Humberto Carvalho – militante do PCB – RS
As revoltas, movimentos políticos, convulsões sociais, revoluções que ocorreram na Rússia, entre o século XIX e inícios do século XX, foram filhas, por assim dizer, de guerras e do conturbado contexto interno do país.
Nessa linha, encontra-se a Revolta dos Dezembristas.
Alexandre I, czar da Rússia, em 1812, rompeu o Bloqueio Continental à Inglaterra, decretado, em 1806, por Napoleão Bonaparte. Napoleão revidou essa desobediência, invadindo a Rússia e, como notório, a invasão termina com a retirada inglória do exército francês, acossado pelo rigor do inverno e fustigado, ao longo da fuga, pelas tropas russas, causando grandes perdas ao exército napoleônico.
Uma coalizão entre Rússia, Áustria e Prússia que passou para a História como a Sexta Coligação contra Napoleão, leva à Batalha de Paris, em 1814, com a vitória da Coligação e, alguns dias após, à abdicação e exílio de Napoleão na Ilha de Elba.1
Porém, essa guerra permitiu, aos russos, o contato com ideais da Revolução Francesa que contagiaram a intelectualidade e parte da nobreza e oficialidade russas.
Os líderes dos Dezembristas eram todos da nobreza e exerciam funções militares. Estavam influenciados por ideias liberais, avançadas para a época e para a Rússia em particular. Desejavam o fim da autocracia e da servidão, como também defendiam a igualdade de todos perante a lei e as liberdades políticas.
Napoleão tinha abolido a servidão, na Polônia, e os reformadores prussianos a aboliram no seu país. A Rússia Imperial e a Romênia eram os únicos países europeus a manter a servidão.
Os conspiradores criaram duas sociedades: uma denominada “Sociedade do Sul” (Южное общество) que defendia a ideia da criação de uma república, após a derrocada da autocracia e, outra, a “Sociedade do Norte” (Северное общество) que propugnava por uma monarquia constitucional.2
Apesar de diferenças em seus programas, os Dezembristas tinham, em comum, o fim da autocracia e planejaram um golpe militar para janeiro de 1826.
Mas, em dezembro de 1825, o Czar Alexandre I faleceu. Os descendentes de Alexandre I faleceram antes dele. Em consequência, seu sucessor deveria ser seu irmão Constantino, que era Vice-Rei na Polônia. Mas, Constantino, não querendo alterar seu status, abdicou a favor de Nicolau, irmão mais moço de Constantino e de Alexandre I. Todavia, essa abdicação não era conhecida do público em geral e foi interpretada, pelos Dezembristas, como usurpação por parte de Nicolau.
Os Dezembristas resolveram antecipar o golpe para aquela ocasião.
Na manhã de 26 de dezembro (14 de dezembro, segundo o Calendário Juliano, em vigor, na Rússia, à época) de 1825, um grupo de oficiais, comandando cerca de 3.000 homens, reuniu-se na Praça do Senado de São Petersburgo. Eles se recusaram a jurar lealdade ao novo czar, Nicolau, proclamando sua lealdade ao grão-duque Constantino, irmão de Nicolau, e à constituição dos dezembristas, levando as palavras de ordem “Constantino e a Constituição”. Eles esperavam grandes reforços com a junção ao resto das tropas estacionadas em São Petersburgo, mas isso não aconteceu. A revolta foi ainda mais prejudicada quando seu líder nominal, o príncipe Sergei Petrovich Trubetskoy, mudou de opinião no último minuto e optou por se esconder na embaixada austríaca durante o confronto. Seu segundo em comando, o coronel Bulatov, não foi encontrado. Após uma consulta apressada, os rebeldes nomearam o príncipe Evgeny Petrovich Obolensky como seu líder.
Nicolau convocou tropas leais a ele e derrotou os revoltosos, ascendendo ao trono como Nicolau I.
Com a derrota, cinco líderes da Revolta Dezembrista – Pyotr Grigoryevich Kakhovsky, Pavel Ivanovich Pestel, Sergey Ivanovich Muravyov-Apostol, Mikhail Pavlovich Bestuzhev-Ryumin e Kondraty Fiodorovich Ryleyev, foram condenados à forca, com posterior arrastamento dos corpos pelas ruas e, ainda, esquartejamento. Porém, essa pena desumana que remontava à Idade Média, foi comutada para enforcamento e 121 participantes da Revolta Dezembrista foram condenados ao exílio na Sibéria, cumulada essa pena, com trabalhos forçados.
