Uma Etapa da História de Lutas

Artigo publicado por Octávio Brandão no jornal Imprensa Popular em 20 de janeiro de 1957. Brandão foi uma importante liderança anarquista e ingressou no Partido Comunista Brasileiro logo após sua fundação em 1922. Em pouquíssimo tempo tornou-se, ao lado de Astrojildo Pereira, um dos importantes dirigentes da organização. Neste artigo, Brandão promove autocrítica em relação ao livro, reconhecendo tratar-se de uma obra que continha alguns problemas teóricos, em virtude da ausência de leituras, na época, de textos fundamentais do marxismo e de uma análise ainda superficial da realidade brasileira.

Realizou a primeira tradução brasileira do “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels, que foi publicada em 1924. Escreveu ainda “Agrarismo e Industrialismo”, que tornou-se a obra que mais influenciou a elaboração da tática e da estratégica dos comunistas na década de 1920. Defendia a necessidade de uma ampla frente política e social – congregando o proletariado, os camponeses, a pequena-burguesia e a burguesia nacional – contra os grandes proprietários rurais semi-feudais (agraristas) e o imperialismo.

O PCB apresenta uma história viva e heróica, de feitos épicos e valorosos, de combates e batalhas em prol da Pátria e da Humanidade.

A história do PCB está exigindo a mais profunda análise crítica, política e ideológica, a interpretação dos fatos e a extração dos ensinamentos – num vasto esforço coletivo, e não meramente individual.

As novas gerações brasileiras precisam conhecer a fundo a história do PCB.

Em 1924-1928. Penso que o nosso PC realizou uma obra importante em 1924-1928. O problema é vasto. Tratarei de resumi lo.

Em 1924-1928, o PC começou a estudar a realidade brasileira, a compreender certos problemas nacionais e a buscar o caminho da libertação do nosso povo. Pela primeira vez na História do Brasil, o PC caracterizou o imperialismo como capital monopolista e financeiro, denunciou sua penetração no país, apontou o como o inimigo principal, mobilizou contra ele milhares de trabalhadores e chamou todo o povo brasileiro à luta contra o imperialismo. Batalhou, ao mesmo tempo, contra a reação política, a repressão policial e os estados de sítio que se prolongaram de 1922 a 1926. Procurou mostrar a ligação estreita existente entre o imperialismo e a reação brasileira.

Nessa etapa da sua História de Lutas, o PC, pela primeira vez no Brasil, desde 1922, fez propaganda das idéias bebidas nos livros de Marx, Engels e Lenin – especialmente sobre a luta de classes, a missão histórica do proletariado, o papel do Estado, o imperialismo, o anarquismo e o reformismo. Levou idéias marxistas leninistas aos sindicatos operários, e à porta das fábricas e oficinas, sobretudo do Rio de Janeiro – tarefa de importância histórica. Publicou, em 1923 e 1924, pela primeira vez na língua (portuguesa, o imortal MANIFESTO COMUNISTA de Marx [1]) e Engels.

Apoiando se na base granítica dessas idéias, o PC travou, desde 1922, uma batalha dura e difícil, e derrotou o oportunismo de “esquerda” a ideologia e o movimento anarquistas. O anarquismo, em conseqüência dos próprios erros e dessa luta do PC, perdeu suas ligações com as massas operárias e ficou reduzido a seitas.

Em 1924-1928, o PC desfraldou, como sempre, a bandeira do internacionalismo proletário revolucionário e da grande revolução socialista de outubro de 1917 na Rússia. Defendeu a União Soviética “democrática e socialista. Sustentou o movimento nacional libertador dos povos coloniais e dependentes a revolução chinesa de 1925-1927, o povo mexicano contra o imperialismo norte americano e a traição do governo de Calles em 1927, a Nicarágua e os guerrilheiros de Sandino contra a intervenção armada norte americana desde 1927-1928. Atacou o fascismo aliás desde o primeiro momento da marcha de Mussolini sobre Roma e a implantação do fascismo na Itália, em 1922.

O PC começou a penetrar no seio das massas. Fundou, em 1925, sob o estado de sítio, como órgão legal, “A Classe Operária”o jornal dos trabalhadores, feito pelos trabalhadores, para os trabalhadores, como ele próprio se intitulava. Iniciou, em 1925, sua reorganização, sobre a base de células nas empresas industriais, principalmente do Rio de Janeiro. Publicou dezenas de jornais de células, impressos.

Em 1924-1928, o PC impulsionou o trabalho sindical. Penetrou nos sindicatos operários e reforçou os. Dirigiu, em 1924, a luta vitoriosa pela conquista do repouso semanal para os padeiros do Rio de Janeiro. Depois de uma luta desigual, mobilizou mais de cinco mil trabalhadores e conseguiu libertar, em 1924, o marítimo José Leandro, condenado a trinta anos de prisão por ser grevista, por ter resistido à polícia e esfaqueado vários beleguins.

