A Bancada do PCB em Pernambuco para a Assembléia Constituinte de 1946 era formada por três dos quatro parlamentares eleitos pelo partido na Região Nordeste: Agostinho de Oliveira, destacado organizador do Partidão durante o Estado Novo; o médico Alcedo Coutinho, considerado o membro mais moderado da bancada comunista; e Gregório Bezerra. A seguir conhecemos a atuaçãos deles como deputados federais, em texto extraído da obra Quem foi quem na Assembléia Constituinte de 1946: um perfil socioeconômico e regional, de Sérgio Soares Braga.
AGOSTINHO DIAS DE OLIVEIRA
DADOS PESSOAIS E FAMILIARES
Nascimento: 28 de agosto de 1903, sem informação sobre a cidade, PE.
Falecimento: 1966.
Profissão: Ferroviário e operário mecânico.
CARREIRA (OU TRAJETÓRIA) PROFISSIONAL
Ainda adolescente, começou a trabalhar na Usina Santa Rita, PE (1919). Empregado nas obras do Porto de Cabedelo, PB (1921-1923). Trabalhou na montagem da Fábrica de Tecidos de Rio Pinto e nas obras do Porto de Recife, PE (1923-1926).
Caldeireiro na Great Western (1926), iniciando então sua longa militância política. Durante o Estado Novo, trabalhou como ajustador mecânico na Ford (1941-1943).
TRAJETÓRIA POLÍTICA
Ingressou no PCB (1929). Um dos organizadores do Socorro Vermelho, em Pernambuco, motivo pelo qual foi preso pela primeira vez (1932). Candidato derrotado a Deputado Federal (1934). Dirigente e membro da Comissão de Finanças da ANL em Pernambuco, tendo sido preso por diversas vezes em razão de sua atuação no movimento (1935). Novamente preso após a repressão que se seguiu à malograda tentativa de insurreição promovida pelo PCB (1936-1937).
Durante o Estado Novo, foi preso político (1937); deportado para o Pará (1937-1938); novamente detido (1940-1941), conseguiu fugir da prisão, após o que atuou clandestinamente em vários Estados; eleito membro da Direção Nacional do PCB na Conferência da Mantiqueira, embora não tenha podido comparecer pessoalmente ao encontro (agosto de 1943); reorganizou clandestinamente o PCB no Rio Grande do Sul (1944-1945).
No contexto da redemocratização, tornou-se membro da Comissão Executiva do Comitê Central do PCB (1945). Primeira legislatura.
LIGAÇÕES COM ASSOCIAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS
Ainda funcionário da Great Western, participou de movimento reivindicatório dos ferroviários, sendo eleito Delegado da União Geral dos Ferroviários e Diretor da União Geral dos Trabalhadores de Pernambuco (1927). Delegado ao I Congresso de Luta Contra a Guerra, a Reação e o Fascismo no Rio de Janeiro, DF (1934). Militou na ANL em Pernambuco (1935). Durante o Estado Novo, quando de sua deportação no Pará, foi Delegado do Sindicato dos Metalúrgicos de Belém junto à União Geral dos Proletários de Belém (1938-1939).
ATIVIDADE IDEOLÓGICA OU TEÓRICA
Como dirigente comunista e militante em organizações sindicais, colaborou em inúmeros jornais ligados à defesa dos interesses das massas trabalhadoras.
ATUAÇÃO CONSTITUINTE
Foi membro da Comissão de Inquérito da Campanha da Borracha. Concentrou sua atuação na defesa dos interesses das classes trabalhadoras, tendo ocupado a tribuna várias vezes para apoiar reivindicações de diversas categorias de trabalhadores e denunciar violências e arbitrariedades cometidas pela Polícia Política contra o movimento popular.
Logo no início dos trabalhos constituintes, destacou-se por ter sido o primeiro parlamentar a enviar à Mesa da Assembléia um requerimento solicitando a imediata formação de uma comissão para elaborar um anteprojeto de Regimento Interno com o objetivo de afirmar a soberania da Constituinte (I, 47).
Também tomou a palavra para proferir discurso sobre “o direito de greve” (V, 296-299), no qual protestou energicamente contra decreto-lei baixado pelo governo Dutra, restringindo o direito de greve, tendo ainda realizado vários pronunciamentos denunciando violências policiais contra o movimento popular (IX, 329; XVIII, 342; XIX, 330 etc.) e/ou apoiando reivindicações dos trabalhadores (X, 409; XIX, 394 etc.).
Além disso, manifestou-se favorável à industrialização da Amazônia e à realização de uma reforma agrária na região, à concessão do direito de voto aos sargentos, soldados e analfabetos, tendo sido ainda contrário à invocação da “proteção de Deus” no preâmbulo da Constituição.
