Reproduzimos, a seguir, resenha de Fábio Py Murta de Almeida publicada na revista Caros Amigos sobre o novo livro de Michael Löwy, A teoria da revolução no jovem Marx.
Michael Lowy analisa em livro a evolução do pensamento de Marx
Obra refaz o caminho e as opções de Marx até chegar ao comunismo
O livro “A teoria da Revolução no jovem Marx”, de Michael Löwy, diretor emérito do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS-França), em Paris, tem forma densa e precisa, mérito do autor que onera anos de atividade profissional dedicada à análise social e dos movimentos sociais. Por sua opção metodológica apresenta a Europa do século XIX tendo em vista a vida de Marx pela sociologia da cultura. Para tanto, busca relacionar a obra marxiana com o movimento operário na época, mostrando que a teoria da revolução no jovem Marx era uma formulação a partir das experiências do cenário europeu, amarrando assim sua tese da relação entre o intelectual Karl Marx e a classe que representava. Para enfrentá-la faz escolha pela teoria goldmanniana, no sentido de procurar conectar classes sociais, ideologia e cultura a seu tempo segundo escreve.
Comunismo
A fim de trabalhar o jovem Marx, Michael Löwy introduz historicamente as palavras, diante do pano de fundo da própria ideologia marxista entre 1830-1948. Pensadores e pensamentos são suas preocupações: desde o hegelianismo de esquerda até o socialismo e seus adeptos. Percebe como o termo revolucionário se fazia presente no tempo de Marx, o comunismo e a auto-emancipação do proletariado. Ao deter-se aos momentos de 1842-1844, a produção (primeira) de Marx na “Gazeta Renana”, ligada ao hegelianismo de esquerda, que o levam a enveredar na política; antes disso, Marx trabalhava com jurisprudência. A partir desse momento o autor passa a detalhar a passagem de Marx do hegelianismo de esquerda para o comunismo, um processo lento, gradual, porém, conciso. Pelos trabalhos dele na Gazeta Renana dão mostras disso, quando critica o Estado e os proprietários privados pela situação de sofrimento dos camponeses passíveis de penúria, carências e sofrimento.
Ruptura com a Burguesia
No ano de 1842 o autor aponta um Marx ignorante sobre comunismo mostrando isso quando publica uma biografia intelectual. Já, o ano de 1843 é fundamental, pois ocorre a “sua ruptura com a burguesia liberal no início de 1843 e essa descoberta do proletariado no início de 1844, Marx passou por um período de transição, ‘democrático-humanista’, fase de desorientação ideológica e tateamento que levara ao comunismo” (p.72). Levando-o à escrita da “Crítica à Filosofia do Estado de Hegel”, por querer uma “verdadeira democracia”, não ligada à propriedade privada. Além disso, escreve cartas a Ruge, desenvolvendo ideias até a adesão ao comunismo, caracterizada por ele como: “o comunismo de massas” (p.85).
Depois o autor se preocupa com o tempo de 1844 a 1846, quando Marx anuncia a relação do socialismo e o movimento operário. Nesse momento, Marx se relaciona com ligas e sociedades operárias secretas francesas estudando o ideólogo do período Buonarroti e sua: “Conspiração para igualdade” que pensava na: 1) a tomada do poder pela conspiração de uma sociedade secreta; 2) na necessidade de uma ditadura revolucionária depois da insurreição; 3) e na aspiração de uma revolução igualitária que suprimia a propriedade privada. Marx também estudou na época a obra de Dezamy, citada por ele em sua “Sagrada Família” de preocupações com uma sociedade proletária. Destaca-se também o vínculo de Marx com a Liga dos Justos, com contato em abril-maio de 1844, formada por artesãos alemães.
Ligas
Importante o destaque que o contexto é responsável por Marx enveredar no comunismo alemão, a partir do qual as Ligas, na figura de Wilhelm Weitling, eram as vanguardas das tendências ideológicas do artesanato proletarizado com suas obras. Weitling seria o “intelectual orgânico” do movimento como diria Antônio Gramsci. Na própria Alemanha ocorreu a insurreição dos tecelões de junho de 1844 na Silésia. Esse foi para o autor, o momento catalizador de reviravolta teórico-prática em Marx, como escreve, a insurreição foi: “contra os burgueses e não contra as máquinas que o levante ocorreu” (p.188).
Nesse sentido, entre 1844 e 1846, produz sua teoria da revolução esboçada em seu: “Manuscritos Econômico-Filosóficos” de 1844, quando admite que o proletariado é uma classe alienada e que o oposto do comunismo grosseiro é o comunismo filosófico.
Já, na obra “A Sagrada Família” (primeira obra comum de Marx e Engels de 1844), opõe a Bauer, propondo um “comunismo de massa” por meio do processo histórico concreto projetando um comunismo materialista e o socialismo crítico. Na próxima obra as “Teses sobre Feuerbach”, é a primeira obra prontamente marxista de Marx, sendo o primeiro texto que expõe o pensamento da filosofia práxis, em três níveis: epistemológico, antropológico e político; visando superar apenas análise, mas faz em função “de entre do pensamento e ação, unidade dialética, crítico-prática revolucionária” (p.149). A obra “Ideologia Alemã” escrita entre setembro de 1845 e 1846, é outra conjunta de Marx e Engels, sendo o ponto de chegada e da evolução dos pensamentos de Marx desde 1842. Nela, critica os ideólogos alemães e sua própria caminhada intelectual, mostrando suas mudanças, rejeitando a ideia de revolução apenas filosófica, citando pela primeira vez o termo “partido comunista”.
