Os 59 anos de PCB em Caxias, no Maranhão

Em Caxias, Maranhão, o Partidão foi fundado em 1953, há 59 anos, pelo ferroviário Benedito Marques Teixeira. Homem simples, de irretocável idoneidade, zeloso pai de família, Benedito despertou para as ideias e os valores socialistas a partir das conversas com o amigo e cunhado engenheiro Jadihel Carvalho, homem de renomada cultura e saber teórico, que nutria convicções marxistas. Benedito não pôde avançar muito nos estudos escolares, interrompidos no 5º ano ginasial. Abandonou a escola porque precisou trabalhar para sustentar a família, mas tornou-se grande conhecedor da doutrina do Partido através da literatura marxista-leninista.

Tendo adquirido formação política através da leitura de conteúdo revolucionário, foi a São Luís conhecer a médica Maria Aragão, líder do PCB no Estado. Esta contribuiu ainda mais para a solidificação de sua consciência de classe. Benedito filiou-se ao PCB da capital e logo após iniciou militância política, realizando clandestinamente um trabalho de mobilização e conscientização em meio ao operariado caxiense. Deu grandes contribuições para o movimento regional, tornando-se também uma expressão com destaque em nível nacional. Ao lado de outros ferroviários, chegou a reunir-se com Luís Carlos Prestes, quando da participação no Congresso da Confederação Nacional dos Ferroviários, no Rio de Janeiro.

A primeira direção do partido em Caxias tinha a seguinte estrutura: Primeiro Secretário, Secretário de Organização e Propaganda, Secretário de Finanças e Secretário Político. O grupo foi composto por Benedito Teixeira, Leopoldo Borgéa e Acrísio Silva, que eram operários da RFFSA; e por Raimundo Quirino, João Sereno e José Ramos que trabalhavam no mercado central como artesãos e vendedores de rede.

A luta organizada

Considerando os índices populacionais, o Partido em Caxias, à época do Golpe Militar, já possuía em suas fileiras número expressivo de militantes, além de muitos simpatizantes e colaboradores entre trabalhadores e integrantes da classe média. Personalidades como o professor e imigrante italiano José de Augustinis, contraditoriamente proprietário da manufatura União Caxiense; o engenheiro Jadihel Carvalho; o funcionário público Antenor Viana e João da Providência Lima, farmacêutico, contribuíam financeiramente para o movimento. O dinheiro arrecadado era investido em panfletos e materiais de formação e propaganda que dinamizavam a conscientização e mobilização dos operários, sendo uma parte dos valores enviados para o Comitê Estadual do Partido, em São Luís, como forma de estabelecer a solidariedade com o coletivo da luta em nível estadual.

Caxias tinha significativa participação no organismo do PCB no Maranhão. Benedito Teixeira, como Delegado Municipal, atuou no Estado ao lado da médica Maria Aragão, do também médico oftalmologista William Moreira Lima, o ferroviário Augusto Marques e o poeta e jornalista Bandeira Tribuzzi que, embora não fosse filiado ao Partido, era um de seus mentores intelectuais e esteve entre os responsáveis pelo trabalho de imprensa, colaborando na edição do Jornal Tribuna do Povo, atividade vital para um grupo revolucionário naquele contexto. Viviam em tempos de repressão política e clandestinidade imposta para os que pregavam igualdade, justiça e liberdade. As reuniões, feitas às escondidas, eram convocadas por códigos secretos. Os avisos eram dados na calada da noite com tiros de ronqueiras disparados de cima dos morros que circundam a cidade. E esta também era uma forma e celebrar o aniversário do Partidão brasileiro e da Revolução Russa. Também furtivamente, realizavam pichações para protestar contra problemáticas sociais. As ações contestatórias eram intensas, chamavam a atenção, e o partido crescia através de uma militância aplicada na realização de tarefas. Segundo relata Ferreira, 2002, p. 92,

O conjunto de tarefas, extremamente absorventes, obrigava o militante, ao mesmo tempo, a estudar e debater teoria; a mobilizar, agitar e organizar as “massas”, aproximar-se, convencer e recrutar novos militantes; a pichar muros, distribuir panfletos, vender jornais e discursar nas ruas; a participar das reuniões nas células […].