Apresentou 5 emendas ao Projeto de Constituição. Destacam-se as de nº 2.813 (rejeitada; XXIII, 160), transferindo da Presidência da República para a Câmara dos Deputados a prerrogativa de nomear Interventores Federais nos Estados; nº 3.174-A, estipulando que “a lei facilitará a fixação do homem no campo, tomando as medidas necessárias para o fracionamento dos latifúndios” e para o desenvolvimento da pequena propriedade (XVI, 66); e a de nº 3.207 (rejeitada; XXIII, 219), propondo a extensão dos preceitos da legislação trabalhista aos trabalhadores do campo.
ALCEDO DE MORAIS COUTINHO
DADOS PESSOAIS E FAMILIARES
Nascimento: 21 de março de 1906, Nazaré da Mata, PE.
Falecimento: Sem informação.
Profissão: Médico.
CARREIRA (OU TRAJETÓRIA) PROFISSIONAL
Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, DF, após o que exerceu a profissão de médico, em Recife, PE (sem data). Primeiro-Assistente do Hospital Pedro II e da Faculdade de Medicina de Recife (1935). Cirurgião do Pronto-Socorro de Recife (1935).
TRAJETÓRIA POLÍTICA
Participou do movimento tenentista em Pernambuco, na década de 1920. Tomou parte na Revolução de 30, participando da marcha das forças revolucionárias no Estado da Bahia.
Participou da ANL e do levante comunista em Recife, PE (1935), sendo preso logo em seguida (1935-1937). Durante o Estado Novo, após ser solto através de “habeas corpus”, foi deportado para o Rio de Janeiro, onde retomou sua militância clandestina no PCB (1937). Primeira legislatura.
LIGAÇÕES COM ASSOCIAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS
Durante o Estado Novo, participou ativamente do movimento em prol da entrada do Brasil na II Guerra Mundial (1942) e atuou clandestinamente no movimento sindical.
ATIVIDADE IDEOLÓGICA OU TEÓRICA
Sem informação.
ATUAÇÃO CONSTITUINTE
Eleito 1º Suplente de Deputado, assumiu o mandato desde o início dos trabalhos constituintes, no lugar do Senador Luís Carlos Prestes (PCB/PE), também eleito Deputado pelo Estado de Pernambuco.
Foi membro da Comissão de Investigação Econômica e Social, na qual apresentou relatório sobre problema sanitário no Brasil, que teve grande repercussão durante os trabalhos constituintes.
Em plenário, concentrou sua atuação na abordagem de questões referentes aos problemas da saúde pública e da autonomia municipal. Assim, proferiu discurso sobre as endemias e parasitoses que assolam o interior do País (XI, 356-365), no qual atribuiu às péssimas condições sanitárias da população trabalhadora e “ao nosso arcaico e anti-social conceito de propriedade privada” as causas do elevado índice de endemias e parasitoses na população rural, preconizando uma reforma agrária que liquidasse os latifúndios improdutivos e uma série de medidas governamentais objetivando a melhoria das condições de vida e de saúde do povo brasileiro.
Também ocupou a tribuna para denunciar violências policiais contra o movimento grevista (IX, 183), e para manifestar-se a favor das eleições diretas para Prefeitos das capitais e do Distrito Federal, da representação proporcional que favorecesse os Estados mais industrializados e da nacionalização das empresas estrangeiras concessionárias de serviço público, em geral, e da Light, em particular, tendo sido ainda contrário à invocação da “proteção de Deus” no preâmbulo da Carta Constitucional.
Apresentou 15 emendas ao Projeto de Constituição. Destacam-se as de nº 2.847 (rejeitada; XXII, 132), suprimindo dispositivo que possibilitava a isenção tributária às empresas concessionárias de serviço público; nº 2.890 (aprovada; XXI, 132) determinando a transferência para os Municípios de 10% do total do imposto de renda arrecadado pela União; nº 2.949 (rejeitada; XXI, 349), transferindo para os Municípios a cobrança do imposto territorial; nº 2.968, determinando a substituição progressiva dos impostos indiretos pelos diretos na política tributária do País; nº 2.985 (rejeitada; XXIV, 209), reservando um terço da verba destinada às obras do vale do rio São Francisco para a distribuição de terras em pequenos lotes ao camponês sem terra; e a de nº 3.056, contrária à obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas.
GREGÓRIO LOURENÇO DE BEZERRA
DADOS PESSOAIS E FAMILIARES
Nascimento: 13 de março de 1900, Panelas de Miranda, PE.
Filho de Lourenço Bezerra e de Belarmina Conceição, camponeses pobres no sertão pernambucano. Irmão de José Lourenço Bezerra, militante político morto em conseqüências das torturas que sofreu na prisão durante o governo de Lima Cavalcanti, em Pernambuco (1936).
Falecimento: 21 de outubro de 1983.
Profissão: Camponês pobre e militar.
CARREIRA (OU TRAJETÓRIA) PROFISSIONAL
Começou a trabalhar aos quatro anos de idade para ajudar a família no interior pernambucano (1904). Ocupou uma série de empregos temporários até trabalhar na construção civil (1917). Soldado do Exército, serviu no 21º BC, em Recife, e na 1ª Companhia de Carros de Assalto, no Rio de Janeiro (1922-1924).
