‘Primeiros Dias do Partido’ – Astrojildo Pereira

Neste artigo publicado em Novos Rumos da semana de 25 a 31 de março de 1960, Astrojildo Pereira relata alguns pontos dos primeiros dias de existência do PCB.

“O Congresso de fundação do Partido não foi coisa realizada de improviso, mas resultou de um trabalho de preparação que durou cêrca de cinco meses. Por iniciativa e sob a direção do Grupo Comunista instalado no Rio de Janeiro a 7 de novembro de 1921, outros grupos se organizaram, nos centros operários mais importantes do País, com o objetivo precípuo de marchar para a fundação do Partido. Tinha-se em vista estabelecer certos pontos de apoio nas regiões onde havia alguma concentração de massa operária. Compreendia-se, por outro lado, que o Partido devia ter desde o início um caráter definido de partido de âmbito nacional.

O mensário Movimento Comunista, pelo Grupo do Rio, já em seu primeiro número (janeiro de 1922) explicava claramente o que se pretendia: “Com referência à organização partidária, desejamos e preconizamos a união, solidamente baseada num mesmo programa ideológico, estratégico e tático, das camadas mais conscientes do proletariado. As experiências próprias e alheias nos aconselham unidade e concentração de esforços e energias, tendo em vista coordenar, sistematizar, metodizar a propaganda, a organização e a ação do proletariado”. Para melhor compreendermos o sentido dessas palavras, no momento em que foram escritas, devemos lembrar que a classe operária brasileira não possuía nenhuma tradição de organização política em partido independente, e que os sindicatos operários de tendência revolucionária, em cujo seio nasceu o Partido, eram organizações de orientação anarquista, baseadas numa estruturação ultraliberal, adversas a qualquer forma de direção unitária e centralizada.

Os Grupos Comunistas eram constituídos, em sua absoluta maioria, por operários ativistas do movimento sindical, e assim desde o início se constituiu o Partido sobre uma firme base proletária. Eis porque a preparação política e prática para a realização do 1º Congresso se desenvolveu em estreita ligação com a atividade dos comunistas dentro dos sindicatos, com sua participação nas lutas operárias e nas ações de massa. Não é demais chamar a atenção para o que havia de positivo neste aspecto da formação inicial do Partido.

Simultaneamente, os comunistas sustentavam intensa campanha ideológica de esclarecimento e definição de princípios, em luta aberta e cerrada contra a ideologia anarquista até então predominante.

A formação do Partido se processou, de tal sorte, em pleno fogo das lutas de classe e, ao mesmo tempo, sob o fogo de uma dura luta ideológica, que era o reflexo, no Brasil, e segundo as condições brasileiras, da luta ideológica travada no plano mundial pela III Internacional.

Fundado definitivamente o Partido, no 1º Congresso, os Grupos passaram a constituir suas organizações locais, já agora estruturadas em moldes centralizados, isto é, com a sua subordinação a uma direção nacional única, de acordo com os Estatutos adotados. O mensário Movimento Comunista passou a ser editado pela direção nacional como órgão do Partido em seus primeiros meses de existência como tal.

Continuando a orientação já seguida anteriormente pelos Grupos, os comunistas intensificaram sua atuação dentro dos sindicatos operários, através de líderes e ativistas sindicais que haviam aderido ao Partido. Em aplicação da linha partidária, os comunistas batiam-se pela unidade sindical, independentemente de diferenças ideológicas e políticas, como condição básica para o êxito das ações de massa. A luta ideológica de crítica à orientação anarquista era sobretudo uma luta contra o sectarismo, fator de divisionismo, isolamento e impotência. “É imprescindível levar em conta as lições do passado” – lia-se em editorial do Movimento Comunista consagrado ao problema de reorganização sindical – “se não queremos incidir nas mesmas falhas e nos mesmos erros, que inevitavelmente nos levariam às mesmíssimas derrotas”.

A propaganda das idéias comunistas era realizada não só sob forma impressa, através do mensário citado e da difusão de livros e folhetos, como também sob a forma de conferências, palestras, festas, etc. Geralmente, as conferências e palestras – algumas de caráter polêmico – se efetuavam nas sedes dos sindicatos operários. No concernente à propaganda impressa, acrescentemos que diversos jornais sindicais, quase sempre redigidos por líderes sindicais dirigentes do Partido, publicavam em suas colunas os nossos materiais – artigos, polêmicas, notas informativas, e mesmo alguns trabalhos teóricos dos clássicos do marxismo. O Manifesto Comunista, cuja primeira edição brasileira data de 1923, foi publicado antes em números sucessivos da Voz Cosmopolita, seminário dos trabalhadores em hotéis, restaurantes e cafés.

Os comunistas brasileiros participaram ativamente da campanha mundial em favor de Sacco e Vanzetti: No Rio de Janeiro, a campanha foi dirigida pela Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, com o apoio decidido dos comunistas. Houve também, por essa época, uma campanha de âmbito nacional em favor do marítimo brasileiro José Leandro da Silva, vítima de injusta condenação por parte de tribunais da reação: os comunistas colocaram-se na primeira linha do combate.

Nos meios intelectuais, a fundação do Partido não teve repercussão imediata. Lima Barreto veio a falecer precisamente no ano de 1922, mas tudo leva a crer que tomaria posição a favor do Partido. Outro escritor e jornalista carioca, que vinha também do anarquismo e que desde o início formou ao lado dos comunistas, foi Domingos Ribeiro Filho, durante muitos anos redator-chefe da popular revista Careta. Em São Paulo, o veterano Afonso Schimidt foi dos primeiros a escrever do comunismo e da Revolução Russa. Ainda em São Paulo, o poeta Raimundo Reis, já falecido, e o velho combatente Everardo Dias, que permanece firme no seu posto, foram os primeiros a aderir ao Partido. Em Pernambuco devemos mencionar o professor Cristiano Cordeiro, líder popular de grande prestígio, que organizou o Grupo Comunista do Recife e foi seu delegado ao Congresso de fundação do Partido. Rodolfo Coutinho, então jovem estudante pernambucano, deve ser lembrado entre os primeiros intelectuais que ingressaram no Partido.

Convém recordar que a formação do Partido se processou durante meses de extrema tensão política, motivada sobretudo pela campanha da sucessão presidencial. Realizada a eleição a 1º de março de 1922, a luta política, em vez de amainar, cresceu de intensidade e virulência. A 5 de junho, o Forte de Copacabana tomou a palavra. Foi vencido, mas continuou fumegando. O governo decretou o estado de sítio. Com isso, viu-se o Partido jogado na ilegalidade, três meses e pouco depois do Congresso de fundação. Tudo se complicou enormemente daí por diante. Mas o fato mais significativo que devemos aqui salientar é que o Partido não desapareceu, nem cessou a sua atividade, nas novas e difíceis condições criadas pelo sítio.”