A globalização e o capitalismo contemporâneo – resenha de Milton Pinheiro

Transcrevemos a resenha de Milton Pinheiro sobre o livro A globalização e o capitalismo contemporâneo, de Edmilson costa, publicada na primeira edição da revista Novos Temas.

O processo de globalização que envolve hoje toda a eco­nomia vem produzindo um conjunto de fenômenos novos na economia mundial e na sociedade, bem como interferindo na vida social da humanidade. Fruto de internacionalização da produção e da internacionalização financeira, a globalização tem produzido também um grande debate entre economistas, sociólogos, cientistas políticos, filósofos, entre outros intelec­tuais, sobre a natureza da globalização.

Com a globalização, o sistema capitalista se transformou num sistema completo, uma vez que este modo de produção só era completo no período anterior no que se refere a duas variáveis da órbita da circulação – o comércio mundial e a exportação de capitais. Ao se transformar num sistema ma­duro internacionalmente o capitalismo unificou globalmente o ciclo econômico mundial, possibilitando, dessa forma, o surgimento de crises mundiais completas.

Essas ideias chave estão desenvolvidas num instigante livro do professor Edmilson Costa – A globalização e o capi­talismo contemporâneo, lançado recentemente pela Expressão Popular. Resultado de sua tese de pós-doutoramento realizada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, em 2002, da UNICAMP, o livro tem em cada capítulo cinco eixos teóricos que envolvem o capitalismo contemporâneo, a saber: o debate em torno se há ou não globalização; a natureza da concen­tração e centralização do capital; a internacionalização da produção e das finanças e a macro-organização do capital.

Ao contrário dos que afirmam que a globalização é um mito, que busca mistificar os objetivos das transnacionais de ampliar seus espaços nos mercados mundiais, ou que a globalização existiu desde os tempos em que Marco Pólo abriu as fronteiras para as transações comerciais entre Ocidente e Oriente, o livro sustenta que a globalização é uma singularidade originária do ca­pitalismo contemporâneo e se constituiu a partir de internacionalização da produção e das finanças na segunda metade do século XX. Por suas particularidade e pelos fenômenos novos que vem produzindo pode ser considerada uma nova fase do capitalismo.

No entanto, este processo que se desenvolve em escala mundial não tem a possibilidade de impulsionar as forças produtivas em função das limitações estruturais do sistema capi­talista nesta etapa da história, como acentua Edmilson Costa: “A globalização incorporou inovações tecnológicas radicais, mas o sistema global de produção não pode desenvolver-se plenamente em função de suas contradições e, especialmente, dado o caráter de insuficiência mundial da demanda solvável”, isso porque, do ponto de vista macroeconômico, quanto mais o capitalismo se desenvolve, mas aprofunda a contradição entre o caráter social da produção e a apropriação privada de seus resultados, especialmente neste período de incorporação ge­neralizada de ciência na produção. Ou seja, no momento em que o sistema tem as maiores possibilidades de desenvolver suas forças produtivas, é exatamente neste momento que está limitado seu potencial de realização das mercadorias em função de insuficiência de demanda efetiva, o que torna muito difícil fechar a equação produção-demanda.

O livro do professor Edmilson Costa discute também o longo processo histórico de concentração e centralização do capital para demonstrar que as atuais empresas transnacionais são frutos da própria natureza do capital, que é de concentrar-se e centralizar-se continuamente e cujo resultado foi a formação dos trustes e dos cartéis no período que vai de 1875 a 1910 e as próprias empresas transnacionais globalizadas da atualidade. Trata-se de um movimento do capital já previsto por Marx em meados da década de 40 do século XIX.

Um dos momentos mais instigantes do livro é quando se analisa o processo de inter­nacionalização da produção. O autor enfatiza que esse processo, comandado pelas firmas transnacionais dos países centrais, está espalhado pelo mundo inteiro, mediante dezenas de milhares de filiais dessas empresas em todos os continentes, o que consubstancia o fato de que este fenômeno, como intuíra Michalet, na década de 80, faz com que a burguesia passe a extrair direta e generalizadamente, pela primeira vez na história, o valor fora de suas fronteiras nacionais.