O governo de Nicolau I caracterizou-se, internamente, pelo fortalecimento da autocracia, um desestímulo à industrialização que iniciava, pois Nicolau a via como uma fonte de distúrbios e pela repressão política. Externamente, foi marcado pela expansão territorial, conquistando a Geórgia e o Azerbaijão, esmagando revoltas separatistas de territórios como ocorreu com a Polônia, em novembro de 1830, abolindo a constituição criada pelos poloneses. Em seu governo, ocorreu a Guerra da Crimeia, onde os russos foram derrotados.
Nicolau I faleceu em fevereiro de 1855 e foi sucedido por seu filho Alexandre II.
A Revolta Dezembrista, apesar de derrotada, deixou um legado ideológico e político que empolgou intelectuais e grande parte da população russa, ao ponto da cunhada do Czar Alexandre II, a Grã-Duquesa Elena Pavlovna Romanova, manter, em seu palácio, um círculo de intelectuais estrangeiros e russos que discutiam, abertamente, a necessidade de reformas políticas e sociais.
Esse clima reformista forçou, por exemplo, a emancipação da servidão o que ocorreu em 1861, no reinado de Alexandre II, cognominado “O Libertador”.
Para evitar a resistência da nobreza à emancipação dos servos, o plano de emancipação propôs:
“(que) os camponeses fossem liberados com terra, pela qual eles teriam de pagar aos proprietários, e além disso eles teriam de passar por um período de obrigação temporária junto aos proprietários das terras. Os pagamentos de resgate seriam escalonados em 60 anos, e o Estado daria à aristocracia uma quantia fixa que os camponeses reembolsariam ao Tesouro.”3
O fim da servidão permitiu, aos camponeses, uma maior liberdade de produção e comercialização.
Todavia, uma grande quantidade de terras ainda pertencia à nobreza e os camponeses tinham de pagar arrendamento aos proprietários nobres.
Tal situação proporcionaria, em 1917, uma das principais reivindicações da Revolução de Outubro: a distribuição de terras.
Realmente, Lênin em O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, nos fornece um riquíssimo material a esse respeito onde desenvolve o fundamento de que, a própria emancipação dos servos, só fez, em realidade, piorar as condições de vida dos camponeses. O fim da servidão significou o início da segregação entre os grandes proprietários com terras concentradas (burguesia rural) e aqueles que não dispunham de terras férteis e meios para usufruí-la. É nesse sentido que, a falência do campesinato levou a sua crescente proletarização, substituindo o trabalho servil pelo trabalho assalariado.
Outro componente da modernização, realizada no século XIX, estava ligado à industrialização. Uma grande quantidade de capitais estrangeiros e russos, estes em menor parte, foi investida na construção de indústrias em algumas regiões ocidentais da Rússia. Nesses locais, como São Petersburgo e Moscou, formou-se uma numerosa classe operária originária do campesinato. A concentração operária nessas indústrias superava a existente nas mais desenvolvidas economias do ocidente europeu.
Essas alterações sociais e econômicas geraram contradições com a estrutura autoritária da autocracia czarista.
Na década de 1880, sob a liderança inicial de Georgii Valentinovich Plekanov emerge o marxismo na Rússia. Paralelamente, existiam os “Narodnicks” (populistas), desde 1860, defensores de um “socialismo agrário”, uma visão romântica de um retorno à vida no meio rural, com ênfase na questão da propriedade da terra, desprezando os outros meios de produção.
Os marxistas se organizaram, antes dos narodnicks, criando, em 1898, o Partido Social Democrático dos Trabalhadores Russos (PSDOR) que, em seu Segundo Congresso, realizado em Londres em 1903, dividiu-se em bolcheviques (assim denominados os seguidores da maioria do Segundo Congresso), liderados por Vladimir Ilich Ulianov, Lênin, e em mencheviques (seguidores da minoria), liderados por Plekanov e Iulii Martov.
