O historiador João Victor Nunes Leite, fiscal de transporte coletivo e membro do Comitê Regional do PCB em Goiás, comenta a trajetória de 91 anos do PCB.
No dia 25 de março, o PCB completa seus 91 anos de existência e muita luta pelo socialismo. Afinal, de que valeria um Partido Comunista se não estiver organizando os trabalhadores para o enfrentamento contra o capitalismo e a sua classe dominante, a burguesia? E assim fez o PCB, chamado carinhosamente pela classe trabalhadora de “Partidão”. Do seu nascimento, em 1922, na cidade de Niterói (RJ), o Partidão enfrentou as mais duras batalhas ao longo da história do Brasil no século 20. A primeira delas, de 1922 a 1930, consistia em introduzir no Brasil uma cultura socialista de pensar e agir sobre o mundo. Os escritos de Marx e de Lênin passam a ser estudados, traduzidos e publicizados entre as massas operárias recém estabelecidas no País, a fim de criar as condições subjetivas para que os trabalhadores lutem para quebrar as correntes que lhes aprisionam. Ao mesmo tempo, em Goiás, a chamada revolução de 30 traz, além dos ares da modernização conservadora, o calor do novo operariado carioca e paulista que dialoga entre si com um novo linguajar e se organiza de uma nova maneira: o marxismo enquanto visão de mundo e o leninismo como forma de organização.
Em 1935, já contando em suas fileiras com Luiz Carlos Prestes — o dirigente mais conhecido do Partidão —, o PCB organiza uma ampla frente nacional e luta contra o nazi-fascismo, apresentando ao povo brasileiro a necessidade de luta por um projeto democrático, anti-imperialista e antilatifundiário. A Aliança Nacional Libertadora (ANL) é organizada e logo em seguida posta na clandestinidade. Estoura a insurreição armada de 1935. Tomando os quartéis do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de Janeiro, a insurreição padeceu pela falta das massas operárias e camponesas no processo. Gregório Bezerra categoricamente afirma: “Em 1935 tínhamos armas e não tínhamos massas…”. O resultado não era outro: a clandestinidade. Contudo, ao contrário de que todos imaginam, o Partidão passa a ganhar mais militantes para as suas fileiras. Em Goiás o partido ganha envergadura, sendo organizado nas cidades de Goianira, Pires do Rio e Anápolis. Toda essa organização em Goiás impulsionada pela luta democrática do País e contra o nazi-fascismo e o latifúndio.
Com o fim da 2ª Guerra Mundial e a participação fundamental da União Soviética para a derrota do fascismo alemão, os Partidos Comunistas em todo o mundo ganham nova envergadura. O Partidão sai da clandestinidade nos anos seguintes e se torna um partido de massa. Mais de 200 mil filiados em todo o território nacional. Nas eleições burguesas, Prestes se torna senador. Muitos militantes entram na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. Na Assembleia Legislativa de Goiás, Afrânio de Azevedo e Abraão Isaac Neto são os deputados do PCB. Toda uma rede de imprensa comunista se organiza e chama a atenção dos intelectuais da sociedade. Bernardo Élis se torna comunista por este contato com as publicações do Partidão. Mais uma vez, em 1947, o partido rapidamente é posto na clandestinidade. Essa foi a resposta da burguesia nacional. É nesse período uma das mais importantes lutas camponesas em nosso pais, a Revolta de Trombas e Formos, em Goiás. José Porfírio, militante do Partido Comunista, é a expressão máxima desta revolta pela terra, demonstrando que a inserção dos comunistas não é só no meio sindical e urbano.
De 1947 até o inicio dos anos 60 o partido vive uma luta interna sem precedentes, resultado do impacto do 20º Congresso da PCUS (Partido Comunista da URSS). Muitos dirigentes do Comitê Central do PCB deixam o partido e vão para outras organizações. A cisão mais significativa foi a saída de João Amazonas e Maurício Grabois. Estes, após a saída do Partidão, organizam o conhecido Partido Comunista do Brasil, ou PCdoB, em 1962. Mesmo neste conturbado processo, a orientação do Comitê Central do Partido é a de lutar pela volta do Partido à legalidade. De 1960 a 1964 o Partidão, de volta a legalidade, amplia ainda mais sua inserção no movimento sindical e popular, atraindo os mais importantes intelectuais para suas fileiras. O apoio em momentos conjunturais a Jango, numa aliança de classes com a burguesia nacional, leva de certo modo, ao conhecido Golpe de 64, colocando o PCB na clandestinidade. Em solo goiano, o PCB acompanha o ritmo nacional do partido. Presente nos municípios mais importantes do Estado, o PCB floresce na ainda jovem Goiânia, tendo forte presença na juventude, organizada pela UJC (União da Juventude Comunista), no meio sindical — estando presente no Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Anápolis — e dirigindo um importante jornal, “O Estado de Goiás”.