As bases partidárias

O PCB, primeiro partido esquerdista fundado em Caxias, estabeleceu bases ou células como eram chamadas, conscientizando e organizando os trabalhadores em diversas frentes. O partido formou bases no campo e na cidade. Havia grupos organizados por local de trabalho entre os ferroviários, entre os operários fabris, entre os comerciários e os lavradores. A forte a atuação dos militantes caxienses no segmento ferroviário culminou com a fundação da U. F. M. – União dos Ferroviários do Maranhão.

Na década de 60, já contava com duas bases na zona rural: uma estabelecida na região denominada Maria Preta (3º distrito); outra no Olho D’Água Seco, na limpeza (2º distrito). Essa atuação culminou com a criação de Associação de Trabalhadores Rurais nessas localidades. Na Maria Preta, estavam no comando os irmãos lavradores Domingão e José Eufrásio; no Olho D’Água, o também lavrador José Pereira.

O Partido, através da atuação do camarada Raimundo Quirino, importante articulador do movimento nas zonas urbana e rural, fundou também o Sindicato dos Comerciários em Caxias. Atualmente, este Sindicato não é mais uma base pecebista, estando sob a égide do PT, que hoje figura como Partido hegemônico no controle da ordem política vigente no país. Os comerciários reclamam da inoperância deste Sindicato, mas ressaltamos que a luta de classe extrapola os limites das entidades que representam as diversas categorias, e que um partido classista deve atuar através do sindicato de modo a contribuir com as lutas libertárias, pois este é um dos caminhos possíveis para os que querem forjar a transformação social. É com esse princípio que se garante conquistas trabalhistas, evitando o vício do aparelhamento do sindicato em benefício próprio. Manifestamos nossa solidariedade ao segmento comerciário.

O PCB local criou, ainda, uma União Feminina, no Cangalheiro, que reivindicava benefícios para o Bairro. Joaquim Teixeira relata, porém, que a entidade foi cooptada pela burguesia, na pessoa de Abreu Sobrinho, transformando-se na associação beneficente, denominada União Feminina de Assistência Social. Passou a receber recursos financeiros, mas teve sua função reivindicatória descaracterizada. Outra base de iniciativa feminina foi fundada na Rua Santa Maria pela militante Maria Augusta. Havia uma célula também no Bairro Ponte.

1955 – O primeiro discurso em defesa dos trabalhadores

Caxias ouve pela primeira vez um discurso revolucionário classista, proferido em praça pública, em 1955. O palco foi a Praça Cândido Mendes (Matriz). A oligarquia burguesa local, ainda desarticulada e desavisada, não temendo ameaças políticas, frente a um operariado já organizado pelo Partido, confundiu-se e não teve habilidade para evitar que Benedito Teixeira reivindicasse corajosamente condições de trabalho e salários mais dignos para a classe trabalhadora, usando um palanque burguês, ou seja, um comício montado pelo próprio movimento de direita

Benedito, em virtude de sua respeitabilidade, foi convidado para subir ao palanque e fazer uso da palavra. Alteredo Gonçalves, um dos principais caciques da política local àquela época, tentou impedir, mas Alexandre Costa, então iniciante na vida política, contraditoriamente, talvez por ingenuidade, não se opôs e Benedito conseguiu fazer seu discurso, sensibilizando o público. Saiu ovacionado pelo povo. A imprensa Caxiense, a serviço da elite que dominava a política da Princesa do Sertão, omitiu o fato.

