Nessa edição de “Entrevistas com a História”, publicamos declarações dadas por Horácio Macedo em matéria publicada na Edição 0 do Jornal Inverta.
Nos dias 31 de maio, 1º e 2 de junho aconteceu, no Rio de Janeiro, o IX Congresso do PCB (Partido Comunista Brasileiro).
O Congresso foi marcado por inúmeras divergências. O bloco vitorioso foi o comandado pelo pernambucano Roberto Freire, que saiu eleito como Secretário Geral do Partido, reafirmando a tendência manifesta no início da década de 80.
A vitória do setor que se conclama defensor da chamada “Democracia Radical”, gerou uma série inédita de reações e rachas ao nível nacional, ameaçando o “Partidão” de desaparecer do mapa político brasileiro antes mesmo de completar o seu 70º aniversário, em março de 92.
No Rio, o primeiro a se manifestar foi o arquiteto Oscar Niemeyer, pedindo afastamento do Comitê Central. O vereador Francisco Milani, o sindicalista Juliano Siqueira e mais uma série de membros do partido escolheram o caminho da desfiliação. Seguindo a mesma linha, os pecebistas de Caruaru-PE, no “terreiro” de Freire, resolveram pela extinção do partido, com a desfiliação em massa de seus 500 militantes. Outros importantes comunistas, caso de Horácio Macedo (ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro — a UFRJ), recusando-se em abandonar a sigla e os princípios partidários, lançam mão, num sentido semelhante ao que fizeram os comunistas italianos, do movimento em defesa do PC — em alternativa à resolução de chamamento do Congresso extraordinário para o fim deste ano.
Com a última reunião do Comitê Central realizada, dias 7 e 8 de setembro, para discutir a crise na URSS e a convocação do congresso extraordinário para extinção do PCB e criação de um “novo partido”, bem como a condenação da deposição de Gorbatchev, a divisão se cristalizou.
O Inverta, diante disto, resolveu entrevistar os interlocutores das duas posições e para uma maior compreensão das divergências.
I— Horácio Macedo, você como uma das principais lideranças do movimento nacional de Defesa do PCB, poderia explicar em que princípio sustenta?
HM — De uns três anos para cá há um setor episodicamente majoritário que tem nítidas posições de direita, ou seja, visa o desaparecimento do PCB ou fazê-lo abandonar qualquer perspectiva de um processo de ruptura para se estabelecer um outro modo de produção no país, o modo de produção socialista. Esta tendência de direita no nono Congresso não teve força suficiente para transformá-lo no congresso de liquidação do partido. O Movimento Nacional em Defesa do PCB conta com um terço do Comitê Central e um grande número de base. A tendência que era minoritária se fortaleceu no congresso (36%), levando a visão de que a solução dos problemas brasileiros passa pelo estabelecimento de uma sociedade Socialista. Agora, aproveitaram a perplexidade das forças de esquerda com os dramáticos, trágicos, e complexos acontecimentos da URSS para conseguir aquele objetivo do nono congresso; querem unificar o partido com um pensamento social democrático reformista para ganhar prestígio eleitoral.
I — Qual a definição ideológica desde grupo? Stalinista, Maoísta ou…?
HM — Este grupo é uma formação histórica que se fez no PCB. Vem dos decênios de 40, 50 e 60 e que busca dar a visão do marxismo através do marxismo-leninismo. Não é um grupo homogêneo. Eu direi que esse grupo tem uma proposta unitária, pois não exclui as outras correntes. Ser só marxista-leninista neste grupo, acho que desemboca numa posição inevitável, que me parece ser a que alguns companheiros Já tomaram — foram ser marxistas-leninistas dentro do PC do B. Neste sentido, temos divergências se nós poderemos ou não manter esta unidade ideológica e filosófica em torno do marxismo-leninismo sem exclusões, e é importante ser democrático nesse instante. Nós acreditamos na proposta de um PCB com um referencial internacionalista mais amplo do que o centrado apenas no PC US, este aparecimento está se reestruturando na clandestinidade.
I — Como esse grupo do PCB vê o processo ocorrido na URSS, e a concepção da perestróika enquanto reestruturação do Socialismo?
HM — O advento da Perestróika traz modificações na superestrutura da URSS. A mudança era necessária, não do modo de produção, mas do processo que estava freando o modo de produção. Eu considero esta uma visão correta da Perestróika. O que me parece ter acontecido é que as forças de esquerda pelas influências e pressões do capitalismo imperialista (Estados Unidos), pela pressão forte dos grandes gastos militares, não conseguem controlar este processo e aparecem as forças que propõem a mudança do modo de produção. Eu encaro com otimismo, não com tranqüilidade, a crise na URSS, pois será produto de uma mudança que manterá o modo de produção e os cidadãos passam a participar com mais liberdade do modo de produção e da gestão do Estado. Essa é a grande reivindicação democrática da URSS, se as massas perceberem o que estão defendendo será um aperfeiçoamento extraordinário e uma revivência do Socialismo. Embora passemos por esses negros períodos de desmembramentos, com idas e vindas, mas isso são coisas naturais na História. A Revolução Francesa recuou na Restauração, levou anos para de novo reaparecer em 1848. Ora, a História dá pastos lentos, mas certamente para frente.
A Deputada Estadual do PCB, Lúcia Souto, falou também ao INVERTA, sobre a questão. Afirmou que não tem preocupação quanto à atitude de seus companheiros de partido, afinal, “isto também faz parte do processo democrático”.
Lúcia declarou ainda a necessidade de revisar o marxismo, acrescentando a ele o valor democrático. Adepta da “democracia radical”, ela frisou a importância de discutir o projeto da “Nova Esquerda” que acena para uma difícil unificação — mas não impossível com setores do PT, PV e PSB; todos engajados no ideal social democrata.