Em entrevista ao Brasil de Fato, que reproduzimos a seguir, Dênis de Moraes fala sobre vida e obra do escritor Graciliano Ramos e afirma que ele tinha clareza absoluta de que um escritor que se distancia das questões sociais e políticas não é capaz de retratar em profundidade a condição humana.
Protagonista de uma trajetória intensa e dramática, o homem Graciliano Ramos permaneceu, durante muito tempo, desconhecido de seus leitores e da opinião pública em geral. Apesar da consagração de sua obra, pouco se sabia da vida do autor de Vidas Secas, São Bernardo e Memórias do Cárcere. Procurando suprir essa lacuna, o jornalista Dênis de Moraes, professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), passou dois anos envolvido com uma intensa pesquisa em acervos. Também fez uma série de entrevistas com pessoas que conviveram com ele. Este rico trabalho de investigação resultou na biografia O Velho Graça, lançada em 1992, ano de centenário do escritor. Recentemente, 20 anos depois, a Boitempo Editorial reeditou esse importante material, que mostra, ao longo de suas cerca de 350 páginas, como as preocupações e o exemplo de Graciliano Ramos continuam mais atuais do que nunca. O lançamento dessa nova edição está marcado para os dias 27 e 30 de novembro no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Dênis de Moraes fala sobre suas motivações ao escrever e relançar a biografia do escritor, cuja vida se confunde com a própria história do Brasil do início do século 20. Graciliano teve fama de ser uma pessoa seca e introvertida, mas neste livro aparece o homem que existiu por trás dos estereótipos: brincalhão, irônico, romântico e de profunda solidariedade e sensibilidade em relação à miséria humana. A indignação com a perversa estrutura fundiária que testemunhou no Nordeste foi amadurecendo e, no Rio de Janeiro, chegou a ingressar no PCB, entendendo o socialismo como a saída para a humanidade. Em sua literatura, soube conciliar a condição humana universal com a denúncia da realidade social brasileira, sem deixar de efetuar um cuidadoso e obsessivo trabalho estético. Como explica Dênis de Moraes, hoje é fundamental voltar a Graciliano Ramos não apenas para entender o Brasil de ontem, mas principalmente para ver como a estrutura desigual que ele denunciava ainda permanece. “Apesar dos eventuais avanços e transformações que vivemos ao longo das últimas décadas, na essência vivemos os mesmos dilemas da época do escritor. É a mesma desigualdade social sem paralelo, terríveis injustiças, situação de profundos desníveis e descompassos regionais desse país imenso”, observa.
Brasil de Fato – Como foi seu primeiro encontro com Graciliano Ramos?
Dênis de Moraes –Meu primeiro contato com a literatura de Graciliano foi na adolescência, quando li Vidas Secas incentivado por meu saudoso pai [Francisco Pimenta de Moraes], que era professor de Literatura Brasileira, ministrava curso sobre o autor e sempre me chamou muita atenção para ele. Depois, no vestibular, me deparei com São Bernardo. Este livro, para mim e para alguns colegas, foi um clarão na consciência, pois o universo tirânico e feudal de Paulo Honório, protagonista do livro, guardava alguma semelhanças com o clima de ditadura que nós vivíamos em 1972. O momento de consolidação da minha admiração por Graciliano foi quando li Memórias do Cárcere, sempre me identificando muito com os compromissos sociais, políticos e éticos do escritor. Ou seja: meu interesse surgiu a partir da iniciação dentro de casa e se solidificou com as identidades que fui construindo com ele e que, ao longo dos anos, se aprofundaram.
E como surgiu a ideia dessa biografia?
