Entrevista de Leandro Konder ao Blog Algo a Dizer (2007)
Por Camila Austregésilo, Kadu Machado, Marcelo Barbosa, Paula Pires
“Os liberais são os gigolôs da moderação”
Autor de 24 livros, pensador influenciado pelas obras de Marx, Lukács, Benjamin e Gramsci, o carioca Leandro Konder, 71 anos, considera a literatura e a filosofia experiências fundamentais e definidoras do ser humano.
Em seu último livro “Sobre o amor” (Ed. Boitempo), lançado em 2007, discorre, através de 23 ensaios, sobre as concepções do amor em Sócrates, Camões, Goethe, Freud, Dostoievski, Balzac, Cervantes, Shakespeare, Drummond, Hegel – entre outros.
Nesta entrevista, o autor de “A derrota da dialética” mostra que continua a ser um lúcido, influente e sobretudo bem humorado combatente da causa do socialismo.
ALGO A DIZER – Militância intelectual e política, no seu caso, se confundem. Como se deu o início dessas suas trajetórias política e intelectual?
LEANDRO KONDER – Meu pai era um velho comunista. Via os amigos dele. Circulavam na casa. Diziam coisas engraçadas. Simpatizava, em princípio com eles, mas os achava meio maluquetes.
Depois do 20º Congresso [do Partido Comunista da União Soviética, quando se deu a denúncia, por Kruschev, dos crimes de Stalin – N.E.], meu pai estava tentando segurar as pontas. Um amigo dele foi lá em casa e pegou um resto de discussão entre mim e meu pai. Aí disse: “Valério, Valério, o Leandro tem razão. Porque, Valério, mandar é melhor do que foder.” Achei o cara extraordinário. Alguém lúcido no meio daquela loucura geral.
Com 15 anos entrei no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e fiquei por mais de trinta anos. Entrei no Partidão, como era chamado, depois de 45 – em 50, já estava fazendo campanha pro papai quando ele se candidatou ao senado. Fiquei até a década de 80. Em 81, a gente [os anistiados do golpe de 64 – N.E.] voltou do exterior com a idéia de que o partido iria seguir o caminho que considerávamos correto. Basicamente, o caminho italiano, simplificando. E o partido não seguiu. Ficamos isolados. Aí seguimos caminhos variados.
Eu, primeiro, fui para o PMDB.
Aqui um parêntesis: minha trajetória política é horrorosa. Eu não posso liderar porra nenhuma, porque vai aparecer alguém com boa memória e pode dizer: “Você não é aquele que convocava para o PMDB?”.
Depois que eu saí, disse uma maldade numa entrevista que dei a uma revista e que deixou um amigo – não vou dizer quem – puto comigo. Eu disse: “Entrei para o PMDB, virei PMDBista. Em seguida, já havia notado como havia me tornado um PMDBesta. Mas antes de virar um PMDBosta, dei um PMDbasta.”.
Aí, fui para o Partido Socialista com Saturnino Braga, um sujeito correto, mas que é, politicamente, um pai de ingenuidade. Então pensei: “de ingênuo basta eu, porra!” Foi quando entrei no PT e agora estou no PSOL.
Não tenho, pois, nenhum talento político, por falta de sensibilidade e competência. Mas faço política o tempo todo até por razões éticas. Eu tenho idéia de que isso se mistura, paralelamente, com o gosto pelas artes e pela literatura, ficção.
ALGO A DIZER – Esse tempo todo de sua militância coincidiu em boa parte com a existência do chamado socialismo real, experiência marcante para o bem e para o mal. Qual a sua avaliação dessa experiência?
LEANDRO KONDER – Caramba! Como tinha acabado de confessar, não me sinto competente para fazer essa análise. A União Soviética, eu a observava e via que algumas coisas estavam meio tortas lá. Mas eu não tinha pensado em alternativas…
Na verdade, eu me beneficiei de uma boa reputação de ter espírito crítico, independente, e nem sempre eu mereci essa reputação.
Aí, uma vez, eu fui à UNE, em 62/63, e encontrei um dirigente do partido, meu ex-assistente, de manhã, em pé, num bar do Flamengo, tomando cachaça. Imagine, a decadência por excelência. Ele me abraçou, ficou emocionado e disse: “Você é um pioneiro na luta contra o stalinismo.” Eu fiquei meio assim. Aceitei mal. Saí de lá e disse pra mim mesmo: “Eu não sou pioneiro porra nenhuma. Enquanto Stalin viveu eu era um stalinista: achava que o revolucionário tinha que ser durão.”. Fiquei com uma fama de anti-stalinista que não correspondia à verdade. Mas a fama foi ficando…
ALGO A DIZER – Nessa época, você já era interessado pelas idéias de Lukácz, né?
