Neste artigo publicado no Jornal do Brasil no já longínquo ano de 1981, o jornalista e dirigente comunista João Saldanha critica a mercantilização de um dos maiores símbolos da paixão popular brasileira: a camisa de nossos clubes de futebol.
“Volto a falar sobre o negócio das camisas dos clubes e a publicidade sobre elas que alguns, ingenuamente, pensam que resolve alguma coisa. Pois duvido. O prejuízo é maior do que o lucro. Camisa de clube é muito importante. Tão importante que a marca a vida das pessoas. Sem qualquer outro motivo, se não o das vitórias e glórias, é lógico, o indivíduo se sente atraído pela camisa deste ou daquele clube. Nada mais provocativo do que a queima de uma camisa. Evidentemente isto é antes de tudo um ato de covardia que só é praticado quando existe desvantagem flagrante da parte agredida. Quero ver algum valentão ir tascar camisa (ou bandeira) de algum clube lá no setor da outra torcida.
Mas é uma mística muito preservada a das camisas. Outro dia mesmo, tivemos uma onda da oposição no Flamengo quando time apareceu com camisas novas. Por sinal, mais bonitas. A da “zebra”, com listras mais largas, valorizou o uniforme sem lhe tirar nada do tradicional. A outra, a sobre o branco, é uma camisa para jogos noturnos ou para diferenciar de algum adversário em caso de colisão. Flamengo e América, por exemplo, se jogam os dois de calção branco e com suas camisas tradicionais, o visual do público, árbitro e jogadores é confuso e dá margem a muitos erros. Um deve entrar com o uniforme número dois. Tudo bem, pois é no interesse do futebol.
O que fica ridículo é um time entrar com o uniforme da superstição. O Botafogo apareceu de branco contra o Vasco e ganhou. Por que não apareceu assim contra o Americano? Ou em todos os jogos? Como se verifica, este assunto é importantíssimo. Tanto assim que a FIFA em suas competições não permite nada parecido. Nem as meias podem ser as mesmas, como erradamente acontece aqui.
Mas o fato inegável é que ninguém gosta de ver seu clube jogar com outro uniforme, mesmo que seja o número dois. Lembram a final Brasil e Suécia? Os dois, de camisa amarela, foram a sorteio. Nossos homens não dormiram ao saber que teriam de jogar de azul e branco. Ganhamos. E ora bolas, quando a Seleção foi jogar na Suécia outra vez, optou pelo azul e branco. Pintou sujeira e o Brasil entrou pelo cano e se estrepou. Trata-se, portanto, de respeitar os uniformes tradicionais e evitar palhaçadas ou que os pavilhões dos clubes sirvam de propaganda para quaisquer produtos.
Já pensaram no Vasco de camisa preta anunciando ‘Coca-Cola’ ou ‘Brahma’, que anunciam na base do vermelho? Não ficaria rubro-negro? E o Botafogo ou o Santos como ficariam? E será que estes produtos quereriam anunciar na camisa do América nesta fase? Muita confusão para pouco dinheiro e de resultado muito difícil de avaliar. O mais certo é prejuízo para todo o mundo. E eu?! Como escreveria na segunda-feira o jogo Botafogo e Flamengo? Um anunciando ‘Guaraná da Brahma’ e o outro ‘Guaraná da Antártica’? É claro que se ganha o Botafogo eu teria de dizer que o time da Brahma é melhor que o da Antártica. Ou vice-versa. Chato, não é? Então respeitemos as camisas tradicionais.”