Quase um século depois do acontecimento mais importante da História até hoje: a primeira revolução proletária do mundo.
Assinalamos a data com um texto que pretende apenas dar uma visão geral do processo revolucionário russo, como forma de incentivarmos o seu estudo e as lições que ele traz para a luta dos trabalhadores nos dias de hoje.
João Reberti, Socialismo Revolucionário, artigo original publicado n’A Centelha nº1
Em outubro de 1917, em plena I Guerra Mundial, iniciou-se uma das mais importantes experiências sociais da modernidade: o Socialismo na Rússia.
Em fevereiro de 1917 a ordem estabelecida após a derrota da revolução de 1905 foi posta em causa. No dia 8 de março, de acordo com o calendário actualizado, mulheres da indústria têxtil de Petrogrado, agora São Petersburgo, começaram a deixar as fábricas enquanto trabalhavam, protestando contra a falta de alimentos e os constantes aumentos de preço, ao mesmo tempo que reclamavam o final da guerra. A este protesto, que contou com a participação de milhares de trabalhadores, o czar respondeu com tropas de dedo leve no gatilho. Morreram centenas de homens e mulheres, e outros tantos ficaram feridos. Enquanto eram alvejados, os trabalhadores apelavam aos soldados para que desobedecessem a novas ordens de disparo. O apelo foi acudido, e é nesse momento que o czar perde controlo sobre a situação. Inicia-se, assim, o período revolucionário.
A Duma Imperial, forma de assembleia, uma concessão da classe dominante em 1905, foi obrigada pelas “torrentes tempestuosas de operários e soldados” a assumir o poder supremo. “As massas do povo, operários, soldados e camponeses” determinaram, pela primeira vez na História, o seu futuro, através dos sovietes, que podiam ser de cidades, regiões, ofícios, ou qualquer outro agrupamento socioeconómico, comités de exército, comités de fábrica, comités de camponeses, ou seja, a expressão máxima da democracia. Os sovietes russos, nascidos também em 1905, mais não eram que órgãos de democracia e gestão directa das bases, onde vários partidos, da direita liberal à esquerda revolucionária, estavam representados. O Partido Operário Social Democrata Russo, que se havia dividido em 1903 em duas facções, Bolchevique e Menchevique, o Partido Socialista-Revolucionário, os Cadetes (Constitucionalistas Democratas) e os Monárquicos. Estes eram os principais partidos políticos na época. É importante salientar que quando se fala em socialistas “moderados” referimos aqueles que defendiam que primeiro seria a Revolução Burguesa e só depois a Revolução Socialista, estando excluídos deste grupo os Bolcheviques, os Mencheviques internacionalistas e os Socialistas-Revolucionários de Esquerda.
Os socialistas moderados, e mesmo os Bolcheviques até à chegada de Lenin em abril, apoiavam o Governo Provisório ali-cerçado na Duma; não muito longe dessa instituição alicerçava-se outra: o Soviete de Petrogrado, composto por trabalhadores, soldados e militantes dos variados partidos socialistas, criando-se efectivamente uma dualidade de poder. Neste período, os bolcheviques ainda eram uma força pouco expressiva numericamente, sendo que vários dirigentes foram forçados a exilar-se, outros tantos presos, após um levantamento espontâneo dos trabalhadores em Julho contra o Governo, situação que os reaccionários tentaram capitalizar “tramando” os bolcheviques, com acusações infundadas de traição à pátria, denominando-os de “agentes alemães”, acusações mais tarde desprovadas.
A burguesia estava farta. Chegava de revoluções, a ordem tinha que ser reposta, fosse pela força dos seus fiéis vassalos, fosse por uma possível invasão alemã ou mesmo o “duro” inverno russo, que desmoralizaria e quebraria os ímpetos revolucionários. No entanto, a classe, ainda, dominante não ficou parada. Ela foi fazendo a sua parte, conjuntamente com as burguesias estrangeiras e os seus respectivos governos. O descalabro econômico não era meramente conjuntural, da guerra e crise social, este foi cuidadosamente orquestrado pelos donos do capital e dos meios-de-produção. Refira-se o açambarcar de recursos em armazéns, a prática de preços especulativos nos bens essenciais, a sabotagem de fábricas, a destruição de minas, dado que para cada duplicação de salário conquistada pelos trabalhadores o preço das mercadorias essenciais para a subsistência mais que duplicava! Nos dias que antecederam a revolução não havia leite, pão, açúcar… Os assaltos, os homicídios e o clima de instabilidade aumentavam, e a burguesia esperava enfraquecer o povo até ao ponto de que um simples golpe de estado seria visto com bons olhos. Enganou-se.
No final de agosto, Kornílov, comandante-chefe do exército, procura restaurar o antigo regime, tentando chegar a Petrogrado para derrubar o Governo Provisório. Tal golpe só não resulta graças à mobilização dos trabalhadores, que sabotaram os caminhos de ferro e se organizaram para defender o governo. Kerenski, então presidente e dirigente dos socialistas-revolucionários, teve um papel dúbio, no mínimo. Devido à sua acção na derrota do golpe de estado, os bolcheviques passam a maioria nos sovietes das principais cidades.
De acordo com Lenin, apresentavam-se as 4 condições necessárias para uma revolução vitoriosa: uma crise na classe dominante, que se divide e deixa de agir em bloco; uma pequena-burguesia polarizada, aliando-se ao grupo que se perspectiva estar em ascendência; os camponeses estavam dispostos a acabar com a aristocracia agrária, as forças do estado permaneceriam neutras, chegando mesmo a tomar o lado da revolução, e os trabalhadores nos principais pólos industriais mobilizavam-se em greves preparados para concluir o processo revolucionário; e, por último, a existência dum partido capaz de entender o encadear de acontecimentos, sendo depositário da confiança de grande parte da classe trabalhadora.
Nas vésperas da revolução, o partido bolchevique com o apoio do exército e da marinha criou o Comité Militar Revolucionáro de Petrogrado. Para além dum objectivo bem definido, Lenin e Trotsky tinham também um excelente sentido de oportunidade. O objectivo era retirar os partidos capitalistas do governo, e as massas, derivada a propaganda e agitação bem executadas, estavam conscientes da necessidade de um governo que reconhecesse a luta de classes, assumindo os interesses da classe trabalhadora. O Comité Militar Revolucionário começou o ataque tomando os telégrafos, os correios e o banco estatal, seguidamente, bloqueou a estrada principal e fechou todas as pontes, menos uma. No dia 25 de outubro, pela manhã, Kerensky já tinha fugido e a guarnição de Petrogrado capturava o Palácio de Inverno. Em Moscovo a eficácia do golpe só se diferenciou ao demorar uma semana até se deter efectivamente o Poder. Lenin ordena a transferência do poder para o Soviete de Petrogrado de manhã, à tarde inicia-se o 2º Congresso Pan-russo dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados, com a representação dos camponeses pobres. O Comité Militar Revolucionário entrega o Poder ao Congresso, e este, aceitando-o, faz um apelo aos trabalhadores, camponeses e soldados de todo o mundo pela Revolução Socialista Mundial.
A Revolução Russa não foi um acontecimento nacional, foi antes um evento com repercussões mundiais. Por toda a Europa os espíritos da classe trabalhadora reforçaram-se, o mundo inteiro tinha os olhos postos no primeiro proletariado que, enquanto classe, tomou o Poder, os oprimidos e explorados perscrutavam-no com esperança e alento, a burguesia receava, com razão, a sua preservação, enquanto engendrava o seu próximo ataque, que não tardaria.
por Socialismo Revolucionário – CIT em Portugal