Os narodnicks, em 1901, fundaram o Partido Socialista Revolucionário da Rússia (SRs) liderados, inicialmente, por Viktor Chernov que, mais tarde, foi Ministro da Agricultura do governo de Kerensky. Os narodniks, ou SRs, tinham, em sua organização interna, um departamento que realizava atos de terrorismo, entre eles o assassinato de Vyacheslav Konstantinovich von Plehve, em 1904, e o do Grão-Duque Sergei Alexandrovich Romanov, em 1905.
Também, em 1905 foi fundado o Partido Constitucional Democrata, conhecido como Kadets4, liderado por Pavel Nikolayevich Milyukov. Era o partido da burguesia.
Anteriormente, os narodniks, após várias tentativas de assassinar o czar Alexandre II, em 13 de março de 1881, lograram seu objetivo. O jovem Ignaty Ioakhimovich Grinevitsky, membro da organização Naródnaia Vólia (Народная воля, Vontade do Povo), jogou uma bomba aos pés do czar que, levado ao Palácio de Inverno (hoje, Museu Hermitage), veio a falecer.
Sucedeu-lhe, no trono imperial, o filho Alexandre III quem, ao contrário do pai, era, em tudo, um conservador, mantendo-se fiel à autocracia. Reprimiu, violentamente, os movimentos sociais e políticos emancipadores.
Essa atmosfera de repressão e reacionarismo acirrou os ânimos dos rebeldes e reformistas. Numa tentativa de assassinar o czar Alexandre III, o irmão mais velho de Lênin, Alexandre Uliánov, foi preso e enforcado em 8 de maio de 1887.
A Guerra interimperialista Russo-Japonesa
A partir de 1880, a Rússia passou de uma economia basicamente agrícola para industrial.
Serguei Yuylevitch Witte foi Diretor da Ferrovias, dentro do Ministério das Finanças, de 1889 a 1891. Na direção desse organismo, convenceu o Czar Alexandre III a construir uma ferrovia que ligasse o centro da Rússia ao Pacífico. A construção da ferrovia começou em 1891 e foi concluída em 1906. Essa ferrovia é conhecida como a Transiberiana, com 9.441 km, sendo a mais extensa do mundo.
Para encurtar a distância entre o lago Baikal e Vladivostok, cidade portuária junto ao Pacífico e ponto final da ferrovia, Witte conseguiu uma autorização da China para que o último segmento da ferrovia atravessasse a Manchúria, desde que fosse mantida a soberania chinesa.
Mas, a Rússia, sob o pretexto de garantir a segurança da ferrovia, desrespeitou o acordo, enviando unidades militares e policiais para a região. Estava clara, pelo menos para alguns, a intenção da Rússia em anexar, a seu território, a Manchúria.
Por outro lado, o Japão vivia sob novos tempos e objetivos.
Realmente, o Japão que, alguns anos após do período chamado Meiji (1862-1912), abandonara o sistema feudal do Xogunato, com a centralização do poder na figura do imperador, visando a modernização do Japão, aos moldes ocidentais.
Durante o Xogunato que durou de 1603 a 1868, o Japão isolou-se do mundo porque os estrangeiros eram vistos como ”bárbaros” que poderiam destruir a vida e a cultura japonesas.
Todavia, em 1853, uma esquadra americana comandada pelo Comodoro Matthew Calbraith Perry aportou na Baía de Edo (hoje, Tóquio). Sua missão: exigir a abertura dos portos japoneses ao comércio internacional.
O Xogum Tokugawa Iesada não resistiu à investida norte-americana e foi o responsável pelos assim chamados Tratados Desiguais.
Os Tratados Desiguais foram uma série de tratados firmados entre a China, durante a Dinastia Qing, e o Japão do Xogunato Tokugawa, com as potências industrializadas ocidentais entre meados do século XIX e o início do século XX após sofrer derrotas militares pelas potências estrangeiras ou na presença de uma ameaça de ação militar por essas potências.
A falta de resistência à imposição dos Tratados Desiguais, levou ao descrédito do Xogunato e começou uma campanha pela centralização do poder na pessoa do imperador o que se concretiza em 1863, com a Era Meiji (meiji significa “governo esclarecido”).
Essa modernização do Japão, ademais de uma forte industrialização do país, incluía a reformulação do exército japonês, tendo como modelo, o exército prussiano, bem como da marinha japonesa, tendo como paradigma a marinha britânica que foram as bases físicas do militarismo japonês. A Era Meiji despertou, também, um forte nacionalismo entre os japoneses.
