Professor de Ciências Políticas da Unesp de Marília, Marcos Del Roio descreve brevemente a biografia de Lênin.
Em 21 de janeiro de 1924, depois de pouco mais de um ano de convalescença, morria Vladimir Ilyich Ulianov, conhecido como Lenin, com pouco menos de 54 anos de idade. Nessa vida relativamente curta, Lenin escreveu muitos milhares de páginas, orientou a revolução democrática e socialista que derrubou o antigo império russo e fundou um novo Estado. Ainda que estigmatizado nos últimos 30 anos, foi, decerto, o autor mais publicado e mais influente do século XX.
Lenin foi militante revolucionário desde tenra idade, tendo incorporado uma nova vertente intelectual e política que apenas chegava à Rússia: o marxismo. A corrente marxista foi introduzida na Rússia por emigrados russos na Europa ocidental e que se descolaram da corrente narodinik (amigos do povo ou populista). Os narodiniks entendiam que a essência da alma russa era antagônica ao capitalismo e que contra o feudalismo e o czarismo dever-se-ia instaurar certo socialismo agrário, o que implica dizer que seria o campesinato a força motriz da revolução.
Em polêmica com os narodiniks, Lenin procurou demonstrar como o capitalismo se desenvolvia na Rússia e formava uma classe operária em condições de assumir um papel revolucionário, ainda que a natureza da revolução por vir fosse democrática e burguesa. Seria uma revolução democrática por conta da conquista e generalização das liberdades políticas para as massas populares, e burguesa pela necessidade de se desenvolver as forças produtivas da indústria.
Pelas circunstancias particulares da Rússia, com um capitalismo embrionário e um regime político bárbaro, Lenin concebeu a necessidade de um partido politico revolucionário que se distinguisse pela disciplina, pela dedicação e pela clareza teórica e política. Esse partido deveria ter a capacidade de difundir a consciência e a vontade revolucionária no seio da classe operária como condição primeira pra que essa camada social se colocasse como vanguarda na luta pela democracia e se fizesse seguir por outras camadas sociais, em particular a grande massa camponesa.
No entanto, Lenin, além dos narodiniks, teve que enfrentar o debate teórico e político com outra vertente do marxismo que se desenhara na Rússia. Além dos bolcheviques, codinome que ganhou a corrente de Lenin, em oposição havia os mencheviques, os quais tinham uma visão teórica diferente. Para os mencheviques, a revolução seria democrática e burguesa, do mesmo jeito, mas deveria ser dirigida pela burguesia, com a classe operária apenas pressionando para que as liberdades políticas se consumassem.
Esgotados os esforços para que essas correntes se mantivessem unidas dentro de um único partido, no começo de 1912, Lenin e os bolcheviques decidem-se por formar uma organização própria. Os bolcheviques, sem ao menos pestanejar, condenaram com veemência a guerra imperialista que explodiu na Europa em julho de 1914, ao contrário da grande maioria dos socialistas da Europa e da própria Rússia, os quais pensavam ser essa uma guerra de defesa da nação. Agora, para Lenin, tratava-se de combater a guerra com a revolução socialista internacional, o que demandaria novas organizações de trabalhadores preparadas para esse fim. A revolução poderia começar em qualquer lugar, mas eclodiu na Rússia, pelas condições particulares desse declinante império.
Contra o governo provisório que se seguiu à queda da monarquia absolutista, em março de 1917, Lenin propôs que se fundasse um novo Estado a partir dos conselhos de operários e soldados que se formavam desde os primeiros dias da revolução. Essa ideia impactante demorou alguns meses apenas para ganhar a maioria das massas populares, de modo que em novembro de 1917, o congresso dos conselhos operários decidiu assumir o poder, ao seguir a proposta dos bolcheviques e de outros grupos menores. O desenho estratégico de Lenin indicava que a revolução russa seria a fagulha que espalharia a revolução socialista pela Europa e também alhures. A própria Rússia, no entanto, deveria desenvolver uma variante de capitalismo monopolista de Estado, dado o imenso atraso em que se encontrava.
A derrota da revolução socialista na Europa e a guerra civil somada à intervenção militar na Rússia tornaram esse desenho inviável. A fundação da Internacional Comunista, em março de 1919, que deu origem ao movimento comunista do século XX, teve o objetivo inicial de difundir a revolução e de defender o núcleo revolucionário russo, mas foi veiculo também de difusão do pensamento de Lenin. Vencida a guerra civil, mas com a Rússia destruída e isolada, teve início a última batalha de Lenin, que seria aquela de preservar o poder revolucionário sustentado pela classe operaria e pela massa camponesa, sem se desviar jamais do objetivo estratégico do socialismo.