O centenário de um jornalista revolucionário

Nascido em 4 de outubro de 1913 em Beberibe (CE), o advogado, jornalista e escritor Rui Facó – autor de Cangaceiros e Fanáticos – teve destacada atuação como jornalista na imprensa do PCB. E para marcar o centenário desse importante intelectual orgânico, foi lançado o site www.ruifaco.com.br e livro de sua biografia. Para conhecer um pouco mais sobre o homem e sua obra, reproduzimos artigo publicado no jornal semanário Novos Rumos, da semana de 22 a 28 de março de 1963, logo após seu falecimento.

“Dentro de alguns meses, Rui Facó completaria 50 anos. Nasceu numa cidadezinha próxima a Fortaleza, Beberibe, no Ceará, a 4 de outubro de 1913. A sua vida seria marcada pelos grandes fatos históricos que coincidiram com a época do seu nascimento: a Primeira Guerra Mundial e o início da revolução socialista.

Passou a infância e a adolescência em sua terra natal. Filho de uma família de classe média pobre, teve, logo depois de terminar o ginásio, de começar a trabalhar para pagar os seus estudos. Foi assim que Rui, muito moço ainda, ingressou na redação do Unitário, jornal de Fortaleza. É também nesse período que entra na Faculdade de Direito, mais para satisfazer sua família que desejava vê-lo formado, do que mesmo por inclinação. Como estudante e jornalista, entra em contato com o ambiente intelectual de sua terra, onde então já existiam nomes de valor, como Rachel de Queiroz e Jader de Carvalho. Daí para a atividade política foi apenas um passo: Rui escolheu logo o seu caminho e ingressou no Partido Comunista.

O início de sua atividade política e intelectual coincide com os acontecimentos que abalaram o País em 1935. Uma boa parte da mocidade universitária sentia então a ameaça da onda fascista que se espraiava pelo mundo, e que chegava ao Brasil com o movimento integralista. Rui viveu intensamente a agitação daqueles anos e é em meio a aguda luta antiimperialista e democrática daqueles dias que tem início a formação de sua consciência política e ideológica.

Foram anos de afluxo em massa de intelectuais às fileiras do movimento revolucionário. Somente alguns, porém, manter-se-iam coerentes nos anos seguintes, quando a onda de terror estado-novista se abateu sobre nossa pátria. Rui Facó foi um deles, e jamais vacilou em continuar pelo caminho escolhido ainda nos anos de sua adolescência. Isto lhe custou o sacrifício de ter de afastar-se de amigos e de parentes e de ter renunciar a vantagens materiais.

A derrota do movimento antiimperialista de 1935 e as perseguições que lhe seguiram obrigaram Rui a descer do Ceará para a Bahia. Mas isso não mudou em nada a sua vida. Em Salvador – cidade que Rui adotaria como segunda cidade natal – reintegrou-se rapidamente em suas atividades políticas e profissionais. Na Bahia termina o curso de Direito e completa a sua formação profissional como jornalista, revelando, então, quando trabalhava para os Diários Associados, a sua grande vocação de repórter. O golpe fascista de 1937 encontrou-o em plena militância política: o 10 de novembro significou para Rui uma penosa prisão.

Os anos do chamado Estado Novo não interromperam a militância de Rui Facó. As perseguições policiais limitaram ao máximo a atividade revolucionária de então, mas não conseguiram liquidá-la. Na frente cultural havia sempre uma revista registrada no DIP que estava nas mãos de esquerdistas. Na Bahia houve Seiva e Flama. Rui colaborou intensamente para o êxito dessas revistas. É ainda nesses anos que se casa com Júlia Guedes, uma ex-colega e companheira de luta de Faculdade.

Os anos da Segunda Guerra Mundial foram anos de intensa agitação na Bahia, que sofreu o impacto dos afundamentos dos navios brasileiros nas suas costas por submarinos alemães. Em Salvador, como em outras cidades do país, o dique da reação policial fascista começou a ser quebrado. Surgiram melhores possibilidades de trabalho para o movimento democrático. A frente cultural aproveitou-se disso para ampliar sua atividade. Rui, quer como secretário de um jornal reacionário, quer como redator da revista comunista Seiva, deu nesse período o melhor de suas forças para, através da propaganda, ajudar a unir o povo brasileiro na luta pela derrota do nazi-fascismo.

Ao terminar a guerra, Rui veio com sua mulher e seu filho, Paulo, para o Rio. A democratização do País e a legalidade do Partido Comunista deram a Rui Facó a possibilidade de ele dedicar sua vida exclusivamente ao trabalho cultural revolucionário. Ingressou imediatamente na redação da Classe Operária, além de colaborar em outros jornais e revistas populares. Desde então, Rui viveu todas as alegrias e tristezas de nossa imprensa revolucionária.

Em 1952, partiu para a União Soviética. Ali, juntamente com Júlia, trabalhou na Rádio de Moscou. Viveu na URSS até 1958, quando regressou ao Brasil, após a morte de sua companheira. O período da URSS foi para Rui anos de grande aprendizado: pôde ver na prática os grandes êxitos do socialismo. Mas ele soube compreender também os erros cometidos na construção do socialismo, principalmente os prejuízos causados pelo culto à personalidade. Rui, como intelectual, interessou-se principalmente pelo papel negativo do sistema do culto à personalidade para o trabalho de criação artística e literária e para o trabalho de investigação das ciências sociais.

Ao regressar da URSS, Rui Facó voltou novamente ao seu antigo posto e ingressou na equipe de Novos Rumos. Aqui o trabalho de Rui se caracterizou sempre pelo seu alto nível, refletindo a sua cultura amadurecida e o seu bom gosto literário.

A morte surpreendeu o nosso companheiro Rui no melhor do seu trabalho. Ao lado da obra realizada nos últimos anos — dois livros, um publicado e outro prestes a ser publicado, e vários ensaios —, Rui estava cheio de projetos e já trabalhava intensamente em alguns deles.

A vida de Rui Facó foi a vida de um intelectual honesto ligado ao povo. De todas as suas qualidades, quer como intelectual, quer como político, aquela que mais ressalta é a de jornalista revolucionário.”