Com o golpe empresarial-militar de 64, a caça aos comunistas estava aberta. Muitas organizações surgem por grupos de ex-militantes do PCB, que são contrários à nova linha política do partido. Naquele momento, o Comitê Central orientava a militância a não reagir de forma armada ao golpe militar, pois a correlação de força e o enfrentamento armado iria dizimar os lutadores populares. Mais uma vez, Gregório Bezerra resume este período: “Em 64, tinha massa e não tinha arma.” Os anos após o golpe deixam claro o acerto do PCB em não travar uma luta armada. A violenta repressão do regime sobre o PCB dizima fisicamente centenas de quadros do Partido. O geógrafo e militante do PCB em Goiás Horieste Gomes foi brutalmente torturado nos porões do Batalhão do Exército em Goiânia. Na clandestinidade, o Partidão se organiza com dificuldade no MDB, para uma ação parlamentar e instituída e em atividades de agitação e propaganda contra o regime.
Em 1979, com o processo de redemocratização, boa parte dos dirigentes do PCB que estavam no exílio começam a voltar ao Brasil. O clima de festejo se espalha em muitas capitais para a recepção dos dirigentes. Em 1982, é convocado o 7º Congresso do PCB, a fim de delinear uma análise da sociedade brasileira e redefinir sua linha política. O que não esperavam era a verdadeira luta ideológica que começava neste momento. Boa parte dos dirigentes nacionais do partido, quando no exílio, entram em contato com o eurocomunismo (que propunha a ocupação de espaços na democracia burguesa, tirando de centro a luta de classes). Um novo racha ocorre no Partidão. Talvez a saída mais dolorosa para o partido: Prestes e um grupo importante de militantes deixam o PCB, discordando da nova linha política, que exclui a luta de classes. O partido deixa de ter inserção no movimento de massa e passa a dar preferência as lutas da institucionalidade burguesa. O 9º Congresso Nacional, em 1991, deixa bastante claro a dualidade dentro do partido. De um lado, aqueles que, de olho na queda do Muro de Berlim, veem como vitoriosa e se deixam cooptar pelo avanço do neoliberalismo, e aqueles que ainda acreditavam no socialismo como única saída a humanidade.
Em 1992, o 10º Congresso Nacional é convocado. A crise explode no interior do Partidão. Convocado de forma extraordinária, a maioria do Comitê Central naquele momento, apresenta a militância a necessidade de acabar com o PCB, deixando de lado seus símbolos (foice e martelo) e toda a sua história de luta. Ainda, apontavam que o socialismo deixa o horizonte dos trabalhadores, tendo a disputa institucional do Parlamento como central. Como resultado, boa parte dos dirigentes e militantes deixam o PCB e fundam o PPS, de Roberto Freire. Em Goiás o partido deixa de existir, tendo seus materiais e sede entregues ao PPS. Aqueles que bravamente decidiram ficar no PCB empreenderam uma importante campanha nacional para a reconstrução do PCB. O Movimento Nacional em Defesa do PCB percorre todo o País, reorganizando o Partido. Em Goiás, teremos o PCB reestruturado no ano de 2000, tendo a frente os então estudantes Paulo Winícius, o “Maskote”, e Fernando Viana e os professores Robson de Moraes e Marta Jane.
Em 2009, no Rio de Janeiro, o PCB, em seu 14º Congresso Nacional, consolida o Partidão. Com uma linha política clara, apresenta que a revolução brasileira não será por etapas, como o Partido pensava nas décadas de 50 e 60, ou seja, desenvolve-se o capitalismo e a democracia, para que depois tivéssemos as condições objetivas estabelecidas e chegássemos ao socialismo. A partir de 2009, o PCB afirma: a revolução brasileira será socialista! Com esta leitura, o Partidão de Prestes, Niemeyer, Olga, Portinari, Jorge Amado, Bernardo Élis, José Porfírio, Vladimir Herzog, Horácio Macedo, Ziraldo e tantos outros comunistas volta a se encontrar com os trabalhadores e organizar a luta contra o capitalismo. Em Goiás, os comunistas passam a estar presente no movimento estudantil da UFG e da PUC–GO, no movimento de professores e entre os trabalhadores rodoviários. Aqueles que pensaram que o Partidão tinha morrido se enganaram.
Neste ano de 2013, mais do que celebrar 91 anos do partido mais antigo do Brasil, comemoram-se 91 anos de marxismo no Brasil. Comemoramos 91 anos de lutas fundamentais dos trabalhadores que conquistaram a redução da jornada de trabalho nos anos 40, que mantiveram a Petrobrás como patrimônio do povo brasileiro, que permitiu às mulheres participarem da vida política nacional, que frearam as diversas tentativas de venda da nossa educação, que permitiu a liberdade de crença e religião, enfim, inúmeras conquistas ao longo destes 91 anos de PCB.