Caxias enfrenta a primeira greve operária

A primeira greve deflagrada pelo movimento operário organizado pelo PCB em Caxias, no final da década de cinquenta, foi em defesa de direitos trabalhistas, contra o preconceito racial e em repúdio à violência contra a mulher no local de trabalho. O partido possuía sólida base na manufatura. O chefe da produção, Sr. Erondino, era hostil, truculento, intransigente, perverso no trato com os empregados e passou a exigir o aumento da produção, sem compensação salarial.

A jornada de trabalho, das 5h30 às 11h30 e das 12h30 às 5h30, era extenuante. O salário, mísero. Muitos funcionários sofreram acidentes, atingidos por lançadeiras. Maria Mendes, 85 anos, moradora da Rua Santa Maria, conta que uma cunhada “ficou com problemas mentais, devido a um golpe na cabeça e outra conhecida perdeu um olho”. Às vezes, segundo ela, “trabalhavam com água até o meio da perna, no período do inverno”. As condições, portanto, apresentavam alto grau de periculosidade e insalubridade. Rememora também que “trabalhavam meninas de 11, 12 anos”, o que configura trabalho infantil. Uma realidade de exploração similar à que fora enfrentada pelos operários no início do século xx, quando se inicia o processo de industrialização no Brasil.

Com o acirramento das relações de trabalho e diante das reivindicações, o chefe da produção respondeu agredindo fisicamente Joana Coutinho, uma operária negra, militante do Partido. O espancamento configurou também preconceito racial. Na noite do mesmo dia, Benedito, responsável pelo apoio partidário à base que militava na fábrica, convocou reunião para deliberar sobre o que fazer. Seiscentos operários cruzaram os braços e o movimento culminou com a demissão de Erondino. O comportamento desse personagem, que parece ter feito escola entre os atuais políticos de Caxias, recrudesce até hoje. Recentemente, em meio aos embates gerados por reivindicações trabalhistas, professoras foram agredidas fisicamente por vereadores. Em quase sessenta anos, a realidade não mudou? Precisamos continuar lutando!

A primeira greve dos ferroviários

Os ferroviários, já organizados, começam a expressar os descontentamentos da categoria. Benedito denuncia constantemente na imprensa clandestina do Partido (Jornal Tribuna do Povo) o desaparecimento de materiais da Estrada de Ferro. Passou a sofrer perseguições em virtude dessas denúncias e, notadamente, por sua militância sindical. Não obstante, juntamente com seus companheiros e com a conivência de Jadhiel Carvalho, então diretor da RFFSA, em Caxias, organizou a 1ª greve dos ferroviários do Maranhão e Piauí, com duração de 16 dias. Na pauta de reivindicações, o aumento salarial concedido pelo Ministério da Aviação e Obras Públicas, mas não repassado para categoria. O movimento saiu vitorioso e fortalecido para continuar travando lutas sindicais internas.

É sabido que após a Segunda Guerra Mundial, para controlar as massas urbanas, o governo brasileiro desenvolve uma política assistencialista e populista. Cria o sindicato corporativo, atrelado ao seu comando, incompatibilizando as lideranças classistas. Surgem os sindicatos coloquialmente chamados de “pelego”. As entidades classistas são cooptadas, tornam-se acéfalas. Não foi diferente com a União dos ferroviários do Brasil. Benedito Teixeira, liderou movimento entre os ferroviários para destituir, através de eleição sindical, José Pires, dirigente pelego do Órgão em nível Estadual, mas não obteve sucesso.

Dada a insatisfação da categoria com sua representação, a opção foi seguir a orientação da ofensiva do PCB, que propunha a criação de sindicatos paralelos aos oficiais. Desta forma, os ferroviários, liderados por Benedito, decidiram pela criação da U. F. M – União dos Ferroviários do Maranhão, filiada à Federação Nacional dos Trabalhadores Ferroviários. Houve eleições para escolha da direção do Órgão. Os eleitos foram os irmãos Benedito e Joaquim Teixeira, Leopoldo Borgéa e Acrísio Silva. Todos pertencentes à militância do PCB-Caxias.

