Neste breve artigo, Flavio Henrique Beraldo de Paiva retrata biografia e obra do poeta comunista chileno Pablo Neruda. Confira abaixo.
Pablo Neruda nasceu em Parral, Chile e foi um dos maiores poetas líricos da América Latina. Seu trabalho poético – cuja influência foi comparada à exercida por Rubén Dário – começa numa linha modernista. Seu primeiro livro importante, VINTE POEMAS DE AMOR E UMA CANÇÃO DESESPERADA, é uma autobiografia sentimental cheia de acentos neo-românticos, de melancolia e de paixão: “Sou o desesperado, a palavra sem eco, aquele que perdeu tudo e o que tudo teve”. Mais tarde cria um estilo pessoal, cheio de imagens e de palavras ardentes. Assim consegue uma poesia com ressonâncias surrealistas, mas elevada em tons épicos, em que canta a geografia, a vegetação e a fome da América pura e intacta, anterior ao descobrimento e à conquista (Canto Geral). Finalmente escreve em linguagem direta e afável, falando de coisas quotidianas e de objetos simples: o azeite, a cebola, a alegria, a pobreza (ODES ELEMENTARES). Em sua “Ode à alegria”, diz o próprio poeta: “…porque aprendi lutando que é meu dever terrestre propagar a alegria. E cumpro meu destino com meu canto”. Foi cônsul do Chile no Extreme Oriente, na Espanha e no México; em 1971 recebeu o Prêmio Nobel de literatura.
Em Neruda vida e poesia se coadunam e se entrelaçam, ultrapassando os limites da própria inspiração poética e há de tudo um pouco: desde os versos amorosos da juventude em “Veinte Poemas de Amor”, à maturidade tenra, sensual, melancólica e apaixonante de “Los Versos del Capitan” (1952), à imersa depressão do autor em solidão, num mundo de subterrânea escuridão e forças demoníacas de “Residência en La Tierra” (1925-31), até à poesia épica melhor representada em “Canto General” (1950), onde tenta reinterpretar o passado e o presente da América Latina, a luta de seu povo oprimido e subjugado nos seus ideais de libertação. Por sua inspiração político-social e por seu amor a seu povo, Neruda era frequentemente referido como “o poeta da humanidade escravizada”. Neste livro, “Canto General”, um monumental trabalho poético reunindo 340 poemas, o poeta recria a história da América Latina sob a ótica da dialética materialista do marxismo-leninismo, refletindo como tema central a luta das classes desfavorecidas por justiça social, onde mostra ainda profundo conhecimento da história, geografia e da política latino-americana, vendo no trabalho a força motriz da história.
Desde cedo, sua vida política significou para ele um meio de sobrevivência, uma alternativa viável aos difíceis primeiros anos de poesia. Apesar de ter obtido fama e popularidade como poeta, não teria sobrevivido apenas escrevendo.
Desta forma, após servir como cônsul em Rangoon, capital de Burma, Ásia, continuou seus trabalhos consulares em Buenos Aires e Madrid, onde se simpatizou com o povo espanhol, que impunha resistência aos republicanos, por serem de alguma forma apoiados por Hitler e Mussolini. Sua lealdade a este povo, no entanto, o levou a ser removido de Madrid a Paris, onde o poeta deu seu apoio a que 2000 refugiados espanhóis alcançassem o Chile. Muito de sua poesia reflete sua simpatia pelo povo que lutou contra o fascismo e perdeu. Com a invasão alemã à Polônia em 1940, Neruda foi apontado cônsul geral do México, onde continuou sua luta por justiça social.
A partir de então, o poeta vive e viaja por diversos países. Ao cumprir 60 anos, em 1964, Neruda escreve outra de suas obras cruciais: os cinco volumes de “MEMORIAL DE ISLA NEGRA”. Seu envolvimento com a política de seu país, então, o alçou à proclamação como pré-candidato à presidência da república, mas renunciou logo em seguida, para dar suporte à campanha de Salvador Allende à presidência do Chile.
Com seu amigo Allende na presidência, veio a indicação do poeta à embaixada chilena em Paris (1970-72), quando o Chile teve como presidente o primeiro socialista eleito democraticamente em toda a história mundial, em uma sociedade polarizada, numa situação crítica de complexa coalizão em que os Estados Unidos estavam seriamente empenhados em reverter os projetos presidenciais allendistas de construir o caminho chileno ao socialismo. O Chile entra, então, no ponto mais crítico de sua histórica experiência política em 1972, ano em que Neruda deixa a embaixada na França e retorna ao país, doente, um ano antes do golpe militar de setembro de 1973.
O país enfrentava cerrada oposição de diferentes grupos de interesses na sociedade, do exército e notadamente dos Estados Unidos. Em meio à crise que se aprofundava, motivada basicamente pela reposição da estrutura econômica vigente, especialmente pela nacionalização do setor industrial e por uma efetiva reforma agrária, segurança social, aumentos salariais que relegavam lucros – que de alguma forma achatavam o setor privado, aumentava ainda mais a popularidade do governo. A partir do projeto de nacionalizações (o que feriu profundamente o interesse de companhias multinacionais americanas no Chile), outras medidas foram tomadas por Allende, dando à Unidade Popular – UP (a coalizão de esquerda formada por comunistas, socialistas, pelo Partido Radical, pelo MAPU – Movimiento de Action Popular Unitário – e outros dois partidos menores – dentre eles o MIR, tendo Allende, do Partido Socialista, como seu candidato) fortalecimento e respaldo para a realização das reformas então implementadas.
