Reproduzimos entrevista do portal Deutsche Welle World com Galip Iyitanir, o diretor do filme alemão ‘Olga Benario. Uma Vida pela Revolução’, que você pode conferir na íntegra (em alemão) no link http://www.youtube.com/watch?v=hAJS30qEWtM
‘Olga Benario. Uma Vida pela Revolução’, de Galip Iyitanir
Se Olga Benario foi um ícone sob o regime comunista da ex-Alemanha Oriental, seu nome é praticamente desconhecido nos Estados que pertenciam à parte ocidental do país. Sua ligação com Luiz Carlos Prestes, sua passagem pelo Brasil, a deportação pelo governo Vargas e a morte em um campo de concentração são capítulos praticamente ignorados na Alemanha unificada de hoje.
“Mesmo tendo sido amada na RDA, Olga Benario não é conhecida de todos, quanto menos da nova geração”, diz Iyitanir. Embora haja no país inúmeras ruas, escolas e até cineclubes que levam seu nome.
Ao voltar luzes e câmeras para este período da história (alemã, russa, brasileira), o diretor turco, radicado na Alemanha, conta por um lado com a curiosidade do espectador frente a esta biografia desconhecida, mas, por outro, tem que enfrentar a resistência da mídia a um certo exagero nos adjetivos nos quais o filme carrega. Isto fez com que o documentário fosse chamado de “patético” pelo diário berlinense Der Tagessspiegel e acusado de exagerar nas doses do “patos da revolução” pelo jornal taz.
De qualquer forma, o filme – e com ele a biografia de Olga Benario – foi registrado pela imprensa do país, fazendo jus ao certamente árduo trabalho de pesquisa e reconstrução histórica levado a cabo pelo diretor.
Leia a seguir a íntegra da entrevista com Galip Iyitanir sobre Olga. Uma Vida pela Revolução.
DW-WORLD: Poderia se dizer, que você fez um filme para o público da ex-Alemanha Ocidental? Ou você pensou também no espectador brasileiro?
Iyitanir: Nunca tive a intenção de rodar o filme apenas para um público alemão ocidental. Mesmo tendo sido amada na RDA, Olga Benario não é conhecida de todo mundo, quanto menos da nova geração. Por isso meu filme é dirigido a todos aqueles que não têm conhecimento de sua história. É claro que pensei no espectador brasileiro ao narrar a revolta fracassada de 1935 mais detalhadamente do que seria necessário para o espectador alemão. Foi pensando que a história do Brasil não deveria ser resumida, caso o filme fosse exibido na televisão brasileira ou nos cinemas do país.
Na mídia brasileira, seu filme apareceu bastante no contexto, ou mesmo em comparação ao longa de ficção “Olga”, de Jayme Monjardim. Você acha que o sucesso de público deste filme no Brasil atraiu mais atenção para seu documentário ou, ao invés disso, prejudicou a recepção dele no país?
Certamente o sucesso do longa de ficção de Jayme Monjardim ajudou muito meu filme, pois foi concluído anteriormente e despertou a curiosidade das pessoas no Brasil a respeito do meu documentário. Além disso, o filme dele não foi bem recebido pela imprensa e por pessoas do meio cinematográfico, que tiveram interesse em ver como era o meu filme. Muitas pessoas me disseram após a exibição que, enfim, ficaram conhecendo a verdadeira história de Olga. E me agradeceram por isso.
Há em seu documentário algumas correções históricas em relação ao longa de Monjardim – um filme que, embora seja ficcional, é comercializado como fiel à história. Uma dessas correções é o local de nascimento de Anita, a filha de Olga. Tais interpretações falsas dos fatos não o irritaram no filme?
De forma alguma! Pois um filme de ficção tem muitas liberdades e pode ser composto de forma tensa, emocional e voltada para o mercado. Enquanto o documentário tem que ser fiel à verdade e objetivo.
Em “Olga. Uma Vida pela Revolução”, você mistura material de arquivo com imagens atuais de locações originais da história, acrescentando ainda tomadas encenadas e entrevistas. Por que esse formato “misto” e por que uma narrativa estritamente cronológica?
A mistura de imagens históricas e atuais servem, no filme, para tornar nítida a diferença entre o antigo e o novo. Vê-se que em algumas locações quase nada mudou. Além disso, essa mistura ajuda o espectador a se mover emocionalmente, a perceber os dois lados, sem rejeitar um ou outro. Como o filme deveria ter 90 minutos, optei desde o início por esse formado misto, semidocumental. Isso por duas razões: primeiro porque há poucas imagens em movimento e poucas fotos de Olga Benario.
Segundo, porque não queria forçar o espectador a ver 90 minutos de um filme contado em off. O que teria sido com certeza muito estático e monótono. Teria se tornado radioteatro ilustrado. Não acho que o filme seja narrado de forma estritamente cronológica, pois ele começa com a cena de libertação de Otto Braun e só aí conta a infância e a juventude de Olga Benario, de forma retrospectiva até a ação de libertação. Essa forma narrativa foi introduzida também em relação a Prestes. Sua história é contada somente quando de sua viagem ao Brasil e não no começo, quando ele aparece no filme. Apenas depois do Brasil o filme se torna cronológico.
A trilha sonora de seu filme é muito brasileira. Isso num contexto em que grande parte da vida de Olga Benario não se passou nem teve quaisquer referências ao Brasil. Por que esta escolha?
Apenas um quarto da trilha sonora é brasileira (repentistas, coro e Paraventi). Os 50 minutos restantes têm uma trilha composta especialmente para as cenas, com o intuito de apoiar a história do filme. Certamente, em trechos rodados no Brasil, a música foi um pouco adaptada às locações. Mas não foi propósito tornar toda a trilha sonora completamente brasileira.
Como você chegou aos repentistas? Eles foram incluídos no filme por razões estéticas ou há alguma ligação entre a história de Olga Benario no Brasil e o repente?
Como sou um entusiasta do Brasil, asism como Olga era, queria de qualquer forma introduzir no meu filme algo mais que belas imagens, o que qualquer câmera de reportagem pode fazer. E este algo mais deveria estar ligado à cultura e à mentalidade do país. Foi quando cheguei aos repentistas, cuja tradição já conhecia há muito. Eu já havia me debatido bastante com a idéia de introduzir os repentistas, mas não tinha cem por cento de certeza. Só no Rio de Janeiro, frente à beleza magnífica da cidade, é que minhas idéias foram se tornando realidade.
Você não teve a intenção de entrevistar Anita Leocádia e sua tia Lydia? Por não querer abandonar as fronteiras temporais da biografia de Olga Benario?
Eu quis muito entrevistar Anita e sua tia Lydia e estava até mesmo orgulhoso de ser o primeiro cineasta que iria entrevistá-las. Foi meu grande desejo. Pensei até em começar e concluir o filme com Anita, uma idéia em si já fascinante. Com Anita e Lydia o filme teria sido certamente muito mais rico e belo do que é. Infelizmente meus desejos não puderam ser realizados. As duas não se dispuseram a ser entrevistadas. Não soube o verdadeiro porquê disso, mas gostaria muito de saber.