, depois retificaram sua primeira atitude. Ficamos muito contentes com o fato de alguns amigos nossos terem levado em conta, pelo menos em parte, nossas explicações.

AMÉRICA LATINA

Imagino que você tenha ficado muito satisfeito com a vitória de Evo Morales na eleição presidencial da Bolívia, em 18 de dezembro de 2005.

Muito. Essa eleição de Evo Morales, contundente, indiscutível, comoveu o mundo, por ter sido escolhido pela primeira vez um presidente indígena na Bolívia e o qual é extraordinário. Evo possui todas as qualidades para dirigir seu país e seu povo nessa hora tão difícil e tão singular.

Em 11 de abril de 2002 houve um golpe de Estado em Caracas contra Chávez. Você acompanhou aqueles acontecimentos?

Quando nos demos conta de que aquela manifestação da oposição fora desviada e se aproximava de Miraflores, que havia as provocações, os tiros, as vítimas, e que alguns altos oficiais se haviam amotinado e se pronunciado publicamente contra o presidente, que a guarnição presidencial se havia retirado, e que o Exército já viria prendê-lo, entrei em contato com Chávez, porque sabia que ele estava indefeso e que era um homem de princípios, e lhe disse: “Não se sacrifique, Hugo! Não faça como Allende! Allende era um homem sozinho, não tinha um soldado sequer. Você tem uma grande parte do Exército. Não se demita! Não renuncie!”.

Você o estimulou a resistir com as armas na mão?

Não, ao contrário. Isso foi o que fez Allende e pagou com sua vida. Chávez tinha três saídas: entrincheirar-se em Miraflores e resistir até a morte; fazer um chamado à população, à insurreição, e desencadear uma guerra civil; ou se render, sem renunciar, nem se demitir. Nós o aconselhamos a terceira. Que foi o que ele também havia decidido fazer. Porque, além disso, como ensina a história, todo dirigente popular destituído nessas circunstâncias, se não for morto, será reivindicado pelo povo e regressará ao poder.

A IDADE

Hoje, aos 79 anos, olhando para sua vida, você se lamenta de alguma coisa que não pôde fazer?

De não ter sido possível descobrir antes todas as coisas que conhecemos agora, com as quais, na metade do tempo, teríamos conseguido fazer o que fizemos em 46 anos.

Você se lamenta de algo que fez?

Já pensei em alguma coisa da qual poderia me lamentar, algo de que pudesse me arrepender. Cometi erros, mas nenhum foi estratégico, apenas tático. As pessoas se lamentam de muitas coisas, às vezes até em discursos… Mas não tenho um pingo de arrependimento do que fizemos no nosso país e da forma como organizamos nossa sociedade.

Há 50 anos, você pensava que tudo ia ser tão difícil e que ia encontrar tantos obstáculos?

Na verdade eu sabia que seria muito difícil. Eu acreditava que as dificuldades fundamentais estavam em tomar o poder para fazer a Revolução. Primeiro derrubar Batista, e não derrubar Batista para que continuasse tudo igual, mas para mudar a situação. Porque, quando parti para o Moncada, já tinha minhas idéias essenciais formadas, todas, a questão era desenvolver uma tática e uma estratégia para conseguir tudo isso. Se tivéssemos triunfado naquele 26 de julho de 1953, não estaríamos aqui.

PARTIDO ÚNICO

Falando da estruturação política em Cuba, gostaria de perguntar se você não acha que a estrutura de um partido único seria inadequada para uma sociedade cada vez mais complexa como a atual sociedade cubana.

Você está me perguntando sobre o partido único. Quanto mais cultura adquire e mais conhece o mundo, mais o nosso povo se contenta com a unidade e mais a valoriza. Posso ver o espetáculo que ocorre em alguns países que têm 100 ou 120 partidos… Não acredito que se possa idealizar isso como forma de governo, nem se pode idealizar isso como forma de democracia. Seria uma loucura, uma manifestação de alienação. Como um país do Terceiro Mundo pode se organizar e se desenvolver com cem partidos? Isso não conduz a nenhuma fórmula saudável de governo.

Como você bem sabe, porque já analisou em alguns de seus livros, em alguns países latino-americanos que prefiro não mencionar, as campanhas eleitorais custam centenas de milhões de dólares, ao estilo norte-americano, e os assessores de marketing ensinam ao candidato como se pentear, se vestir, se dirigir à população, e o que deve e o que não deve dizer. Tudo isso é um carnaval, uma verdadeira farsa, um teatro…

SAÚDE E SUCESSÃO

Em 23 de junho de 2001, você desmaiou durante um discurso público; e em 20 de outubro de 2004, você sofreu uma queda, também em público, que lhe causou uma fratura no joelho. Como você se recuperou desses problemas?

Veja, como sempre, especularam muito sobre isso. É verdade que, em 23 de junho de 2001, em um bairro de Havana, no Cotorro, sob um calor intenso e durante um discurso que durou mais de três horas, transmitido ao vivo pela televisão, tive uma ligeira perda de consciência. Algo perfeitamente perdoável. Foi um desfalecimento rápido, de apenas alguns minutos, por causa do calor e do sol excessivos. Aquilo não foi grande coisa. Podia ter acontecido a qualquer um que tivesse ficado sob aquele sol impiedoso.

Eu gostaria, a esse respeito, de abordar o tema do futuro. Você já pensou em se aposentar?

Veja, sabemos que o tempo passa e que as energias humanas se esgotam. Mas vou lhe dizer o que disse aos companheiros da Assembléia Nacional em 6 de março de 2003, quando me reelegeram presidente do Conselho de Estado: “Agora compreendo que meu destino não era vir ao mundo para descansar no final da minha vida”. E prometi estar com eles, se assim desejassem, todo o tempo que fosse necessário, enquanto soubesse que poderia ser útil. Nem um minuto a menos, nem um minuto a mais.

Se você, por qualquer circunstância, desaparecesse, Raúl seria seu substituto indiscutível?

Se amanhã me acontece alguma coisa, com toda a certeza a Assembléia Nacional se reúne e o elege, não resta a menor dúvida. Mas ele já tem quase a minha idade, está me alcançando, é um problema de geração. Temos sorte de os que fizeram a Revolução já terem formado três gerações.

Ou seja, você acredita que seu verdadeiro substituto, mais do que uma única pessoa, mais do que Raúl, seria mais propriamente uma geração, a geração atual?

Sim, já há algumas gerações prontas para substituir outras. Tenho confiança, e sempre digo isso, mas estamos cientes de que são muitos os fatores que podem ameaçar um processo revolucionário. Há os erros de caráter subjetivo… Houve erros, e temos a responsabilidade de não ter descoberto determinadas tendências e erros. Hoje eles já foram superados. Eu disse o que aconteceria amanhã; mas já estão aí as novas gerações, porque a nossa está acabando. O mais jovem – digamos, falei do caso de Raúl – é apenas uns quatro anos mais novo que eu.