LEANDRO KONDER – O Lukács – até hoje tenho um fascínio por ele – foi fundamental na idéia de que a literatura, as artes, mesmo que elas sejam de artistas burgueses – às vezes, inevitavelmente burgueses – são fontes de uma experiência fundamental para todos nós. Quem não se interessa por arte e não lê literatura vai se empobrecer espiritualmente e muito. Lukács elogiou Thomas Mann, elogiou Balzac. Li Balzac todo. Levei o velho Lukács a sério. O caminho é por aí. Aí foi um pouco de entrosar. Não foi nada programado: foi essa coisa de gostar de ler Balzac e tentar encontrar uma maneira de formular em termos marxistas idéias que estavam sendo meio deformadas na União Soviética. Isso dava pra gente ver.
ALGO A DIZER – E falando do Lukács, toda uma crítica marxista se digladiou ao longo no século XX entre os defensores do realismo nas artes e a crítica à vanguarda – o dito formalismo. Veio o século XXI e os dois viraram história e agora a gente tem que pensar pra frente. Do núcleo do realismo é possível preservar alguma reflexão fecunda?
LEANDRO KONDER – Acho que sim, mas não tenho fundamentos teóricos para sustentar esse ‘acho’. Fiz, recentemente, um livro com um artigo longo sobre Balzac, a quem conheço bem, e tenho certeza com o apoio do Lukács – as categorias de Lukács se prestam à gente extrair muita coisa da leitura de Balzac. Agora, qualquer marxista, minimamente competente, que tenha lido Lukács pode dizer isso. Então, resolvi escrever um artigo sobre o realismo na poesia de Fernando Pessoa – ponto de interrogação. Um título inteiramente à vontade. Aí, as pessoas falaram: “Você está maluco? Fernando Pessoa? Que merda tem a ver com realismo?” Eu dizia: “Não sei, não sei.” Mas o conceito lucacksiano de realismo não se aplicaria a Fernando Pessoa? Acho que Lukács não aplicaria. Ele se acovardaria. Mas um lucacsiano não pode fazer essa experiência? É claro que o conceito muda. Todo conceito, ao ser aplicado, já começa a mudar. Para Fernando Pessoa, o real não existe, o que ele é, não existe. A realidade é tão chocante para ele, poeta, tão escandalosamente absurda, que é uma maneira de criticar essa realidade. Ele a nega para fins de combate poético. Mas, enfim, me ligaram várias pessoas dizendo: “O que é que é isso? Enlouqueceu de vez?…”
ALGO A DIZER – Naquele seu famoso ensaio “A derrota da dialética”, você narra e teoriza um pouquinho da recepção das idéias marxistas no Brasil. Uma trajetória muito acidentada mas que acabou dando seus frutos. A gente tem uma tradição no Brasil com Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, você, Carlos Nelson, Florestan Fernandes, Werneck Vianna, entre muitos outros. Qual a característica mais interessante dessa trajetória marxista no Brasil? Era para não ter dado em nada, mas produziu coisas muito interessantes…
LEANDRO KONDER – Não sumimos. Nós somos inelimináveis da história das idéias no Brasil. Agora, o que acho que tem de interessante, junto com outras características dessa briga, é um certo esforço para preservar o núcleo de algumas teorias, de algumas convicções teóricas, que estavam sendo sustentadas com muita dificuldade. Por exemplo, a questão da democracia foi posta de maneira muito enérgica, muito positiva, pelo Carlos Nelson Coutinho. E a gente na época dizia: “Você está certo, Carlito, tem que ser democrático mesmo, não basta ser socialista.”.
O Carlos Nelson então ficou preocupado e falava: “Tem que ser socialista, não basta ser democrático.”. A gente respondia: “Tá certo, mas isso fica subtendido, pois a gente sabe que a sua briga não era contra o socialismo, mas contra a exclusão da democracia.”.
Acho que tem essa coisa do democrático que a gente, de alguma forma, pôs em circulação para ser discutido. Agora, também foi bom também um certo espírito critico, uma certa autocrítica. Às vezes, você pára e pensa: não tem um momento em que possa haver dúvida; em que vejamos que, talvez, estejamos equivocados? Mas é claro que tem.
Quando se olha os autores do passado, há uma coragem intelectual que me comove, me emociona. O Caio Prado Junior, o Nelson Werneck Sodré, eles escreveram numa época de tantas dificuldades… Esse último, em especial, se identificou demais com umas circunstâncias que mudaram bastante. Mas é um sujeito com uma coragem intelectual muito grande. Tem isso. Mas essa história ainda vai ser ‘retrabalhada’ várias vezes.
