Reproduzimos a seguir matéria do Jornal do Commercio, escrita pela jornalista Fabiana Moraes e intitulada Recordações do tempo que Jaboatão era a nossa Moscouzinho, sobre lançamento de livro que conta a trajetória dos comunistas em Jaboatão dos Guararapes (PE).
“Moscouzinho, a cerca de 15 quilômetros de Recife, está a uma distância não calculável daqueles que, de longe, a observam como marco afetivo-geográfico. Moscouzinho, bagunçada, calorenta e habitada por gente morena, é uma ideia do que foi, vulto do que poderia ter sido, é um livro vermelho-terra repleto de imagens que misturam memória, futuro, começo, fim, amor, partida, alguma prestação de contas com quem se foi. Moscouzinho, como Jaboatão dos Guararapes ficou conhecida na década de 40 depois de eleger o primeiro prefeito comunista do Brasil (Manuel Calheiros, da aliança PSD/PCB), ganhou a leitura particular e emocionante do fotógrafo Gilvan Barreto, que lança nesta quinta (18), às 19h, na Livraria Cultura, a publicação na qual homenageia o pai, a mãe, a própria história, o anel do ABC escondido em uma das gavetas da família.
Gilvan nasceu na Jaboatão-Moscou onde o pai do qual herdou o nome fazia uma política distinta: graça, humanismo, piadas, olho dedicado a quem estava ao redor, pouca atenção a protocolos e tecnicismos. Há alguns anos, Gilvan pai se foi. O fotógrafo, que há anos mora do Rio de Janeiro, decidiu voltar para casa, a casa que ele há 39 anos construiu na sua cabeça, a casa que ele deixou a quilômetros de distância. Quando chegou lá, percebeu que ela não existia, ou melhor, que era ruína, restavam apenas o piso, uma sombrinha quebrada, uma mala, um espelho coberto com um tecido roxo.
Nesse processo, foi a vez de Thereza, a mãe, partir. Gilvan enlutou-se mais uma vez. Mas não deixou, em nenhum momento, o livro fechar. Conseguiu centenas de notas de pesos cubanos, a cédula vermelha que traz a imagem de Che. O artista Lourival Cuquinha confeccionou com elas a bandeira da República de Moscouzinho, vista tremulando no livro. Gilvan não se preocupou em contar a história de uma cidade real-imaginária: depois das perdas pessoais, não havia sentido tentar mostrar que Pernambuco teve sua pequena Rússia, o que era essa cidade que (quase) nunca existiu: “no final, a história era minha”.
Registrou máquinas de escrever, camas no meio do nada, cartazes e documentos pesquisados no Departamento de Ordem Social e Política (Dops). Usou vários tipos de câmera (plástico, pinhole). “Eu não queria o bem acabado do digital, queria um livro velho, o contrário de um livro de fotografia”, diz. Conseguiu: a publicação, como ele mesmo descreve, é uma caixa de guardar segredos, coisas preciosas, uma caixa em que não há a exuberância de fotos grandiosas, e sim um caminho de volta, silencioso.
Ele é “interrompido” apenas pelos textos de Diógenes Moura (curador da Pinacoteca de São Paulo, coeditor das imagens de Moscouzinho), Fred 04 e Xico Sá (que estará, ao lado da jornalista Adriana Dória, presente na conversa que integra o lançamento nesta quinta, às 19h).”