As organizações intersindicais paralelas no Brasil floresceram entre 1945 e 1951 e a U. F. M., fundada em 1960, logo veio a deixar de existir em 1964, com o Golpe Militar, mas teve papel importante na greve que mobilizou os operários da Estrada de Ferro São Luís – Teresina.

As perseguições

Com a perseguição política, o Partido foi desmantelado. É o momento da ascensão da Oligarquia Sarney. Com o slong “Maranhão Novo” e o apoio do General Castelo Branco, José Sarney é eleito Governador do Estado. Envolvidos na luta contra o regime militar, foram presos os principais militantes do PCB no Maranhão: Benedito Teixeira, Maria Aragão, William Moreira Lima, o advogado José Mário Santos, os ferroviários Augusto marques, José Oliveira e Clóvis Melo de Oliveira, Bandeira Tribuzzi e outros muitos ferroviários e estudantes. Nos arquivos da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS-MA), ainda constam as fichas ‘criminais” de Augusto Marques e Benedito Teixeira, datadas de 08 de novembro de 1961, ou seja, mesmo antes do Golpe Militar.

Benedito Teixeira foi torturado, submetido a choques elétricos e juntamente com Maria Aragão esteve preso no Quartel do Arsenal da Marinha, em Fortaleza (Ceará), para onde foram transferidos. Ambos, interrogados despidos, sofreram grande constrangimento moral, mas não confessaram que eram companheiros e nem entregaram os nomes dos demais militantes, conforme tática definida pelo Partido.

Também foram perseguidos Joaquim Teixeira e Raimundo Quirino. Joaquim, preso em 64, passou por interrogatórios com o tenente Aluízio Lobo e em seguida transferido para 24º Batalhão de Caçadores, em São Luís, onde encontrou os camaradas Augusto e Benedito. Foi aposentado com apenas 12 anos de serviço por força do Ato Institucional nº. 01, decretado pela ditadura. Essa estratégia objetivou deixá-lo isolado do movimento, podando sua atuação no local de trabalho. Lobo, também em 64, então prefeito de Caxias, em um rompante coronelista, determinou o procedimento de interrogatório de Jadhiel Carvalho, sem que houvesse ordem expressa de órgão competente. Jadhiel, inquirido em sua própria casa, não chegou a ser preso. Embora não tenha tido militância prática no Partido, ao qual nunca se filiou, foi um dos seus fomentadores teóricos e ajudou na fuga e proteção de militantes perseguidos.

Quando do Golpe, Raimundo Quirino precisou fugir disfarçado de mulher e teve sua perseguição acirrada depois que reuniu três mil pessoas em um protesto em defesa dos trabalhadores, na cidade de Codó, assustando o Prefeito que administrava a cidade àquela época. Fora recolhido à prisão, sendo obrigado a ficar na mesma cela com um bandido perigoso, mas este abriu um buraco na parede e Quirino aproveitou para fugir. Escondendo-se pelas matas, conseguiu chegar até o Quilômetro Dezessete. Depois de muitos dias abrigando-se com os companheiros da zona rural, voltou para Caxias, pegando uma “carona” na estrada.

Joaquim, com 77 anos; Raimundo Quirino, com mais de 80, até hoje integram as fileiras do PCB-Caxias.

Íris Mendes (Secretária da Comissão Política do PCB-Caxias)

REFERÊNCIAS

FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do mito: cultura e imaginário político dos comunistas no Brasil (1930-1956). Niterói: EdUFF: Rio de Janeiro: MAUD, 2002.

PIRES, Walnara de Fátima de Moraes. O perigo vermelho sob os trilhos: ferroviários militantes em Caxias (1953-1964). Caxias, 2010. (Monografia).

ROCHA, Carloman dos Reis Pereira. Vida e atuação de Benedito Teixeira como fundador do Partido Comunista do Brasil, em Caxias (1928 – 1979). Caxias, 1999. (Monografia).

Depoimentos orais.