ALGO A DIZER – A idéia de ‘retrabalhar’ é interessante para pensar também o seguinte: há uma tradição, que não é propriamente marxista, mas que bebeu de uma leitura de Marx aqui no Brasil e trabalhou a questão nacional de uma maneira importante: Darcy Ribeiro, Celso Furtado, por exemplo. Talvez, o encontro dessas duas vertentes possa ser uma coisa de futuro…
LEANDRO KONDER – Eu acho que sim. Não podemos ficar só nós conosco, só entre nós. Têm uns interlocutores que são preciosos. O Darcy é um cara muito engraçado. Às vezes, me assustava, mas eu sinto falta dele como interlocutor.
Veja só: uma vez, depois da volta dos exilados, nosso companheiro Ênio Silveira organizou em sua casa um encontro do Brizola com intelectuais do Partido. O Brizola foi acompanhado de duas pessoas e uma delas era o Darcy. Fomos para lá eu, Carlos Nelson, Moacyr Félix, e vários outros.
Acabou rebentando uma discussão: Brizola foi infelicíssimo. Ele disse: “Quando eu estava no porão do navio, vocês me desprezaram.”
Aí o Moacyr Félix perguntou: “Quem? O Partido Comunista?”
O Brizola disse: “É, o Partido Comunista.”
Moacyr respondeu: “Você estava no porão do navio e nós estávamos abaixo de você.”
Foi uma confusão. O Brizola saiu com um companheiro dele e o Darcy ficou, dizendo: “Gente, gente, peraí, não acabou ainda não, eu explico o Brizola. Eu conheço o pensamento do Brizola melhor do que o próprio Brizola. Eu explico a vocês.”
O pessoal se dispersou e ele acabou falando só pra mim: “Leandro, você continua no Partidão? Eu falei: “Continuo.”
“Então você vai me escutar, vai levar um recado para a direção do Partido que, se você transmitir direitinho, pode salvar a esquerda brasileira. Peça para a direção do partido procurar o Brizola sem preconceito e fazer uma aliança. Porque dessa aliança vai sair a solução dos nossos problemas. Nós vamos sair da desgraça, vamos chegar ao poder. Vamos sair do fundo do porão do navio pro poder, pro poder.”
Eu ria às gargalhadas.
Darcy continuou: “Você está rindo? Eu entrei no Partido em 45 e li todo o estatuto. E está lá que só se sai do Partido expulso ou pedindo demissão. Nunca pedi demissão e nunca fui expulso. Então, estou no Partido há mais tempo que você. Antiguidade é posto e você vai levar esse recado pra direção.”
ALGO A DIZER – Na época da anistia, 78~79, começou um grande interesse sobre Gramsci. Até os detratores que não haviam lido resolveram lê-lo. E, hoje, como você vê essa recepção a Gramsci.
LEANDRO KONDER – Acho que ela está em crise. Durante muito tempo o Gramsci foi preservado. Era a época em que a gente falava assim: “Qual o autor marxista, o teórico, o intelectual que ainda é lido? Lukács?” Não. Então quem? E acabava sempre no Gramsci.
(Hoje, mesmo com as dificuldades) Gramsci está colocando o dedo nas nossas feridas. Ele está nos interpelando. Ele está desafiando a gente a pensar as coisas e ele tem uma contribuição muito interessante, porque é um marxismo menos construído, menos articulado, mas mais espontâneo e às vezes, muito vigoroso. É muito forte o marxismo do Gramsci. Mas, ao mesmo tempo, filosoficamente, ele tem menos densidade do que o Lukács. Como filósofo! Em outras coisas, não. O Gramsci tem umas reflexões que podem se articular – o Carlito disse isso – também no nível brasileiro. Com o Lucacks é mais difícil. Ele é prisioneiro de uma formação rigorosa – mais rigorosa que a do Gramsci – como filósofo, mas que não se presta; não nos ajuda, não contribui concretamente para nossa briga hoje em dia.
ALGO A DIZER – Outra coisa importante aí nessa discussão hoje. Numa entrevista sua, perguntado se você ainda era socialista, você disse que era mas os motivos pelos quais permanecia você tinha dificuldades de definir…
LEANDRO KONDER – Eu acho mais útil a gente adotar formulações que sacudam as pessoas. Eu gosto de fazer isso. Chocar. Pô, e se a gente concluir que o socialismo já era? Que foi tudo um equívoco, que a humanidade não tem jeito, que vai ser a lei do cão – o capitalismo. Aí o pessoal diz: “pô, Leandro, o que é isso? O que é isso, companheiro?”