Marx e Engels
Pontualmente entre 1846-1848 o autor relaciona a atividade de Marx e Engels junto ao movimento operário e operando na querela do partido comunista. Isso ocorre a partir do momento que para o autor “as Teses sobre Feuerbach e do essencial da A ideologia alemã: é somente a partir desse momento que eles veem claramente neles mesmos, chegam a uma visão de conjunto coerente” (p.159). Assim, funda-se o Comitê de Correspondência Comunista em Bruxelas, em 1846, sendo o primeiro partido marxista; marcando rachas, diferenças e verossimilhanças entre os comunistas europeus e os cartistas. Também, destaca o ano de 1847, quando surge a Liga dos Comunistas que visavam: primeiro, “superar a contradição entre os limites nacionais do comunismo alemão e o carácter internacional da luta proletária”; segundo, “superar outra contradição típica do movimento operário dos anos 1840: a contradição entre as sociedades revolucionárias conspiradoras e as organizações de propaganda pacífica”; em terceiro, “a divisão do socialismo alemão entre os partidos políticos e as seitas artesanais limitadas” (p.175). Para tanto, “partido político de Marx não é um herdeiro do salvador supremo burguês e utopista; ele é a vanguarda do proletariado que luta para se emancipar, é o instrumento da tomada da consciência e da ação revolucionária das massas” (p.179). Para Löwy, em cima de dois temas de “Miséria de Filosofia” (a constituição do partido operário e o papel dos escritores comunistas), são retomados no “Manifesto do Partido Comunista” dando passos adiante do texto de “Miséria de Filosofia”. Pois, é fundamental a percepção de que Marx participava da Liga dos Comunistas e para esse partido escreve o “Manifesto do Partido Comunista”, sendo um partido comunista e do operário, e “são considerados operários pelo Manifesto Comunista” (p.187).
Teoria da Revolução
Após 1848, a teoria da revolução permeia sua obra desse ano até a sua morte (em 1883). O professor do CNRS sinaliza apontamentos posteriores da carreira de Marx: no âmago de sua mensagem em 1850, no Comitê Central da Liga Comunista percebendo que era preciso tornar a revolução permanente até a tomada do poder pelo proletariado; também, o conflito de Marx e Lasalle, este último acreditando que o socialismo seria “vindo de cima pelas graças de um salvador, contra a teoria marxista da revolução autoemancipadora” (p.194), vinculando-se em momentos à filosofia de Hegel. Para Marx, o que Lasalle propunha era um socialismo da monarquia prussiana. Outra atividade de Marx foi a Primeira Internacional Comunista, a Comuna de Paris e o vínculo de Marx e Engels com o partido social-democrático alemão entre 1875-1883 – o qual eles ajudaram a fundar buscando “uma luta política vigorosa e intransigente contra tendências oportunistas, reformistas e pequeno-burguesas” (p.203). Por fim, ali, Marx produz cartas, debates e artigos contra os “homens de uma evolução pacífica que esperavam a emancipação proletária propriamente dita apenas dos burgueses cultivados, isto é de seus semelhantes” (p.207).
Jornada de Trabalho
O métrico livro “A teoria da Revolução no jovem Marx” encerra com apêndice sobre a jornada de trabalho, retirada do “Capital I, volume VIII”. De maneira geral, com conhecimento da História Moderna europeia se confluiu na formação do jovem Marx e na sua composição de sua teoria revolucionária. O livro é um convite para os estudos da História da Europa e da gênese do marxismo. Por isso, indicamos que, caso os leitores queiram aprofundar os apontamentos apresentados pelo autor, vale a pena aferir a organização do autor Revoluções, e também o título de Leandro Konder, Em torno de Marx.
Enfim, fica a admiração pelo esforço de Michael Löwy de num texto de médio porte (isto é, 218 páginas), com tema complicado, mas que consegue levantar uma riqueza de detalhes e publicações sobre o “bom” Marx. Faz isso sem deixar de apresentar questões que levaram à formação do jovem Marx na teoria revolucionária e ao engajamento político do mesmo. Ao mesmo tempo, o autor faz uma aproximação da disciplina de formação das ideias socialistas desde as atividades de Marx na Gazeta Renana, passando partidarismo e o ponto final no comunismo marxista. Portanto, fazendo uso dos livros, artigos, cartas e debates, o autor mapeia o desenvolvimento intelectual de Marx, ajudando assim a popularizar suas ideias no Brasil. É de urgência que editoras se preocupem em produzir livros desse tipo, sendo relevantes para o nicho da formação de alunos de Ciências Humanas, voltamos o apelo de que haja uma maior sistêmica de produção de livros e materiais mais densos que possam tanto introduzir quanto ajudar no desenvolvimento do marxismo no país.