A ideia da biografia veio da convicção de que o escritor Graciliano era muito conhecido por suas obras, sua literatura, mas o homem que se ocultava por trás dele só era conhecido pelas pessoas mais próximas, amigos e familiares. E era um homem que teve uma trajetória extremamente acidentada, rica e complexa. Pensei que era necessário lançar luzes sobre sua vida, principalmente porque episódios cruciais de sua jornada se confundiram com momentos muito expressivos da história do nosso país do início do século 20, fatos que Graciliano ou protagonizou ou testemunhou – como a passagem da República Velha para o governo Vargas e a insurreição comunista de 1935. O interessante é que no contato humano com pessoas de geração, familiares e amigos mais próximos eu sentia uma série de vazios, lacunas a respeito de certas passagens da vida dele. Mesmo quem era próximo e o conhecia razoavelmente bem demonstrava curiosidade e certa perplexidade em relação a etapas que ele vivenciou. Isso só confirmou a premissa de que o homem que se ocultava por trás do grande escritor, por ter tido um percurso singular, precisava de uma biografia.
Você fala que há 20 anos, quando a biografia foi lançada, o Brasil desconhecia esse homem. E hoje? Qual a importância da reedição do seu livro?
Sem dúvida, a repercussão do livro em 1992, ano do centenário do escritor, direcionou um olhar mais abrangente para ele. Acho que despertou, pela excelente acolhida, um grande número de leitores de Graciliano interessados pelas circunstâncias, políticas, sociais, existenciais e familiares que o envolveram e que ele levou para sua obra.
Que exemplos você pode dar?
O período da prisão, as relações dele com o stalinismo cultural, a época em que ele foi prefeito [de Palmeira dos Índios/AL] e secretário de Educação, o drama de um intelectual cuja obra tem amplo conhecimento da crítica e que em vida não conheceu a prosperidade material que merecia, vivendo a vida inteira em uma corda bamba financeira… Essas são algumas questões. E me chama atenção o fato de que isso tudo aconteceu depois que ele se consagrou com a publicação de São Bernardo, Angústia e Vidas Secas. Nos cerca de 20 anos que Graciliano viveu após a consagração ele enfrentou toda sorte de infelicidade e infortúnios para tentar manter a coerência com sua vocação literária. Fico bastante surpreso ainda como a revelação biográfica de Graciliano encontra ainda hoje uma acolhida e uma repercussão extraordinárias, mostrando que uma série de aspectos da sua jornada são bastante atuais. Por exemplo: o problema da ética na vida pública, o que nosso país continua enfrentando de maneira dramática. Há também a condição do intelectual em uma sociedade do Terceiro Mundo, já que ainda hoje permanecem as dificuldades e restrições para que o intelectual possa exercer seu ofício de maneira mais independente e autônoma. 20 anos depois vejo que foi tão emblemático, rico, variado, intenso e dramático o percurso de Graciliano que ainda hoje sua história desperta muitos debates e discussão na imprensa.
Sua pesquisa foi bem completa. Você leu cartas, vasculhou publicações na imprensa, entrevistou muita gente… Quanto tempo você levou para fazer essa pesquisa e como foi construir essa biografia?
Levei dois anos para fazer o livro [1990-1992], consultando arquivos públicos e privados do Rio de Janeiro, São Paulo, Maceió e Palmeira dos Índios. Tive a felicidade de encontrar vivos personagens fundamentais de sua história, todos muito idosos. Tive a alegria de conversar com vários amigos, companheiros de geração, escritores, intelectuais, familiares… Tive também a sorte de reencontrar antigos moradores de Palmeira dos Índios, testemunhas que puderam relembrar os dois anos gloriosos em que ele foi prefeito da cidade. Foi um trabalho extremamente meticuloso, cansativo e prazeroso porque o mosaico foi sendo construído peça por peça. Isso sem contar os depoimentos contrastantes com outros testemunhos ou então com documentos, o que demanda um trabalho em dobro do biógrafo. Isso aconteceu algumas vezes durante a minha pesquisa
E o que tem de novo nessa nova edição?