Esse processo de acumulação transforma as burguesias dos países centrais em explorado­ras diretas dos trabalhadores em nível mundial. Até então, a burguesia capturava a mais-valia dos países periféricos, por meio do comércio mundial e da exportação de capitais. Além disso, a globalização também muda o perfil da classe operária, em função dos novos ramos industriais que emergem da terceira revolução industrial, que engloba a microeletrônica, as tecnologias da informação, a engenharia genética, a biotecnologia, os novos materiais, entre outros. Esses novos ramos necessitam de uma classe operária mais instruída e mais especializada.

Esta nova classe, pelo seu perfil e por sua posição no interior da fábrica, pode ser o con­traponto efetivo para a emancipação dos trabalhadores, pois não se trata mais de operários tayloristas que cumpriam um trabalho rotineiro e programado no chão da fábrica, mas de um novo contingente, uma nova classe, com um papel muito mais importante e determinado que os operários da segunda revolução industrial. Como o próprio autor sugere polemicamente:

Não deverá ser surpresa se dentro de alguns anos, cientistas assalariados, analistas de sistemas, os engenheiros ou ferramenteiros eletrônicos (os construtores dos chips), os cientistas da genética e da biotecnologia, os físicos da nanotecnologia ou os web designers da internet liderarem um movimento operário e buscarem a transformação necessária para a construção de um novo sistema econômico.

Um outro capítulo instigante é o que analisa a globalização financeira. O autor de­fende que este fenômeno também ocorre no bojo da internacionalização da produção, mas ganha certa autonomia com o desenvolvimento das finanças, especialmente com o processo de desregulamentação e livre movimentação dos capitais iniciado com os governos Reagan e Thatcher. Essa performance monetarista global, impulsionada pelo neoliberalismo, fez com que o capital pudesse se autoacrescentrar ao longo das 24 horas por dia e desenvolver um sistema financeiro especulativo que subordinou todas as outras esferas do capital aos interesses das finanças.

Para se ter uma idéia, antes da crise econômica mundial, o volume de recursos especu­lativos que circulavam na esfera financeira eram mais de 10 vezes maiores que aqueles que estavam alocados na órbita da produção. Essa dinâmica especulativa aprisionou o Estado e seu orçamento a serviço do capital financeiro, mediante o aumento da dívida pública e pagamentos de juros cada vez mais crescentes; e também colocou as empresas produtivas a se envolverem crescentemente com os negócios financeiros e com a lógica de curto prazo, invertendo assim o horizonte temporal do planejamento empresarial.

O desenvolvimento acelerado da financeirização da riqueza, como afirma o professor Edmilson, aprofundou o fosso entre a órbita das finanças e a economia real, abrindo espaço para a possibilidade de crises sistêmicas que viria a se materializar em 2008. No entanto, essa financeirização significou também o contraponto funcional para a incapacidade do sistema capitalista desenvolver suas forças produtivas. Todavia, esta nova aventura do capital especu­lativo aprofunda a possibilidade de crise geral do sistema, uma vez que se torna impossível, no longo prazo, a reprodução do capital sem obedecer à lei do valor.

A criação da riqueza na órbita financeira é uma aventura sem futuro, uma miragem capaz de levar momentaneamente parte dos capitalistas ao delírio, ofuscando sua visão global de futuro. No entanto, quanto mais aprofundam esse modelo, mas ampliam a possibilidade de uma crise geral do sistema.

Essas palavras, escritas em trabalho concluído em 2002, pareciam heréticas, se o autor não tivesse ainda intuído que estava em construção uma grande crise global do capitalismo como realmente aconteceu. “Os sintomas desse fenômeno já podem ser verificados desde a crise do México, em 1994, quando aquele País era modelo de implantação do neolibe­ralismo. Posteriormente, a crise financeira atingiu um continente inteiro, desestruturando essas economias. Em seguida a crise alcançou a Rússia, depois o Brasil e a Argentina, cuja

desestruturação foi tão profunda que pode ser considerada um modelo antecipado da crise econômica global”. Uma argumentação que se mostra muito pertinente e bastante colada à realidade.