No texto que segue, o ator Bemvindo Sequeira homenageia Helena Germano, carinhosamente chamada de “Tia Helena” por toda a militância do PCB, aguerrida comunista de solidariedade exemplar. Por décadas uma das principais organizadoras do “Socorro Vermelho Internacional” no Rio de Janeiro, Tia Helena teve como uma de suas últimas tarefas a de ser candidata a vereadora pelo PCB em 1996.
“Não sei se a garotada de hoje tem nos mais velhos as referências de lutas e incentivo, mas na minha juventude tínhamos contato direto com antigas militantes revolucionárias. Senhoras que nos davam muito apoio , carinho e incentivavam nossa luta. Quer por seu exemplo de vida, quer pelo apreço que tinham por nós.
Eram as chamadas “tias” do Partido.
Na Ilha do Governador tínhamos duas “tias” muito notáveis. Todas duas participavam do Partido desde a Revolta Comunista de 1935.Helena e Nair. Hoje falarei sobre Helena. No próximo ,sobre Nair.
Helena Germano, enfermeira do hospital Paulino Werneck, morava no bairro das Pixunas – hoje Bancários, e era também a enfermeira de todos os moradores do bairro.
Com o médico João Ramos de Oliveira, também comunista, formavam uma solida base de assistência médica na ilha do Governador. Sobretudo na favela do Morro do Dendê.
Fora casada com Edgar Germano, militante também comunista e que falecera meses após o golpe , por depressão diante da perda da Democracia. Restou-lhe o filho Edgar, grande amigo e companheiro também.
Tia Helena viveria até bem mais que 90 anos. E sempre foi muito querida e respeitada por todos nós. Morreu membro do Partido a que sempre pertenceu.
Quase aos 90 anos ainda saiu candidata a vereadora pelo PCB do Rio de Janeiro.
Tia Helena era famosa por sempre ter a geladeira e o armário cheio de doces para nos oferecer. Pausada, comedida, prudente foi um dos grande exemplos para a nossa juventude.
Toda a juventude do Partido, além de sua atenção e carinho, recebia dela assistência de saúde.
Naquele tempo a blenorragia era mais que uma patologia, era uma medalha no peito dos jovens machos. Era motivo de orgulho o adolescente dizer que tinha pegado “gonorréia”. Isso era sinônimo de que ele havia tido uma, ou mais, experiências sexuais. Tinha se tornado “macho adulto”. Muito engraçada a cultura da época.
Ganhei a minha gonorréia. Meu troféu. Pausa na luta contra a Ditadura. Uma baixa temporária na batalha.
Procurei o Dr. Ramos e ele – primeiro médico no Brasil a trabalhar diretamente com a Dra. Ana Aslan, da Romênia – num papel de embrulhar pão passou-me a receita: 2.500.000 de unidades de Benzetacil . Ele não deixava por menos, prevenia a possibilidade de sífilis futuras.
As farmácias da Ilha reconheciam as receitas de Dr. Ramos até em tiras de papel higiênico se ele as emitisse assim.
Comprado o remédio, onde tomar? Tal quantidade deveria ser tomada misturada ao soro, aos poucos.
Fui para a casa de Tia Helena, e ela, enfermeira de lutas, improvisou com um cabide e um cabo de vassoura um pedestal para o soro, e lá fiquei eu, deitado na sua cama, regredido diante do seu carinho maternal, tomando benzetacil gota a gota, com a oralidade infantil agradada por docinhos e comidinhas inesquecíveis, cercado pelo carinho daquela lutadora cuja memória honra todos que lutam até hoje pela bem da humanidade.
Tia Helena e o Dr. Ramos já nos deixaram, a Direita continua aí nos incomodando, mas blenorragia ou sífilis nunca mais me ameaçaram.
Bendita, Helena Germano.”