As nacionalizações, de qualquer forma, provocaram o escalar dos planos americanos de desestabilização da economia chilena, coordenados pela administração Nixon e por Henry Kissinger e executados pela CIA e pelos militares da oposição ao regime chileno. Na ocasião, Kissinger desabafou contra o Chile: “Eu não vejo porque nós precisamos nos estancar e olhar um país se tornar comunista devido à irresponsabilidade de seu próprio povo”. Neruda condenou a administração Nixon e a Guerra do Vietnã e, devido aos seus veementes protestos, tornou-se um guia aos desalentados jovens americanos dos anos 50 e 60, que procuravam por uma ressonante, forte e ativa voz de oposição.
Durante todo o ano de 1972, a crise se acentuava a passos largos, com os grupos políticos se articulando à sua maneira, precipitando um cada vez maior conflito de classes, provocando greves, ocupações e controles sindicais. Em 1973 se aprofundou a polarização das classes e, apesar de todo o conflito, a UP se fortalecia nas eleições ao Congresso, alcançando de 36 a 44 por cento dos votos, causando o endurecimento das táticas da oposição, precipitando ainda mais greves, o que levou a um pequeno golpe de extrema direita (em 19 de junho de 1973), apoiado por uma facção fascista da oposição.
Mas um suporte ideológico sem dúvida alguma substancial serviu para fortalecer e manter viva a crescente consolidação das facções ligadas à UP e um dos responsáveis, como força ideológica do movimento, sem dúvida, foi Pablo Neruda, que mesmo antes de seu regresso ao país, agindo como embaixador na França, continuava a falar e a escrever com a mesma intensidade e ressonância dos anos em que fora lançado ao exílio. Ao retornar ao Chile, um ano antes do fatídico golpe de setembro, Neruda estava enfermo, com câncer, recolheu-se à sua residência na Isla Negra e lá permaneceu. Nada poderia removê-lo de seu país.
O golpe militar do dia 19 de junho se frustrou, mas foi prenúncio do que viria a ocorrer em 11 de Setembro de 1973, quando um violento golpe militar derrubou o governo de Salvador Allende, pondo fim aos seus mais altos ideais socialistas.
Após o golpe, a Junta Militar em poder no Chile inicia a “caça às bruxas” da oposição ao regime que então se instalara, iniciando-se no país a mais dramática e horrenda retaliação contra os supostamente declarados inimigos ideológicos e políticos do militarismo. Muitos foram sumariamente assassinados, outros foram torturados à morte, outros atirados em alto mar, outros fugiram da opressão exilando-se no país vizinho. Parte dos cidadãos chilenos se viram às voltas de seu mais negro pesadelo político até então reportado pela história de um país. Até mesmo no Brasil, meses após o golpe, tivemos oportunidade de dar apoio a exilados que entraram ilegalmente no país, pois não havia tempo para uma requisição legal. Lembro-me que, na ocasião, como estudante no Rio de Janeiro, tivemos contato com o presidente do Movimento de Isquierda Revolucionária, MIR., extinto após o golpe, Manuel Spec Medina, filho do ex-vice presidente de Allende, a quem demos refúgio por algum tempo em minha residência no interior do Estado. O que mais me recordo enquanto estivemos juntos, foi sua característica mudez e o olhar de expectativa vislumbrando um futuro não muito remoto em que sua voz retomaria o clamor que precedera ao golpe.
Como a voz do poeta, Pablo Neruda, emudecida por sua morte no dia 23 de setembro de 73, na Isla Negra , vítima de ataque cardíaco. Morria um regime e morria um grande poeta. Havia uma grande desolação na alma do povo chileno, tanto para os que ficaram oprimidos no país, quanto para os que se exilaram. Na verdade a leucemia já o havia debilitado sensivelmente, mas o coração do poeta se enfraquecera ainda mais ante o que seus olhos viram no Chile que ele amou profundamente. Uma narrativa popular acerca de sua morte conta-nos que os militares foram culpados de negligência, por retardarem o envio de uma ambulância à isolada residência do poeta, com efeito, deixando-o padecer até à morte sem assistência, numa evidência de que Neruda fora de fato um seu inimigo.
O poeta, no entanto, fora considerado um herói político e inspirador das aspirações da alma do povo chileno e é frequentemente visto como um visionário naquilo que falou, naquilo que escreveu e naquilo que protestou e amou. Quatro tendências básicas correspondem a quatro características de sua personalidade: sua amante e apaixonada vida; os pesadelos e depressões que experimentou durante o tempo em que serviu como cônsul na Ásia, marcando-o profundamente; seu comprometimento com as causas políticas; e sua sempre presente atenção aos detalhes da vida diária, seu amor por coisas feitas ou cultivadas pelas mãos humanas, o que refletia seu interesse profundo pela vida humana. Além disso, uma grande paixão foi seu amor por seu país, o Chile.