KKE: a luta de classes no Cazaquistão

A luta de classes não pode ser aviltada. Ela foi e continuará sendo o motor do desenvolvimento social.

Artigo de Georgios Marinos, membro do Politburo do Partido Comunista da Grécia (KKE), sobre a situação no Cazaquistão

Tradução de Matheus Gusev

Militante da UJC

As grandes greves e manifestações massivas dos trabalhadores que abalaram o Cazaquistão no início do ano mostraram que, mesmo diante de uma contrarrevolução, de uma perseguição brutal, de leis draconianas sobre direitos políticos e sindicais, da proibição de 600 sindicatos, assim como os partidos e organizações comunistas, as contradições sociais permeiam todas as esferas da vida e podem escalar quando as condições certas são criadas, assumem formas agudas e se transformam em um conflito social entre a classe trabalhadora e a burguesia, confirmando que mudanças tão esperadas podem rapidamente ocorrer em pouco tempo. A luta de classes, sendo a força motora do desenvolvimento social, tem uma base objetiva e reflete o choque de interesses irreconciliáveis entre exploradores e explorados. Foi isso o que vimos no Cazaquistão, localizado em uma região de grande importância estratégica e desempenha um papel importante na economia global. Tem acesso ao Mar Cáspio, possui enormes reservas de hidrocarbonetos, incluindo reservas significativas de petróleo e gás, bem como urânio e ouro, etc., além de ser responsável por 70% do PIB dos países da Ásia Central.

Os monopólios cazaques exploram a classe trabalhadora junto aos monopólios americanos — Chevron e ExxonMobil —, às empresas europeias Eni, Shell e Total, a China National Petroleum Corporation (CNPC) e outras grandes empresas chinesas, russas, holandesas, belgas e francesas que investiram bilhões de dólares em nosso país.

A burguesia do Cazaquistão está conduzindo a chamada ‘política multivetorial’. Prioriza as relações com a Rússia e também mantém fortes relações com a China, os Estados Unidos e outros estados capitalistas poderosos para proteger de forma mais eficaz seus interesses e fortalecer sua posição na região.

O interesse dos Estados Unidos, Rússia, China, poderosos estados membros da União Europeia, Turquia e outros no Cazaquistão é grande, a competição interimperialista e as contradições interburguesas são um fato, mas isso não pode ofuscar a importância das revoltas populares, da luta de classes, e reduzir seu significado. Pelo contrário, esse fato enfatiza a importância da luta que se desenrola nessas difíceis condições.

Os protestos populares ocorreram em terrenos concretos:

A derrubada do socialismo e a restauração do capitalismo no Cazaquistão, como em todos os estados da antiga União Soviética, deixaram uma marca indelével na vida da classe trabalhadora e das camadas populares, as quais vêm sofrendo as graves consequências desse curso. O poder do capital e a propriedade capitalista dos meios de produção, o desenvolvimento econômico baseado no lucro e as políticas anti-povo adotadas pelos governos de Nazarbayev, após a vitória da contrarrevolução, pioraram o padrão de vida da população de ano para ano. A insatisfação foi causada pelo desemprego e pela pobreza, abraçando as grandes massas populares, o baixo nível de serviços sociais, o alto nível exploratório, a riqueza acumulada nos tesouros dos capitalistas nacionais e estrangeiros que se aportaram nos setores estratégicos do país.

A classe trabalhadora também se levantou em 2011, no oeste do Cazaquistão, na cidade de Zhanaozen, na indústria de mineração. Durante muitos meses, greves lá foram organizadas, porém, brutalmente reprimidas, gerando mortos e feridos, além de um grande número de prisões. O estado burguês baniu o Partido Comunista e centenas de sindicatos.

Graças a este acontecimento, a classe trabalhadora ganhou uma experiência considerável, o que gerou um impacto no período subsequente. Depois que Nazarbayev entregou as rédeas do governo ao seu escolhido, o presidente Tokayev, e a rotação do governo burguês em 2019, a política anti-povo continuou, o fosso social entre pobreza e riqueza aumentou e a contradição entre trabalho e capital se intensificou.

Nos últimos dois anos, novas greves foram organizadas por sindicatos ou comitês não reconhecidos oficialmente pelas autoridades. O aumento dos preços do gás combustível, anunciado no início do ano, que consequentemente levaria a um aumento dos preços dos produtos alimentares e bens de consumo, tornou-se uma faísca da qual acendeu a chama de uma nova luta dos trabalhadores, levantando grandes manifestações no início de janeiro.

Os protestos começaram no oeste do país, nas cidades de Aktau e Zhanaozen, na região de Mangistau, por iniciativa de trabalhadores da indústria petrolífera que lideraram a luta. Várias formas de auto-organização dos trabalhadores surgiram, e os conselhos operários foram criados. Este exemplo tornou-se um guia de ação e provocou protestos gerais que envolveram, não só áreas estratégicas, mas também todo o país.

Essa luta detém importantes elementos qualitativos:

O papel principal foi desempenhado pelo proletariado industrial, trabalhadores das empresas de mineração, metalúrgicos, além da paralisação das minas de carvão, que são o núcleo da economia, foi paralisado. Petroleiros da empresa Tengizchevroil, que opera no Mar Cáspio, controlada pelo capital americano, juntaram-se à luta. Os desempregados e os muito pobres também entraram em confronto com a polícia. Nas grandes cidades, nos centros regionais do norte e leste do Cazaquistão, protestos em massa foram realizados, prédios foram tomados.

