imagem Paço imperial/divulgação
Reproduzimos entrevista de Oscar Niemeyer ao site Viomundo, com trechos do texto de Silvio Cioffi, que recolheu depoimentos de Oscar Niemeyer.
Construção de Brasília
Quando cheguei lá no fim do mundo, a terra era agreste, hostil, não tinha árvore, não tinha nada. Na época, o divertimento era a Cidade Livre. Tomávamos caipirinha, ríamos. Todos trabalhando juntos — operários, engenheiros, arquitetos –, dava a sensação de que o mundo seria melhor. Quando inaugurou, veio a muralha separando pobres e ricos — e Brasília passou a ser uma
cidade como as outras. Por quatro anos andamos na estrada que estavam construindo. Pegávamos o carro a qualquer hora. Tive um desastre, fiquei um mês machucado e quase morri. O avião que ia para Brasília levava três horas. Na primeira viagem do Juscelino, fui junto. Lembro de sentar ao lado do Lott [general Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra de Kubitschek]. Ele disse: “Dr. Niemeyer, o senhor vai projetar prédios bem clássicos para nós, não é?”. Eu respondi: “General, o senhor, na guerra, prefere arma clássica ou moderna?”.
Beleza e praticidade
Acho que o prédio deve ser correto. Mas para chegar a ser uma obra de arte, ele tem de ser bonito. E, para ser bonito, tem de ser diferente, porque arte está ligada à invenção. Agora, às vezes querem criticar e dizem: “É, é bonito, mas não funciona bem”. A gente sabe que é a mediocridade querendo se defender. Hoje a gente não pode dizer que o Memorial [da América Latina] é ruim. Dizem: “A praça podia ter árvores”. É por sacanagem, porque sabem que na França, na Itália tem praças sem nada. O povo não se informa e se deixa levar pela ideia de que parece estacionamento. Se fosse assim, praças da Europa também poderiam ser estacionamento. É o abrigo do homem. Serve para ele trabalhar, viver. A ideia é fazer algo bonito. Beleza sempre cercou o homem. Nosso ancestral mais antigo pintava as cavernas. A leveza é encontrada em qualquer objeto, não é uma coisa que eu inventei. A ideia é simplificar, reduzir. Na arquitetura é isso também.
Arquitetura soviética
Estive na União Soviética no stalinismo. Quando ia sair da cidade [Moscou], a direção da escola de arquitetura me perguntou: “Que acha da arquitetura soviética?”. Eu disse: “Estou com vocês na política, mas, nesse ponto, não tenho argumentos para defender o que fazem”.
Luiz Carlos Prestes
Eu o conheci quando acomodei no escritório uns 15 comunistas que tinham saído da prisão. Eu o conheci e, 15 dias depois, entreguei a minha casa para ele e disse: “Fique com a casa, que seu trabalho é mais importante”. Às vezes, um cliente reacionário telefonava, e eu respondia: Partido Comunista Brasileiro. O sujeito tomava um susto.
Comunismo
Sou comunista, nunca achei que tivesse acabado. É uma ideia justa, estou velho demais para mudar de ideia. O que ocorreu na União Soviética em 70 anos foi uma evolução fantástica. Transformaram um país de mujiques em potência mundial. Eles foram à Lua, ajudaram todos os povos em libertação. Apoiaram todos os partidos políticos. Impediram que Cuba fosse invadida. Eles não se preocuparam economicamente, e a coisa falhou.
Crise do socialismo
O que eu penso é que o ser humano não estava preparado. Quando a gente fala em uma sociedade melhor, justa, em que todos se compreendem, tudo pede que o ser humano esteja disposto. Cuba, por exemplo, está cercada, é o cerco mais horrível da história, e o povo está lá resistindo. É porque eles seguem o exemplo de Fidel. Uma mudança para melhor vai acontecer quando o homem compreender que é fruto da natureza. Que é um bicho, que nasce e morre. Quando eu faço um projeto, fico quebrando a cabeça e procuro lutar por ele, mas, no fundo, quando fico sozinho, sei que não tem importância. Como essa conversa agora: aqui, um dia, não vai ter mais ninguém também. Penso que tanto faz ser feliz ou infeliz, a vida é um sopro, um minuto.