Hermínio Linhares – Jornal Novos Rumos 13 a 19 de março de 1959, página 08. (vol. 003)
Transcrito por Guilherme Martins – Membro do Comitê Central do PCB e militante em GO
Em diversos países, o Partido Comunista se originou de cisões nos antigos partidos socialistas da II Internacional. No Brasil, nenhum dos partidos socialistas que existiram em 1892, 1895. 1902, 1911 e 1919 tiveram forças ponderáveis, nem contaram com líderes de grande influência, capazes de se impor às massas; não eram partidos ligados ao movimento operário e jamais foram dirigentes de movimentos de amplitude.
O anarco-sindicalismo, que predominou de 1906 a 1920, não conseguiu estabelecer um movimento revolucionário capaz de imprimir uma orientação adequada à situação objetiva, quando eram sacudidos os alicerces da estrutura burguesa no mundo e o Brasil passava por uma de suas maiores crises. A constatação deste fato, resultante de um processo espontâneo e a bem dizer instintivo de autocrítica, que se acentuou principalmente durante a segunda metade de 1921, sob a forma de acaloradas discussões nos sindicatos operários, levou diretamente à organização dos primeiros grupos comunistas, que se constituíram como passo inicial para a fundação do Partido Comunista. A bancarrota do anarquismo fora total e com ela ficou encerrado um largo período da história do movimento operário brasileiro. O conseqüente surgimento do Partido Comunista, ao mesmo tempo que assinalava o início de um novo período, era também a revelação de que as lutas precedentes haviam produzido um rápido amadurecimento político da classe operária brasileira, que assim mostrava compreender qual o papel histórico que lhe caberia à frente da revolução social e nacional em marcha (Astrojildo Pereira).
Em 1921 os principais líderes anarco-sindicalistas, que dirigiam as lutas operárias no Brasil, aderiram à concepção marxista-leninista, empolgados pelos êxitos e pela vitória do proletariado russo. O Partido Comunista do Brasil se originou, realmente, nesta cisão ocorrida em 1921, no seio do anarco-sindicalismo; um grupo de anarquistas teóricos recuou em sua atitude inicial de apoiar a revolução russa, posição que era comum às duas correntes existentes entre os anarquistas; o outro grupo rompeu com o que considerou erros e defeitos da orientação anarco-sindicalista e aderiu ao comunismo, mantendo e consolidando seu apoio à Revolução Russa.
Realmente, foi em fins de 1921 que surgiram os primeiros grupos comunistas brasileiros. Antes já existiam pequenos blocos simpatizantes, sobressaindo dentre eles o Centro Maximalista de Porto Alegre, fundado em 1919, e a Liga Comunista de Livramento, criada em 1918.
Em 7 de novembro de 1921, foi fundado na rua do Senado 215 o Grupo Comunista do Rio de Janeiro, que se organizou com o objetivo precípuo de promover a fundação do Partido Comunista do Brasil, de acordo com as 21 condições de admissão da III Internacional. Os fundadores do Grupo Comunista foram, em ordem alfabética: Antonio de Carvalho, Antônio Branco, Antônio Cruz Júnior, Astrojildo Pereira, Aurélio Durões, Francisco Ferreira, João Argolo, José Alves Diniz, Luis Peres, Manuel Abril, Olgier Lacerda, Sebastião Figueiredo. Com exceção de Astrojildo, eram todos operários e comerciários.
Deliberou-se publicar um mensário de doutrina e informação sobre o movimento revolucionário internacional; esse mensário, que depois mudou de formato e passou a quinzenário começou a circular em janeiro de 1922, tomando o nome de “Movimento Comunista”. A atividade desse pequeno grupo foi intensa, contribuindo mesmo para que se formassem grupos análogos em vários pontos do país, como em São Paulo, Santos, Juiz de Fora, Recife, Cruzeiro. Entraram também em entendimentos com o Centro Maximalista de Porto Alegre, para que mandasse um delegado ao Congresso que estavam planejando, o que foi feito na pessoa de Abílio de Nequete, seu fundador.
Depois de quase cinco meses de preparação realizou-se, nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922, o I Congresso do Partido Comunista, com a presença de delegados dos grupos comunistas existentes. Eram, ao todo, delegados que representavam grupos do Distrito Federal e dos Estados do Rio, São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Com uma única exceção, o alfaiate Manoel Cendón, que era socialista, os demais eram militantes ativos do movimento anarco-sindicalista, alguns com mais de 10 anos de lutas operárias. Apenas dois eram intelectuais — Astrojildo Pereira e Cristiano Cordeiro, dos outros dois eram alfaiates (Joaquim Barbosa e Manoel Cendón), um tipógrafo (João da Costa Pimenta), um vassoureiro (Luis Peres), um eletricista (Hermogênio Fernandes da Silva), um barbeiro (Abílio de Nequete), um operário em construção civil (José Elias). Pela idade, o mais moço teria 20 anos e o mais velho menos de 40 anos. As sessões de 25 e 26 se realizaram no Rio. A reunião final efetuou-se na pequena sala de visitas da casa residencial da família de Astrojildo Pereira, à rua Visconde do Rio Branco, 651, em Niterói.
Foi a seguinte ordem do dia: a) exame das 21 condições para a admissão do Partido na Internacional Comunista; b) Estatuto do Partido; c) Eleição da Comissão Central Executiva; d) Ação pró-flagelados do Volga; e) Assuntos vários.
O Congresso discutiu as 21 condições de admissão na Internacional Comunista, aceitando-as sem reservas. Adotou os Estatutos do Partido e elegeu uma comissão central executiva. Aprovou mais algumas resoluções e moções de menor importância. Na 1ª reunião foi lida a saudação enviada pelo secretário do Bureau da Internacional Comunista na América Latina, R. Vaterland, ao I Congresso do P. C. B., assim redigida:
“Ao reunirdes vosso Primeiro Congresso Comunista, o Bureau vos dirige este caloroso apelo para alentar-vos na obra que tão decididamente iniciais. Com efeito, segundo pensamos, essa magna Assembléia dá, neste momento, um dos passos mais importantes para a marcha futura do proletariado do Brasil: a constituição do Partido Comunista, a concentração da vanguarda, o agrupamento, num único e disciplinado organismo revolucionário das forças conscientes da classe trabalhadora constitui, nas circunstâncias presentes, um dos atos mais transcendentais já realizados pelo proletariado do Brasil em seu movimento de libertação.
A importância que assume a constituição de um Partido Comunista tem-na sempre feito ressaltar a Internacional Comunista, referindo-se a todos os países do mundo; porém, essa importância é tanto mais de ressaltar quando o fato se verifica em um país onde o movimento operário em geral é difuso e onde as organizações sindicais muito caminho devem percorrer ainda para valer como força que sejam verdadeiras organizações de massas. No Brasil, a função orientadora do Partido Comunista reveste-se de especial importância; ele está chamado a fixar uma clara linha de conduta ao proletariado, ele deverá amparar as grandes camadas da população operária e camponesa sob as dobras da gloriosa bandeira da Internacional Comunista, incorporando assim os trabalhadores brasileiros no movimento universal de redenção”.
Terminados os trabalhos, os nove congressistas levantaram-se e cantaram as estrofes da Internacional, tomados de viva emoção. E seus olhos voltavam-se para o futuro, certos que esta pequena reunião modificaria o destino de milhares de brasileiros.
Retirado do link: https://www.marxists.org/portugues/tematica/jornais/novos/pdf/per122831_1959_00003.pdf