As táticas do regime burguês:

Os apelos à ‘paz social’ foram inicialmente combinados em uma tentativa de desarmar a situação, com promessas de baixar o preço do gás. O presidente Tokayev demitiu o primeiro-ministro e o governo, destituiu Nazarbayev do cargo de presidente do Conselho de Segurança, mas os trabalhadores protestantes se mantiveram firmes, os protestos explodiram com vigor renovado, nos quais a greve atuou como a principal arma. A tentativa de criminalizar as formas de luta do povo trabalhador não passou, a classe trabalhadora não pode se curvar diante da legitimidade burguesa, ela escolhe a forma que torna a luta mais efetiva.

Este fato é de grande importância, pois, apesar das dificuldades em desenvolver a luta operária e popular, os trabalhadores tentaram defender sua independência, rejeitando o envolvimento dos protestos nas contradições interburguesas entre a camarilha presidencial atual e a anterior, as quais se intensificaram durante os levantes. O banqueiro Amblyazov, que organiza discursos do exterior, como representante de uma parte da burguesia ligada aos Estados Unidos, não usou os protestos para seus próprios fins.

O estado burguês se viu em uma situação difícil, declarou estado de emergência no país, desencadeou repressões brutais, cometeu dezenas de assassinatos e também utilizou grupos provocadores em seus planos. Sob o pretexto de uma ameaça terrorista, recorreu à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO) para obter ajuda, na qual a Rússia desempenha um papel importante. O CSTO enviou unidades de elite ao Cazaquistão para proteger o governo burguês, afogando a classe trabalhadora e o povo combatente em um banho de sangue.

Mais uma vez, confirma-se que a burguesia de coalizão e as alianças imperialistas criadas pelos estados capitalistas não hesitam em pedir ajuda quando se trata de proteger o poder burguês e fortalecer suas posições em relação a seus concorrentes geopolíticos:

Os fatos são indiscutíveis, comprometem todos aqueles — inclusive alguns partidos comunistas — que pegaram em armas contra a luta popular, condenaram os protestos, concordaram com as declarações do governo burguês e apoiaram a intervenção imperialista russa nos assuntos do Cazaquistão, dando origem à intervenção euro-atlântica. Essa posição serviu somente aos interesses das classes burguesas.

Apesar de haver uma experiência das chamadas ‘revoluções coloridas’, quando os americanos e a União Europeia interferem nos assuntos internos de países, como a Ucrânia, ou a ativação de mecanismos de provocação que atuam ativamente nesses casos, esta não deve ser usada para manchar as lutas populares, mas a apoiá-las, tendo uma expressão mais resoluta de solidariedade internacional.

A luta de classes não é travada em um lugar limpo, está enredada em uma complexa rede de contradições interburguesas e de competições imperialistas. Os comunistas são obrigados cada vez mais a destacar novos elementos da luta e manter suas posições classistas, expressando seu apoio à luta operária e popular, estudando sua direção, rejeitando posições que levem à fixação deste ou daquele lado à burguesia, este ou aquele centro imperialista, e isto tem um significado especial à luz dos acontecimentos no Cazaquistão:

Os membros do Movimento Socialista do Cazaquistão, as forças que se unem em torno dele em condições ilegais, em um ambiente de equilíbrio de poder extremamente negativo, lutaram, participaram dos eventos em andamento, especialmente na região ocidental do país. A indignação e a raiva transformaram-se em ações organizadas. Demandas por maiores salários e pensões, diminuição de preços, diminuição da idade de aposentadoria, renúncia do governo, respeito aos direitos e liberdades políticas, luta contra a privatização de empresas estatais e muito mais desempenharam um papel fundamental na união e mobilização das massas trabalhadoras.

Os eventos no Cazaquistão levantam questões muito importantes:

O apelo do regime burguês por apoio militar ao seu aliado — a Rússia capitalista — foi dirigido contra as atividades do ‘inimigo interno’, o povo combatente, refletindo o medo da burguesia diante do agravamento da luta de classes e da criação de condições para uma situação revolucionária. A burguesia defendeu seu poder e tomou medidas para manter o controle da situação, evitando assim uma rachadura, ‘pela qual irrompe o descontentamento e a indignação das classes oprimidas’.

O problema que se revelou, como em outros casos em que as forças populares vieram à tona nos últimos anos, está relacionado ao nível do fator subjetivo, o estado do movimento revolucionário, o movimento operário, que não tinha força e direção, que não poderia acertar os objetivos da luta e fortalecê-la, para direcioná-la a uma ruptura completa com o poder burguês.

Portanto, a principal conclusão diz respeito à necessidade de um partido comunista forte, que tenha uma estratégia revolucionária e fortes laços com a classe trabalhadora, para que possa dirigir a luta de classes, criar e usar os sentimentos militantes contra o poder da burguesia, explorar as rachaduras causadas pela contradições burguesas, proteger a luta da intervenção de forças externas e reformistas, mecanismos provocativos internos ou externos. Deve preparar diariamente a classe trabalhadora para derrubar o sistema explorador em uma situação revolucionária que é um pesadelo para os capitalistas e seus representantes políticos.

Os eventos no Cazaquistão são uma fonte de experiência e lições a aprender. Eles acrescentam novos elementos à luta de classes, à luta entre a classe trabalhadora e a burguesia, assim como a luta que está acontecendo dentro do próprio movimento comunista. Esses eventos mostraram a necessidade de uma reorganização revolucionária do movimento comunista, e o KKE continuará a fazer o seu melhor para contribuir com esse esforço.

Publicado no jornal ‘RIZOSPASTIS’, datado de 22/01/22.

Fonte: http://es.kke.gr/es/articles/La-lucha-de-clases-no-se-mancha-Es-y-seguira-siendo-el-motor-del-desarrollo-social/