O PC desbaratou, em 1926, a Frente Única Multicor – bloco ferozmente anti comunista, formado pro brancos, amarelos, róseos e rabanetes. Os brancos eram os capitalistas como Geraldo Rocha e Libanio da Rocha Vaz. Os amarelos eram os líderes sindicais reformistas e policiais como Luís Oliveira, então presidente do sindicato dos estivadores. Os róseos eram os dirigentes “socialistas”reformistas como Agripino Nazareth. E os rabanetes eram os anarcoides – vermelhos por fora e brancos por dentro.

A Frente Única Multicor pretendia aproveitar o estado de sítio para esmagar o PC e dominar o movimento operário. Foi politicamente liquidada, depois de uma luta áspera. Essa e outras vitórias do PC prepararam o terreno para a criação de várias federações sindicais (regionais e industriais) e para a confederação sindical, fundada em 1929.

Nessa etapa da sua história, o PC procurou aliados. Penetrou no seio de alguns grupos de camponeses, sobretudo no interior o Estado de São Paulo. Organizou Ligas Camponesas. Criou o Bloco Operário e Camponês, organização legal de massas. Orientou se no sentido de uma aliança com os revoltosos pequeno burgueses de Copacabana, São Paulo e da Coluna Prestes. Isto se tornou uma realidade, mais de dez anos depois, em 1935, com a Aliança Nacional Libertadora.

Tais são alguns aspectos, muito resumidos, da obra do PC em 1924-1928.

Infelizmente, o desenvolvimento e a consolidação do PC foram travados pelos desvios de direita. Apesar de todos os esforços e tentativas, o nosso PC não conseguiu compreender o caráter da revolução, suas etapas e forças motrizes. SUBESTIMOU a importância dos camponeses. SUPERESTIMOU o revolucionarismo pequeno burgês em geral e, em particular, a significação dos revoltosos pequeno burgueses de Copacabana, São Paulo e da Coluna Prestes. Colocou à frente o Bloco Operário e Camponês, e não o próprio PC.

O autor destas linhas é um dos responsáveis por esses erros. As raízes deles estão na obra de AGRARISMO E INDUSTRIALISMO.

UMA TENTATIVA EM 1924. Na vida clandestina, no ambiente de repressão da polícia do marechal Fontoura, comecei a escrever “Agrarismo e Industrialismo” a 28 de julho de 1924, na hora da derrota dos revoltosos pequeno burgueses, quando eles começaram a evacuar a cidade de São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro o ambiente era de desânimo.

Terminei a obra, no fundamental, menos de um mês depois, a 22 de agosto de 1924. Tirei cópias à máquina e tratei de divulgá la imediatamente. Escrevi o penúltimo capítulo em 1925, e o último em 1926. Publiquei a sob o estado de sítio, em 1926, com o pseudônimo de Fritz Mayer.

O livro foi lido por operários, intelectuais e revoltosos pequeno burgueses – civis e militares.

Durante trinta anos nenhum comunista fez a análise da obra. O reacionário Jackson de Figueiredo publicou um artigo sobre ela, manifestando o pavor de que, no Brasil, depois desses ensaios teóricos, viesse um ensaio prático, revolucionário, comunista. Em 1930-1931, os trotskistas, em seu jornal, atacaram na violentamente e consideraram na um amontoado de erros e absurdos.

AS FALHAS. Fiz a autocrítica muitas vezes: em 1930-1935, em 1938, em dezembro de 1954 e outras ocasiões. Hoje, faço a autocrítica, mais uma vez. Cumpro, assim, um dever para com o PC, a classe operária e o povo brasileiro.

A obra “Agrarismo e Industrialismo” é um ensaio sobre o Brasil em geral e o imperialismo em particular, sobre a luta das classes e as insurreições armadas de Copacabana em 1922 e São Paulo em 1924. Apresenta uma série de falhas. Tem desvios materialistas mecânicos, de caráter político, filosófico e ideológico geral.

É sabido que o materialismo mecânico não é dialético. Não interpreta os fatos, os fenômenos e os acontecimentos à luz da teoria moderna do desenvolvimento. Interpreta os segundo as leis da mecânica. Faz aplicações mecânicas.

Com efeito. O livro considera os movimentos pequeno burgueses de Copacabana e São Paulo como aspectos da luta entre o agrarismo e o industrialismo no Brasil, entre o feudalismo e o capitalismo, entre os grandes proprietários rurais feudais e a grande burguesia industrial. Deste modo, faz uma interpretação mecânica dos movimentos de Copacabana e São Paulo. Transplantando para o Brasil do século XX a concepção da luta entre os feudais e a burguesia durante a revolução francesa, no fim do século XVIII.

É Sabido que Hegel formulou a questão da tríade – a tese, a antítese e a síntese – do ponto de vista do idealismo filosófico. Em sentido oposto a Hegel, Engels, no ANTI DURING, mostrou a existência da tríade, do ponto de vista do materialismo dialético.