ALGO A DIZER – E essa questão do sujeito? Historicamente, na tradição marxista há a presença de um sujeito transformador da História, o proletariado. Essa noção de proletariado como a gente conhecia, no século XXI, mudou muito. Então, o problema da subjetividade virou um problema sério para nós…
LEANDRO KONDER – Seríssimo, seríssimo. Acho que nunca a crise foi tão grande na história do socialismo. Você falou uma coisa interessante que a gente, a princípio, pode adotar como meta: a busca de interlocutores na esquerda que não estão integrados nessa história do marxismo.
ALGO A DIZER – Dentro dessa tese, o que você acha do Habermas?
LEANDRO KONDER – O Habermas resolve os problemas dele num caminho que já foi trilhado no passado. Ele dá uma nova forma, um novo tratamento. Ele é muito brilhante – mas é meio chato. É muito social-democrático, com todas as ambigüidades da social-democracia. É até uma expressão generosa, combativa, da social-democracia, mas é social-democrático, não tem enigma.
Agora eu pego alguns daqueles sobreviventes do naufrágio italiano – Giorgio Agamben. É um cara muito bizarro. Não sei até que ponto ele é marxista. Talvez seja menos marxista que o Darcy. Mas ele é engraçado. O livro dele, “Profanações” (Ed. Boitempo), tem coisas assim: o cristianismo tem sido estudado como uma religião. Mas também, pode ser pensado como um projeto de organização político-social. Então, neste sentido, vale a pena comparar cristianismo e capitalismo. A igreja e o movimento político-social partidário. Aí ele verifica o seguinte: o capitalismo tem várias vantagens sobre o cristianismo. O Agamben vai desenvolvendo isso. A gente tem uma formação cristã no Brasil muito forte. Então, o que pode passar pela cabeça de um cristão convicto a leitura disso: “O capitalismo não tem sentimento de culpa: consuma, consuma, o que você puder, consuma.” Uma postura diferente da do cristianismo, cuja ética complica a vida do consumidor.
Então, ele coloca temas, fala coisas engraçadas. A própria idéia da profanação… O que é profanar? É você tirar do religioso e trazer para o humano o que, em determinado momento tinha sido absorvido pela religião e que ficou estranho a nós. Se você não estimular o instinto profanador, o ímpeto profanador, ele se apropria e é muito prejudicial. A indústria do turismo – que é a que mais cresce no mundo – mobiliza massas de pessoas a percorrerem o mundo à cata de souvenires, à cata de lembranças – anti-profanador. É o religioso invadindo a era do profano e emburrecendo as pessoas. Esses são fenômenos que procuro acompanhar com certa esperança. Mas sei que não vai ter fácil sair desse buraco.
ALGO A DIZER – Agora, Konder, você pode falar sobre marxismo e psicanálise? Na sua opinião, são compatíveis?
LEANDRO KONDER – Dizem meus amigos psicanalistas: “o problema da psicanálise é tão grave quanto o de vocês.” (risos)
Falando sério, a contribuição da psicanálise é muito diversificada. A psicanálise não entra como uma doutrina. Como doutrina ela tem também seu papel, sua dimensão provocadora no bom sentido. Mas acho que ela entra muito mais como um patrimônio cultural. Intelectuais, teóricos, filósofos, cientistas foram trabalhando temas que faziam eco da psicanálise – certa presença de inspirações psicanalíticas.
Eu acho que esse inventário da psicanálise é muito difícil de fazer, justamente porque você tem zonas intermediárias entre o psicanalítico e o não psicanalítico. Essas zonas muito preciosas, porém difíceis de serem mapeadas. As pessoas, em geral, ou se entusiasmam ou se decepcionam. Não há porque se entusiasmar exageradamente. Mas é uma contribuição importante. Dependendo de como a gente trabalhe, ela pode dar uma contribuição importante. Até porque ela sofre o assédio de setores conservadores que adoram bater na gente também.
ALGO A DIZER – Em um de seus livros, você fala do homem burguês. Como seria possível superar esse homem burguês?
LEANDRO KONDER – Para nós, como poderíamos deixar de ser homens burgueses? É possível, claro que é possível. Mas o caminho seria um projeto de criação de bases para um homem não burguês. A sociedade burguesa, tal qual ela está organizada, o capital, que surgiu em torno do mercado, nos deforma. Tenho consciência que, desde os tempos em que eu matava as tarefas do Partido, já nos idos de 1950, eu tenho algo de burguês, algo de pequeno burguês preguiçoso. Mas tenho a clareza de que é possível criar um homem novo se você tiver instituições novas, uma sociedade nova – e isso foi tentado e não funcionou. O socialismo, por enquanto, não criou isso. Eu não estou dizendo que não tenha jeito. Espero que tenha. Mas não é fácil.