Ambos os impérios, da Rússia e do Japão, tinham interesses econômicos e estratégicos na Manchúria, para não dizer em toda a China, e na Península Coreana.
Entre 1894 e 1895 ocorreu a primeira guerra Sino-Japonesa, com a vitória do Japão. Contudo, a Rússia que tinha uma aliança com a França e a Alemanha fez com que os japoneses recuassem em seus objetivos. Em 1902, o Japão celebrou um tratado com a Inglaterra de assistência militar recíproca, bem como obteve o apoio diplomático americano às pretensões territoriais japonesas.
Os interesses do Japão nos territórios dominados pelos chineses eram motivados pela necessidade de criação de colônias japonesas em novos territórios, como forma de amenizar a explosão demográfica do país, assim como de obter fontes de matérias-primas que dessem suporte para o crescimento da indústria japonesa. Ainda, tinham como objetivo alcançar novos mercados consumidores que absorvessem essa produção.
Para a Rússia o que estava em jogo era um acesso, considerado vital, ao Pacífico.
Em fevereiro de 1904, os japoneses atacaram Port Arthur onde estava localizada uma frota naval russa que foi parcialmente destruída, ficando sem condições de combater.
Diante dessa derrota, a Rússia decidiu enviar a Port Arthur a esquadra do Báltico. A Inglaterra que controlava, então, o Canal de Suez, em virtude de seus compromissos com o Japão (Tratado de 1902), proibiu a passagem da esquadra pelo canal.
Como consequência, a esquadra teve de contornar a África para se dirigir a Port Arthur e na altura do Estreito de Tsushima (entre a Península Coreana e o sul do Japão) foi surpreendida pela esquadra japonesa que destruiu dois terços da frota báltica.
Após mais essa derrota, o Czar Nicolau II buscou negociar a paz porque as perdas militares e econômicas da Rússia já eram enormes. As negociações foram intermediadas pelo então Presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, e resultaram no Tratado de Portsmouth que deu ao Japão o controle da Península da Coréia, como também da Manchúria. Mas, a Ferrovia Transiberiana foi mantida pelo Tratado.
A vitória transformou o Japão em potência regional a ser considerada nas questões geopolíticas do Extremo Oriente e incentivou o militarismo, o nacionalismo e as ambições imperialistas japonesas, enquanto, na Rússia, enfraqueceu o regime czarista.
O Domingo Sangrento
Apesar da Guerra Russo-Japonesa, ou até em virtude dela, a agitação social era uma constante na Rússia.
Por tais motivos, a Okhrana5 resolveu criar um sindicato trabalhista controlado pela polícia.
Em 1905, em São Petersburgo, ocorreu uma greve na imensa fábrica Putilov6, devido à demissão injusta de alguns trabalhadores. Movimentos grevistas eclodiram em várias cidades.
Mas, em São Petersburgo, a liderança do sindicato controlado pela polícia era o padre ortodoxo Georgii Apollonovich Gapon, que se encontrou num dilema. Precisava, por um lado, apoiar os grevistas, sob pena de perder sua influência no movimento operário e por outro tinha de cumprir as determinações da Okhrana.
Gapon optou pela greve, porém teve a ideia dos trabalhadores apresentarem suas queixas e reivindicações a Nicolau II, através de uma petição, pressupondo que o Czar faria algo que aplacaria os trabalhadores, resolvendo a questão da greve.
Em 9 de janeiro de 1905 (segundo o calendário Juliano), 22 de janeiro (pelo atual calendário) organizou-se uma passeata pacífica em que os trabalhadores, mais de três mil pessoas, carregando ícones religiosos, marcharam em direção ao Palácio de Inverno, enfrentando a neve hibernal. Pretendiam entregar a petição ao Czar na qual pediam melhores condições de trabalho, redução da jornada, o fim da guerra russo-japonesa e o sufrágio universal.
Chegados ao Palácio de Inverno, a guarda palaciana disparou tiros de advertência e em seguida disparou contra a multidão. Junto ao padre Gapon cerca de 40 pessoas foram atingidas pelos disparos, mas Gapon ficou ileso.