O autor destas linhas leu essa obra de Engels e exagerou o papel da tríade. Fez, em 1924, uma aplicação mecânica e exagerada da tríade materialista, à História do Brasil, pags 61-63 de AGRARISMO E INDUSTRIALISMO. Não aprofundou a compreensão dessa obra de Engels. E não notou a crítica de Lênin aos exageros da tríade, no livro QUEM SÃO OS “AMIGOS DO POVO”?

AGRARISMO E INDUSTRIALISMO não explica uma série de problemas essenciais. Não compreende o caráter e o conteúdo da revolução no Brasil. Não compreende as forças motrizes da revolução. Nem suas etapas. Nem a ligação e a correlação entre as etapas. Nem o desenvolvimento e a transformação da revolução anti imperialista e anti feudal, em revolução socialista. Como se vê, são falhas fundamentais.

O livro SUBESTIMA, de fato, a importância imensa dos camponeses. Subestima a aliança do proletariado com os camponeses. Subestima a hegemonia do proletariado na revolução. De outro lado, SUPERESTIMA o papel dos revoltosos pequeno burgueses de Copacabana, São Paulo e da Coluna Prestes.

A primeira revolta teve lugar em Copacabana, a 5 de julho de 1922. A segunda revolta teve lugar em São Paulo, a 5 de julho de 1924. Agrarismo e Industrialismo procura mostrar certos erros desses dois movimentos, preconiza a terceira revolta e a frente única do proletariado, da pequena burguesia urbana e da grande burguesia industrial, contra o imperialismo e o governo de grandes proprietários rurais feudais. Afirma a propósito, pág. 84 do livro: “De qualquer forma, é necessário que a 3a revolta não repita os erros das duas anteriores: abarque a técnica e a política, o exército e a marinha, o Rio e São Paulo, o Sul e o Norte, o proletariado, a pequena burguesia urbana e a grande burguesia industrial. O proletariado entrará na batalha como classe independente, realizando uma política própria”.

Esta formulação tem uma falha capital: esquece os camponeses – os aliados principais da classe operária.

Em lugar dessa terceira revolta, veio a pretensa “revolução” de 1930. Então, o nosso PC, em vez de corrigir os erros foi completamente desorientado por uma linha política oportunista de “esquerda”, pregou a Revolução Soviética imediata, isolou se totalmente das massas populares e sofreu profunda catástrofe.

Em outubro de 1930, as massas populares e as forças armadas fizeram muito bem derrubando o triste governo de Washington Luiz e a dominação do imperialismo inglês. Infelizmente, marcharam a reboque da Aliança Liberal e de Getúlio Vargas. Os revoltosos pequeno burgueses de Copacabana, São Paulo e da Coluna Prestes, exceto Luis Carlos Prestes, também marcharam a reboque, em 1930. Os demagogos, aventureiros e entreguistas como João Neves da Fontoura, apossaram se do poder. O imperialismo norte americano conquistou posições dominantes até hoje.

O autor de AGRARISMO E INDUSTRIALISMO fez muitos esforços, mas, como se vê, sua tentativa saiu com uma série de falhas.

É que o autor era e é de origem pequeno burguesa. Tinha em 1924 e hoje ainda tem um conhecimento insuficiente da realidade brasileira. Não encontrou no Brasil nenhuma tradição marxista, que preparasse e adubasse o terreno. Só em 1922 é que, pela primeira vez, leu os livros de Marx, Engels e Lênin. Seus estudos sobre o marxismo eram insuficientes em 1924[2] – e, hoje mesmo, apesar de todos os esforços ainda são insuficientes.

As fontes principais do autor para escrever o livro, foram: O IMPERIALISMO, ESTÁDIO SUPERIOR DO CAPITALISMO E A DOENÇA INFANTIL DO “ESQUERDISMO” NO COMUNISMO, DE LENIN; a CIRCULAR DO COMITÊ CENTRAL AOS COMUNISTAS ALEMÃES EM 1850, de Marx; REVOLUÇÃO E CONTRA REVOLUÇÃO NA ALEMANHA, em1848, de Engels; e a revista “La correspondance Internationale” de Paris.

Em 1924, ainda não existia a experiência da revolução chinesa de 1925-1927, que teve importância decisiva como revolução de frente única nacional anti imperialista num país semi colonial e semi feudal. O autor só pôde aproveitar algo dessa experiência no penúltimo capítulo escrito em março de 1925.

Também em 1924, o autor desconhecia trabalhos fundamentais de Lênin e Stálin sobre o problema nacional colonial. Aliás, o discurso capital de Stálin sobre o problema da China só foi pronunciado em agosto de 1927 e divulgado posteriormente.

Todos esses fatos, tomados em conjunto, explicam mas não justificam as falhas.

Tais são os erros principais do autor destas linhas.


[1] Parte acrescentada à mão pelo próprio Octávio Brandão, em cópia do artigo mantida em seu arquivo pessoal. No entanto, lendo se a frase fica claro que é apenas uma correção do erro de edição. (NOTA de Marisa Brandão).

[2] Na cópia do artigo mantida em seu arquivo pessoal está a corrigido à mão o número 4, de 1924. O que consta no original está ilegível. (NOTA de Marisa Brandão)