Os comunistas e a produção cultural no Brasil

A seguir, reproduzimos resenha do mestrando de Ciências Sociais da UNESP-Marília Thiago Bicudo Castro sobre o livro Comunistas brasileiros: cultura política e produção cultural, lançado neste 2013 que se encerra pela Editora UFMG.

Composto por uma coletânea de dezesseis capítulos com autoria de pesquisadores de áreas diversas, que vão das Ciências Sociais à Comunicação, passando pela crítica literária e estudos da linguagem, o livro é resultado do Colóquio Comunistas Brasileiros: Cultura Política e Produção Cultural, realizado em 2011 no departamento de História da FFLCH (USP), em conjunto com os Programas de Pós-Graduação em História da UFMG e da USP.

“A diversidade de autores evidencia a tentativa de levantar as múltiplas análises em torno da memória produzida entre os anos de 1930 e 1980 acerca das atividades, propostas e produções de intelectuais e artistas que, de alguma forma, tiveram vinculações com o Partido Comunista Brasileiro – PCB. O livro deixa claro a forma e o conteúdo das atividades culturais de diversos grupos que gravitavam em torno dos ideais políticos e estéticos do PCB em diferentes contextos – políticos, econômicos, sociais e culturais – do Brasil recente.

Os dois primeiros capítulos são dedicados a compreender a cultura política e as representações comunistas. O historiador e um dos organizadores do livro, Rodrigo Patto Sá Motta abre a coletânea e no seu texto A cultura política comunista: alguns apontamentos procura adotar uma definição – ainda que sem pretensões de excluir as outras – para o conceito apresentado no título de seu escrito: cultura política. Na sequência e guiando-se por parâmetros teóricos semelhantes e abordando aspectos da cultura política comunista está o artigo intitulado Quem é Zé Brasil? As representações do camponês brasileiro em obras de Candido Portinari, da também historiadora Paula Elise Ferreira Soares. As pinturas de Portinari ao serem apropriadas pelo PCB permitiram que este lhes atribuísse uma nova significação, bem como a construção de um discurso instrumentalizado em torno das figuras do campo e do camponês.

Também está presente no livro um amplo debate sobre a dramaturgia comunista, propondo análises sobre o teatro e o audiovisual. Denise Rollemberg e Igor Sacramento através de seus textos O bem-amado e a censura: uma relação rigorosa ou flexível? e Por uma teledramaturgia engajada. A experiência de dramaturgos comunistas com a televisão dos anos de 1970, respectivamente, abordam como personagem central o dramaturgo Dias Gomes, além de sua atuação cultural e política nos meios de comunicação, sobretudo na Rede Globo, sempre se atentando ao seu posicionamento ideológico e político – comunista. Reinado Cardenuto, no texto A sobrevida da dramaturgia comunista na televisão dos anos de 1970, expõe a trajetória profissional do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho, em especial na Rede Globo. Além de rica análise documental, os artigos traçam as trajetórias de Dias Gomes e Vianinha sob diferentes perspectivas, mas todas apontando para a questão do intelectual e artista engajados sob a diretriz do PCB, que entre outras coisas, manifestava a necessidade de “ocupar” espaços inseridos no contexto da emergência da indústria cultural. Temas como cooptação/infiltração, são desenvolvidos a partir das premissas expostas, mas há abordagens que visam uma nova chave explicativa para se compreender as obras e atuação político-cultural dos dramaturgos em questão.