O número de mortos e feridos nessa ocasião é, ainda hoje, incerto. Mas, as autoridades da época diziam ter ocorrido 930 mortes e 333 feridos. Comentaristas afirmaram que a neve nas imediações do Palácio ficou totalmente vermelha, tal o banho de sangue.
O sindicato da polícia foi imediatamente desacreditado.
Gapon, após um período no exterior, retornou à Rússia e, na pequena cidade de Ozerki, ao norte de S. Petersburgo, foi executado, por enforcamento, numa cabana onde se encontrou com membros do Partido Socialista Revolucionário, em 28 de março (calendário Juliano) correspondente a 10 de abril (segundo o atual calendário) de 1906.
O Domingo Sangrento foi o estopim do processo revolucionário de 1905.
Trabalhadores de toda a Rússia, da Polônia à Sibéria, entraram em greve.
Na primavera, em São Petersburgo, chegou-se a cerca de 1 milhão de grevistas.
Camponeses tomaram terras e assaltavam casas de nobres. No verão, ocorreu o motim dos marinheiros do encouraçado Potenkim, exigindo o fim da autocracia e apoiaram os grevistas de Odessa, antes do internamento na Romênia.
Diante desse quadro, em agosto, o Czar Nicolau divulgou um manifesto que prometia uma legislatura representativa, porém com poderes limitados. Mas, o manifesto imperial não surtiu os efeitos desejados. Ao contrário, fortaleceu o movimento e, na segunda semana de outubro, as greves transformaram-se em greve geral, de caráter político, pleiteando uma república democrática.
Em São Petersburgo, os trabalhadores começaram a formar conselhos (совет, soviet, em russo) inicialmente ao nível das fábricas e depois, em 13 de outubro, reuniram-se para formar um soviete municipal, tomando o nome de Soviete de Deputados dos Trabalhadores. O soviet tinha um Comitê Executivo, responsável pela direção do Conselho e pelo encaminhamento das tarefas discutidas, votadas e decididas em suas assembleias.
Os operários, com o soviete, sentiam-se partícipes e artífices de uma democracia em contraste com a intensa rigidez da estrutura czarista. Se não foram construídos com a finalidade primeira de tomar o poder político, mas pela necessidade de organizar as pautas econômicas dos operários, não deixou de exercer aquela função, isto é, a organização da luta política em direção à transformação da sociedade russa.
Foi este o precedente do Soviete de Petrogrado de 1917.
A greve geral forçou o Czar, ainda em outubro, através de um novo manifesto, a conceder que a Rússia deveria ter uma legislatura representativa que chamou de Duma e algum tipo de constituição. Ou seja, a greve geral abriu caminho para as primeiras eleições parlamentares.
O Manifesto de Outubro mudou completamente o cenário político russo. Grupos liberais e conservadores formaram partidos e muitos revolucionários saíram da clandestinidade, pelo menos parcialmente.
Wite e os ministros produziram uma constituição – as Leis Fundamentais – proclamada no dia da abertura da nova Duma, em 27 de abril de 1906.
O sistema para eleição da Duma era bastante complexo.
A Duma “não era eleita simplesmente com base nas regiões ou em requisitos de votos censitários, mas por meio de um complexo de distritos regionais, do voto indireto e do sistema curial. (….) Ainda acreditando na lealdade do campesinato e no seu conservadorismo social, as eleições para a primeira Duma que aconteceram no inverno de 1905-1906 basearam-se numa distribuição de assentos que favorecia o campesinato. Nicolau estava convencido de que somente as classes médias e altas se opunham à autocracia, mas que os camponeses estavam a seu lado.”7
Nicolau dissolveu a Duma em julho, pois considerava impossível trabalhar com ela, na expectativa que novas eleições fossem mais favoráveis.
A Revolução de 1905 foi um episódio sangrento, com cerca de 15 mil mortos, a maioria camponeses executados durante a repressão na zona rural. Milhares de trabalhadores e revolucionários também pereceram nos conflitos ocorridos durante as greves ou nas diversas insurreições.
O ato final da Revolução de 1905 aconteceu, em 6 de dezembro, em Moscou. O soviete da cidade convocou uma insurreição armada para derrubar o governo czarista, convocar uma assembleia constituinte e proclamar uma república democrática. Mas, a insurreição foi dominada pelo primeiro-ministro, Sergei Witte.