Cursou a Escola de Sargentos de Infantaria, tornando-se Sargento-Instrutor na 9ª Companhia do 2º Batalhão de Infantaria no Distrito Federal (1924-1927). Serve no 21º BC, em Recife, PE (1927) e no 28º BC, em Aracaju, SE (1928). Instrutor de Educação Física do Colégio Militar de Fortaleza (1931). Instrutor do CPOR — Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva, de Recife (1935).
TRAJETÓRIA POLÍTICA
Preso pela primeira vez em razão de ter participado de uma passeata dos operários da construção civil em Recife (1917-1922). Filiou-se ao PCB (1930). Participou dos combates da Revolução de 30, em Juiz de Fora, MG (1930). Durante a década de 30, desenvolveu intensa militância clandestina no meio militar, organizando células comunistas no Exército. Participou ativamente da organização da ANL e dos combates militares decorrentes da insurreição organizada pelo PCB, em Recife (1935). Preso político, tendo sido severamente torturado na prisão (1935-1937). Durante o Estado Novo, permaneceu no cárcere, primeiramente na Casa de Detenção, em Recife (1937-1939), sendo, em seguida, transferido para Fernando de Noronha (1939-1942) e Ilha Grande, RJ (1942-1945). No contexto da redemocratização, após ser anistiado, desenvolveu intensa militância comunista em Pernambuco, tornando-se uma das lideranças comunistas mais temidas pelas forças conservadoras de seu estado e mais prestigiadas pelas massas trabalhadoras pernambucanas (1945). Primeira legislatura.
LIGAÇÕES COM ASSOCIAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS
Um dos mais destacados e combativos líderes rurais do Estado de Pernambuco, exerceu intenso trabalho de agitação e propaganda das idéias de seu partido nas massas trabalhadoras de Pernambuco.
ATIVIDADE IDEOLÓGICA OU TEÓRICA
Ao longo de sua trajetória propagou ativamente os valores comunistas no seio de várias categorias de trabalhadores e das Forças Armadas, sendo por isso impiedosamente perseguido pelos agrupamentos dominantes de seu estado.
ATUAÇÃO CONSTITUINTE
Um dos mais ativos defensores dos interesses das massas exploradas em plenário, concentrou sua atuação na defesa da concessão do direito de voto aos soldados, sargentos e analfabetos, tendo também ocupado a tribuna várias vezes para denunciar violências policiais e arbitrariedades cometidas contra o movimento popular e para apoiar reivindicações de diversas categorias de trabalhadores.
Assim, proferiu discursos lendo “moção dos republicanos espanhóis protestando contra o fuzilamento do militante democrata Cristiano Garcia pelo regime franquista” (II, 366-370); defendendo enfaticamente a concessão do direito de voto para os analfabetos e soldados (IX, 223-230; XVII, 125-129; XVII 152-159), nos quais justificou emenda de sua autoria e da bancada comunista regulamentando a concessão de tal direito; denunciando as precárias condições de vida das crianças pobres na cidade de Recife, PE (XX, 20); e emitindo o parecer geral da bancada comunista ao título “Das Forças Armadas” do Projeto Revisto (XXIII, 398-403), onde posicionou-se a favor da necessidade de autorização do Senado Federal para a nomeação dos chefes militares pelo Presidente da República, da estabilidade funcional para os praças de pré, após 5 anos de serviço militar, e contra a assistência religiosa às Forças Armadas e a dispensa dos eclesiásticos do serviço militar.
Além disso, ocupou a tribuna para protestar contra a presença do Embaixador salazarista português em território brasileiro, para denunciar o assassinato do Presidente da Liga Camponesa da cidade de Iputinga, PE (X, 356), e para protestar contra várias outras modalidades de violências cometidas contra o movimento popular, atribuindo-as sempre, assim como os demais membros da Bancada do PCB, “a meia dúzia de elementos fascistas infiltrados no Governo”.
Apresentou 6 emendas ao Projeto de Constituição. Destacam-se as de nº 2.509, condicionando à autorização da Câmara dos Deputados a decretação da mobilização das Forças Armadas pelo Presidente da República; nº 2.634 (rejeitada; XXII, 236), proibindo a extensão dos tribunais militares aos civis em tempo de paz ou em caso de crimes contra a segurança interna; nº 3.032 (que teve destaque solicitado, mas foi indeferida pelo Presidente da Constituinte Melo Viana, PSD/MG; XXII, 236), concedendo o direito de voto aos soldados, sargentos e analfabetos; nº 3.430, assegurando aos praças de pré o direito à estabilidade após 5 anos de serviço; e a de nº 3.431, facilitando o acesso ao oficialato dos praças de pré que revelassem qualidades de comando.
Gregório Bezerra narrou sua atuação na conjuntura política da época e na Assembléia Constituinte de 1946 nos dois volumes de suas Memórias, editadas pela Civilização Brasileira (1980).