ALGO A DIZER – Hoje, tem dois caminhos claros para a esquerda, em termos táticos: uma parte da esquerda está fazendo apoio crítico ao governo Lula e uma outra parte que está no campo da oposição ao governo Lula. Isso dá pano pra manga, mas não é isso que quero te perguntar. Os dois campos se ressentem de uma sensação de impotência na realização de um avanço democrático radical, com uma ênfase mais pronunciada na justiça social – essas coisas que caracterizam a perspectiva socialista. A isso, Chico de Oliveira chamou “ irrelevância da política”.
O que você acha?
LEANDRO KONDER – Acho que o Chico Oliveira faz um tipo de coisa que é preciosa, difícil de fazer. E está gerando mal-entendidos. A história vista num período de 20 anos é uma história tensa, agitada, com dramas políticos, momentos dramáticos, tensos. A história vista numa escala de 300 anos, você já começa a ver as grandes costuras, a perceber que aqui houve uma articulação interessante de política com cultura, ali um movimento espiritual, o surgimento de uma religião nova. Aí você vê as coisas em termos de mil anos. Então, você, queira ou não, está fazendo filosofia da história, uma coisa muito abstrata, mas é uma coisa que também é necessária. Precisamos combinar essa coisas: os 20 anos, os 300, os mil anos. O Chico Oliveira faz isso. Ele não fez opção por um projeto filosófico. Mas ele filosofa no trabalho dele. Nesse sentido, a Economia passa a ser expressiva, passa a ser mais significativa, quando ela é parte de um projeto político.
ALGO A DIZER – Você está lançando o livro. Fale sobre ele.
LEANDRO KONDER – Lancei um sobre o amor. Um aluno meu disse: “dessa vez você sacaneou, com um livro sobre o amor, ninguém vai poder falar mal de você.” Disse isso, intuindo uma certa simpatia que não se realizou. O Jornal do Brasil deu muita força. O Globo não mencionou. Os jornais de S. Paulo também não. O Estadão deu uma notinha…
ALGO A DIZER – Eles não gostam do amor…
Também acho isso. Aliás, tem um cara que é jornalista e que eu acho muito engraçado, filho de um comunista, sindicalista, o Ricardo Boechat. Ele tem pedigree, conheci o pai dele. Ele é muito engraçado. Tem um programa de rádio… Na televisão ele é mais quadradão… Mas no rádio… Ele comentou o caso daquele promotor de S. Paulo que foi à praia e, com ciúmes, matou, com vários tiros, um cara que mexeu com a namorada dele. Aí a televisão dramatizou o caso, entrevistou os irmãos da vítima, os pais, revoltados com a prisão especial do sujeito, da liberdade de ir para casa. O Boechat ficou brabo e, no rádio, falou: “a insegurança desse promotorzinho é típica de quem tem o pau pequeno.”
Eu acho muito boa a existência dessa coisa menos certinha. As pessoas andam muito morrinhas, medindo demais as palavras. Não é bom. Se a moderação se impõe, nós estamos ferrados. A moderação tem um conteúdo conservador, e quem está lutando por isso são os eternos gigolôs da moderação, que são os liberais.
ALGO A DIZER – Qual sua opinião sobre aquela emigrada russa, naturalizada norte-americana, Ayn Rand, e suas opiniões sobre a superioridade moral do capitalismo?
LEANDRO KONDER – Há uns 30 anos atrás ela não teria grande repercussão. Mas de lá pra cá, o deslocamento para a direita tem sido fortíssimo. É só ver esse fenômeno de articulistas raivosos, horrorosos, de extrema direita. Eu às vezes leio e acabam me agradando muito. Os comunistas estão no poder! Se infiltraram na imprensa, controlam o aparelho de estado… Eu leio e sei que é um absoluto exagero, mas me dá uma sensação de importância, de poder. (risos)
É um conservadorismo assumido, direitaço, que há 30 anos atrás não tinha. Quer dizer, tinha, mas era aquele maluco, o louco da família. Agora, é o orgulho… Meu impulso, há 30 anos atrás, era não ler, jogar isso pro lado: não tenho tempo a perder. Agora não. Agora tenho que ler a direitaça e reconhecer alguma competência. Afinal, eu quero é brigar com eles e vencer.
Camila Austregésilo é jornalista