Nesses 20 anos eu continuei ligado a Graciliano Ramos, inclusive pesquisando mais coisas que eventualmente pudessem ser acrescentadas no dia em que eu fosse mexer de novo nesse livro. Conversei com pessoas que só depois de 1992 fui localizando e descobrindo vínculos e laços com o escritor. Foi em uma dessas entrevistas, com o saudoso escritor Antonio Carlos Villaça, que cheguei a uma das revelações inéditas dessa nova edição: o único encontro entre Getúlio Vargas e Graciliano Ramos. Naquela época [1937] no Rio de Janeiro as pessoas tinham hábito de sair depois do jantar para dar uma volta, não havia televisão para prender as pessoas em casa. Foi num desses passeios que os dois se encontraram no Catete. Getúlio o cumprimentou, e ele não respondeu. Esse episódio foi muito significativo, porque foi uma espécie de vingança silenciosa contra o chefe do regime que o encarcerara sem processo, sem culpa formada, sem interrogatório, sem nada. Além desses testemunhos, essa edição traz um apêndice com a melhor entrevista dada, na minha opinião, por Graciliano. Foi ao saudoso jornalista Newton Rodrigues, do Rio de Janeiro, publicada em junho de 1944 na revista Renovação, que teve apenas dois números e foi fechada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Ele fala sobre a condição do escritor em sociedade periférica; as relações entre literatura, sociedade e política; o problema da tutela ideológica sobre o trabalho artístico; que tipo de literatura condiz com o público de massa, chegando à conclusão de que é o folhetim. Ora, isso é visionário da parte dele, pois a telenovela de hoje equivale ao folhetim de ontem.
E desses depoimentos que você recolheu, quais te marcaram mais?
Foram muitos, porque eu descobri que a chamada “história oficial” criou uma série de mitologias e lendas em torno de Graciliano Ramos: um homem rude, intratável, intolerante, grosso. Descobri que era na verdade um sertanejo que tinha deixado o Nordeste e que, preso, veio parar na corte da capital federal. Ficou quase um ano encarcerado e depois teve que reconstruir sua vida do zero. Ele tinha seus rompantes, mas era uma pessoa muito mais complexa do que supunha a história oficial. A pesquisa mostra que Graciliano era ambivalente; tinha momentos de impaciência, mas podia ser o mais acolhedor dos homens, o mais tolerante, o mais solidário. Um bom exemplo disso são os jovens escritores que o procuravam na famosa Livraria José Olympio nos anos 1940 para mostrar originais. Quando ele reconhecia valor em algum texto, ele se sentava com esses jovens escritores para dar conselhos, passar experiências de criação. Isso aconteceu com Guilherme Figueiredo, Alina Paim… Outro mito: apresentavam Graciliano Ramos como anti-romântico, tentando transformá-lo numa pessoa insensível. Nunca poderia ser considerado assim um homem que conquistou sua segunda mulher, Heloisa de Medeiro Ramos, através de cartas. Como poderia não ser romântico um homem que, para fazer um mimo à sua esposa, levou tantas vezes maçãs para agradá-la que ela chegou ao ponto de não agüentar sentir mais o cheiro desta que era sua fruta predileta! Ou seja: essa pesquisa mostrou que era necessário desfazer uma série de supostas verdades que estigmatizavam e o aprisionavam em um Graciliano que, se existia, não era o único. Como todos nós, ele também tinha suas complexidades.
Ao ler sua biografia a gente vê que a participação política do escritor vai se acentuando. Quando foi preso, em 1935, ele não chegou a participar ativamente do levante comunista…
Isso. Ele não participou diretamente, era apenas uma pessoa progressista. Em Maceió frequentava uma roda literária de escritores quase todos progressistas, alguns de esquerda. Tinha visão anti- oligárquica, anti-elitista e muito crítica em relação aos arranjos de cúpula da política brasileira para manter as estruturas desiguais do país. Ele tinha também uma verdadeira aversão aos coronéis e à política nordestina. Graciliano Ramos tinha inclusive uma opinião crítica também sobre a insurreição comunista de novembro de 1935, a qual considerava um exemplo do espontaneísmo e da falta de avaliação correta da correlação de forças. Apesar de saber que estava tudo errado e era indispensável fazer qualquer coisa, considerou um erro terrível aquele movimento.
Ele parte dessa visão mais distanciada e chega a se filiar, depois, ao PCB.