Seguindo um eixo temático específico sobre política cultural, as historiadoras Miliandre Garcia e Carine Dalmás, além do também historiador Francisco Alambert, colocam em debate a “hegemonia cultural de esquerda”. O texto Políticas culturais na ditadura militar. A gestão de Orlando Miranda no SNT e os paradoxos da “hegemonia cultural de esquerda (1974-1979) de Miliandre Garcia se destaca por apresentar a influência estatal – simbolizada no SNT – sobre os roteiros das peças teatrais, por outro lado, também apresenta a participação dos comunistas nas políticas públicas para o teatro, evidenciando a hegemonia cultural de esquerda. Alambert em A realidade tropical faz menção à hegemonia cultural de esquerda, contudo já indicando seu declínio nos anos de 1970, com o advento dos movimentos contraculturais, sobretudo o Tropicalismo. A origem das críticas, fundamentadas a partir de uma leitura marxista gestada no interior do PCB contra estes movimentos, pode ser verificada na discussão que Carine Dalmás explora no artigo Os comunistas, a cultura e a política das frentes populares. A historiadora ressalta a importância dos intelectuais e artistas que se vincularam aos partidos comunistas do Brasil e Chile no processo divulgação cultural, a partir dos anos de 1930, suas relevantes participações nas revistas dos partidos, a adesão ao “realismo socialista” e a defesa de estratégias políticas fundadas nas Frentes Populares, assim como alianças entre classes. Martin Cezar Feijó em O comunista e o hippie: Rasga Coração de Vianinha em uma perspectiva histórico-cultural (1968-1974) debruça-se sobre a mais expressiva produção cultural de Vianinha, o espetáculo Rasga Coração. Seu capítulo descreve com detalhes o conteúdo da peça, bem como seus personagens, e com isso demonstra como Vianinha esteve inserido na organização do PCB no contexto da Guerra Fria, mas principalmente com a “ameaça” que a contracultura representava aos comunistas e ao projeto político-cultural de resistência à ditadura. Portanto, os autores trabalham com a hipótese da ascensão e declínio da hegemonia cultural de esquerda entre as décadas de 1960 e 1970.

A relação dos intelectuais com o partido está representada nos textos Nelson Werneck Sodré e o clube militar do cientista político Paulo Ribeiro da Cunha, e em “A luta pela cultura” do sociólogo Rodrigo Czajka. Os artigos exploram a importância dos intelectuais na articulação do PCB, mas consideram também as dificuldades encontradas a partir da interferência dos militares. As interferências em questão se apresentam na forma dos IPM’s e das adversidades internas do Clube Militar.

A literatura e a imprensa se encontram num próprio eixo temático que irá abordá-las sob a perspectiva do engajamento e a função estética das letras. Doutor em teoria literária, Eduardo José Tollendal escreve o artigo Arte revolucionária, forma revolucionária e demonstra de que maneira o romance O caminho das trombas de José Godoy Garcia se constitui como uma crítica política, ao mesmo tempo em que aprofunda teoricamente na questão estética da obra. Marcos Roxo e Mônica Mourão, respectivamente, professor do departamento de estudos culturais e mídia da UFF e jornalista, escrevem juntos o artigo Jornalismo, memória e clientelismo. Expõem a busca de identidade do jornalista comunista perante o partido e sociedade civil, seja na clandestinidade ou infiltrado nas grandes empresas de mídia.

Por fim, os historiadores Marcos Napolitano em “A estranha derrota”, Miriam Hermeto com o texto Grupo casa grande (1974-1979) e Arnaldo Daraya Contier em artigo intitulado Sérgio Ricardo: modernidade e engajamento político na canção, não deixam a problemática do engajamento fora das análises, mas a problematiza no contexto das resistências culturais pós-golpe militar de 1964. Ambos relacionam as ações de seus personagens a uma rede de artistas e ou intelectuais e ao temário proposto pelo PCB durante os anos de 1960 e 70. Assim como o Grupo Casa Grande através de intensos debates buscou compreender quem é o “povo” brasileiro, o compositor Sérgio Ricardo foi aos poucos rompendo com a bossa nova para adentrar na chamada música engajada, que elucidava uma pequena parte deste povo, por meio das representações sobre o morro e as pessoas que o habitam no ambiente urbano. A síntese dessa busca é mais bem compreendida em Napolitano, pois este define os grupos que faziam a resistência cultural naquele momento e dentre eles está o PCB, que não abandonou a proposta de conceituar o nacional-popular.

A obra oferece significativa contribuição aos estudos históricos, sociológicos e para as áreas da comunicação e artes. Coloca em primeiro plano a pouco conhecida participação de artistas e intelectuais comunistas no campo da cultura, demonstrando, portanto a relevância que o tema vem ganhando entre pesquisadores de diversas formações. O livro Comunistas brasileiros faz emergir debates sob várias perspectivas em torno participação desses agentes no campo político, mas também a maneira como a cultura comunista ultrapassou os limites do partido e circulou em espaços antes pouco freqüentados.