Todavia, 1905 legou para a História e para o desenrolar do processo revolucionário na Rússia dois instrumentos de luta que se fizeram vitoriosos em outubro de 1917: a greve geral e a instituição do soviete.
Como diz Lênin, em sua (primeira) Carta de Longe:
“A primeira revolução (1905) revolveu profundamente o terreno, arrancou pela raiz preconceitos seculares, despertou para a vida política e para a luta política milhões de operários e dezenas de milhões de camponeses, revelou umas às outras, e ao mundo inteiro, todas as classes (e todos os partidos principais) da sociedade russa na sua verdadeira natureza, na verdadeira correlação dos seus interesses, das suas formas de ação, dos seus objetivos imediatos e futuros. A primeira revolução e a época contra-revolucionária que lhe seguiu (1907-1914), revelaram toda a essência da monarquia tzarista, levaram-na até o último limite, puseram a nu toda a podridão infâmia, todo cinismo e corrupção da corja tzarista com esse monstro, Rasputine, à frente, toda a brutalidade da família Romanov, esses progomistas que inundaram a Rússia com o sangue de judeus, de operários, de revolucionários. (…)
(…) a primeira, a grande revolução de 1905, (…) deu origem à brilhante, à gloriosa revolução de 1917 (…)”8
Bibliografia:
Buskovich, Paul – História Concisa da Rússia, São Paulo, Edipro, 2014.
Carr, Edward Hallett – La Revolución Bolchevique (1917-1923) 1, Alianza Editorial, Madrid, 1973.
Gilbert, Martin – A História do Século XX, São Paulo, Ed. Planeta, 3ª. ed., 2016.
Hobsbawm, Eric John Ernest – A Era dos Impérios (1875-1914), São Paulo, Ed. Paz e Terra, 2015.
Hobsbawm, Eric John Ernest– Era dos Extremos, o Breve Século XX, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
Kastelina, Irina Petrovna (Кастелина Ирина Петровна); Parfenova, Irina Anatolevna (Парфенова Ирина Анатольевна); e, Ragulskaia, Galina Vacilevna (Рагульская Галина Васильевна) – História da Rússia – guia de estudos para estudantes estrangeiros (История России учебное пособие для иностранных студетов), Centro de Educação Internacional, Universidade Estatal de Moscou, 2005.
Lenin, V. I., Obras Escolhidas, tomo 2, 2ª edição, Ed. Alfa-Ômega, SP
Visentini, Paulo Fagundes – Os Paradoxos da Revolução Russa, Rio de Janeiro, Ed. Alta Books, 2017.
NOTAS:
1 Em 1815, Napoleão fugiu da Ilha de Elba e retornou à França, retomando seu poder. O retorno de Napoleão marca o período histórico francês conhecido como os Cem Dias que terminam com a derrota napoleônica na batalha de Waterloo e o exílio na Ilha de Santa Helena, onde Napoleão faleceu em 1821.
2 Kastelina, Irina Petrovna (Кастелина Ирина Петровна); Parfenova, Irina Anatolevna (Парфенова Ирина Анатольевна); e, Ragulskaia, Galina Vacilevna (Рагульская Галина Васильевна) – História da Rússia – guia de estudos para estudantes estrangeiros (История России учебное пособие для иностранных студетов), Centro de Educação Internacional, Universidade Estatal de Moscou, 2005, p. 42.
3 Bushkovitch, Paul – História Concisa da Rússia, SP, Edipro, 2014, p. 209/210
4 Essa sigla Kadets decorre das iniciais, em russo, do nome Конституционно-демократическая партия.
5 Okhrana (Охранное отделение significa Departamento de Segurança), polícia política, criada em 1881, para reprimir os movimentos sociais, a oposição dos Narodniks e do Partido Social-Democrata Russo contrários à autocracia.
6 Dedicava-se à metalurgia. Após o assassinato do bolchevique Sergei Kirov, passou a denominar-se Fábrica Kirov. Hoje em dia, está privatizada e produz maquinários agrícolas.
7 Bushkovitch, Paul, op. cit. P. 303.
8 Lenine, V. I. Obras Escolhidas, tomo 2, 2ª ed., Ed. Alfa-ômega, SP, págs. 1 e 2