A crítica que ele fazia ao mundo agrário não era teórica-conceitual. Era uma crítica que vinha das experiências de vida, da indignação de ver a exploração do homem do campo, as misérias que se reproduziam no Nordeste… Por isso batizei a segunda parte do livro de O Testemunho do Tempo, porque ele viveu aquilo tudo; se não sofreu na carne, pelo menos testemunhou e depois levou para sua literatura, pois sabia que ela não poderia estar desvinculada da realidade do homem brasileiro. Por exemplo: toda aquela situação de Vidas Secas ele presenciou no sertão pernambucano quando, ainda menino, se deparou com o flagelo da seca. Posteriormente ele conviveu com as elites políticas latifundiárias, com os coronéis do sertão. Então, ao longo do tempo, ele foi acumulando muito sentimento de repulsa e rejeição ao poder opressivo, identificado, inicialmente, nas estruturas semifeudais e agrárias do Nordeste brasileiro. Depois que ele sai da prisão e vai para o meio urbano, principalmente nos anos de 1940, ele não apenas consolida e sedimenta essa visão como passa a ter uma noção mais ampla dos mecanismos do poder na capital federal. No Rio ele teve contato com um Brasil ainda extremamente desigual, perverso, injusto. Portanto, aquele sentimento inicial de indignação foi amadurecendo na compreensão de que ele tinha que se cercar de um arsenal teórico-conceitual para tentar entender a realidade brasileira. Não poderia ficar só na visão interpretativa. É por isso que se aproxima do marxismo, descobrindo nele um método de análise que dava conta da compreensão das estruturas profundamente perversas da sociedade brasileira.
A questão internacional também entra aí, pois Graciliano foi duramente crítico ao fascismo internacional. Estava inclusive na mesma prisão em que estava Olga [Benário] e testemunhou sua deportação para a Alemanha…
Sem dúvida. O fascismo lhe causava verdadeira repulsa, e o daqui também. Esse sentimento o levou, por exemplo, a certa vez na José Olympio cuspir no chão e dizer que “a ditadura do Estado Novo era uma cachorrada”. Ele tinha verdadeiro ódio do Estado Novo e muito desprezo pela figura de Getúlio Vargas. Temos que situar o ingresso dele no PCB como uma adesão à esperança que surgia no pós Segunda Guerra com a ascensão do socialismo. Não é casual o fato de que tantos escritores, artistas e intelectuais entraram para o PCB depois de 1945. Com Graciliano não foi diferente: ele viu no socialismo o caminho para a humanidade, no sentido da igualdade, justiça social, inclusão.
E quais foram os problemas que ele enfrentou no partido?
O problema veio com a intensificação da Guerra Fria, do mundo polarizado. Naquele momento ele se viu na difícil situação de estar cercado e patrulhado pela política cultural que o PCB importou da União Soviética, o chamado “realismo socialista”. Ele caminhou no fio da navalha entre a convicção filosófica no socialismo e o respeito pelo partido como instituição, ao mesmo tempo em que rejeitava a tutela ideológica sobre a obra de arte e, principalmente, sobre sua literatura. Ele foi um dos poucos intelectuais que não aceitaram a intervenção do partido em sua criação ficcional e pagou o preço alto da incompreensão, sofrendo críticas injustas. Mesmo assim ele nunca deixou de ter absoluta fidelidade ao partido, ao socialismo e à idéia de que o lado justo estava com a esquerda. Acho que nesse sentido ele acabou sendo um militante exemplar. É formidável o fato de que ele jamais falou publicamente ou escreveu uma linha sequer contra o PCB. Ele não evidenciou sua divergência; ela aparecia dentro do partido ou dentro de casa em conversas com seus camaradas. Esses fatos também nunca o fizeram colocar em xeque sua crença sólida no socialismo como saída para a humanidade.
E como toda essa indignação e revolta frente às injustiças do país se apresenta na literatura de Graciliano Ramos, que dizia preferir a dureza da realidade às ilusões românticas? No livro você mostra como ele conseguiu conciliar a denúncia social com uma profunda e obsessiva preocupação estética…
Graciliano sentiu que o realismo crítico precisava ser aprofundado, no sentido de fazer relação entre a literatura e a sociedade. Ele costumava dizer que não podia escrever nada sem ter vivido. Ao mesmo tempo, tinha absoluta consciência do valor de sua literatura. Ele era um artista da palavra, uma pessoa que retratava a realidade social e política a partir de um trabalho profundamente ficcional e estético. Graciliano tinha preocupação obsessiva com a forma; era capaz de reduzir originais à sua proporção mínima, sempre cortando excessos, gorduras, derramamentos. Ele foi um estilista da concisão, que conseguiu expressar muito com poucas palavras. Suas metáforas são ao mesmo tempo enxutas e muito ricas. Ou seja: ele tinha a preocupação de manifestar seu vigor crítico e humanista sem cair em uma retórica fácil e sem contentar se com o tom panfletário. Tinha também profunda consciência de sua função social e clareza absoluta de que um escritor que se distancia das questões sociais e políticas do seu tempo não é capaz de retratar em profundidade a condição humana. Isso assegura à sua obra o signo da permanência, pois trabalhou as questões do homem universal sem perder de vista os dramas, as angústias, os sonhos e os desafios do homem brasileiro. Não é casual que o escritor russo Dostoievski tenha sido uma de suas referências, ao mesmo tempo em que nutria profunda admiração pelos grandes romancistas sociais, inclusive do ciclo nordestino.
E o país que Graciliano Ramos denunciou, um país de exploração, latifúndio, da miséria que desumaniza os homens… Esse Brasil mudou ou é o mesmo?
Apesar dos eventuais avanços e transformações que vivemos ao longo das últimas décadas, na essência vivemos os mesmos dilemas da época de Graciliano Ramos. É a mesma desigualdade social sem paralelo, terríveis injustiças, arranjos de cúpula para resolver problemas políticos, sede do poder pelo poder, uso indevido da máquina pública, alianças contraditórias, profundos desníveis e descompassos regionais desse país imenso… Acredito que a literatura social dele se mantém muito vigorosa ainda hoje porque muitos desses contrastes permanecem em linhas gerais. É por isso que o retorno a Graciliano é inspirador e iluminador, pois significa voltar à consciência crítica de um Brasil que, assim como no passado, precisa germinar, superar suas contradições, fazer rupturas e transformações, abandonar arranjos que só favorecem as elites e classes dominantes.
Como você mostra, Graciliano é um dos grandes exemplos de um intelectual comprometido com as questões do país, assim como o ilustrador Henfil e o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho [Vianinha], que também foram biografados por você. Como você enxerga o papel da cultura na transformação da sociedade?
Meus três biografados têm a semelhança de serem artistas e/ou intelectuais comprometidos com o ideário da esquerda de combate às injustiças, busca da igualdade, rompimento das estruturas arcaicas da sociedade brasileira, necessidade de libertação dos oprimidos e excluídos… Isso tem a ver com a ideia de que cultura também pode ser instrumento para a luta política e para a transformação e a emancipação.
Sem essa compreensão vamos relacionar a cultura sempre ao entretenimento. Nada contra o lazer, mas não se pode pensar a cultura como um aspecto isolado da sociedade e da política. Então essas três biografias são pretextos para falar do homem brasileiro e da importância de se pensar a experiência estética, artística e literária como um recurso de intervenção na realidade com vistas à construção de uma sociedade justa e generosa. Com Graciliano Ramos, Henfil e Vianinha, a cultura é colocada em uma esfera emancipadora. Henfil dizia que gostava do humor porque conseguia “dar um soco no fígado de quem oprime”. Apesar de nunca ter dito uma frase como essa, o vigor com que Graciliano atacava as classes dominantes e as estruturas desiguais da nossa realidade mostra que ele também via, na cultura, um lugar privilegiado para esclarecer, formar consciências e apontar novos valores através da sensibilidade estética. Hoje ainda há setores do mundo das artes que entendem esse papel e o vêm desempenhando, apesar de a retórica ideológica neoliberal tentar nos convencer de que não é necessário ter uma cultura emancipatória, de questionamento. Na música, na literatura, nas artes cênicas e em outras áreas, a permanência de vozes comprometidas com a crítica e com a solidariedade aos que sofrem é uma demonstração esperançosa de que nem tudo está perdido.