DOSSIÊ IMPRENSA POPULAR – Cidade, uma invenção da burguesia para a burguesia

A consolidação do capitalismo foi também a da urbanização. Em seu período comercial, a cidade voltou a ser o centro de trocas. Ela voltou a ter ainda o poder político, com as monarquias absolutistas e a centralização das decisões. Retomou seu status cultural, para satisfazer a nobreza e a burguesia ascendente. Já na Revolução Industrial, a necessidade de concentrar a produção deu mais impulso à urbanização. Como o capitalismo precisou concentrar pessoas em espaços reduzidos para reduzir os custos de produção, deveria planejar o como fazê-lo garantindo bem-estar às pessoas. Deveria, se não se chamasse capitalismo…

Não à toa, a favelização, a especulação imobiliária, os péssimos serviços de transportes, a concentração de recursos públicos e serviços do estado em áreas nobres, a concentração da violência em áreas populares e os cada vez mais dramáticos desastres “causados” por eventos climáticos, com perdas de grandes contingentes de vidas humanas.

A falácia das “causas naturais” é facilmente desmentida pelo exemplo de Cuba, cuja população enfrente inúmeros furacões com número reduzido de vítimas. O motivo disso é seu regime socialista.

Seguindo o exemplo da ilha caribenha, é urgente que o planeta tenha uma nova política de ocupação do solo urbano, o que virá através da luta principal é por uma sociedade justa e igualitária.

Afinal de contas, trata-se de uma questão que afeta a maioria da população mundial, que vive em cidades cada vez mais desprovidas de condições para oferecer condições dignas de existência: a população das favelas cresce cerca de 25 milhões de pessoas a cada ano, segundo dados da UN-Habitat (ONU).

O livro Planeta favela, do urbanista norte- americano Mike Davis, investiga esse crescimento na América Latina, África, Ásia e nos ex-países socialistas da Europa. Na obra, ele indica como as políticas capitalistas estão relacioandas com o crescimento das gecekondus (Istambul, Turquia), desakotas (Accra, Gana) e barrios (Caracas, Venezuela), alguns dos nomes dados às cerca de 200 mil favelas existentes no planeta.

Ilhas de riqueza e as ‘guerras do futuro’

As cidades estão divididas em “ilhas de riqueza”, que atendem aos interesses e gostos burgueses, com torres de escritório e condomínios fortificados que imitam os bairros do subúrbio norte-americano, e a crescente população que não dispõe de condições dignas de moradia e serviços públicos.

Davis chega a citar Alphaville, em São Paulo, como exemplo de “parques temáticos” deslocados da realidade social, nos quais os moradores deixam de ser cidadãos para serem “patriotas da riqueza, nacionalista de um afluente e dourado lugar-nenhum”.

Nessa realidade se opera o conflito de classes, que já mereceu a atenção do Pentágono. Estudos do stablishment militar norte-americano já se preparam para o que batizaram de guerra do “futuro” nas megafavelas do Terceiro Mundo.

Brasil possui a terceira maior população favelada do mundo

De acordo com Planeta Favela, o Brasil possui a terceira maior população favelada do mundo. Segundo o IBGE, a população que vive em favelas cresceu 45% entre 1991 e 2000, três vezes acima da média de crescimento demográfico do país.

Tendo como critérios o acesso ao saneamento e a precariedade da moradia, existiam naquele ano 6,5 milhões de favelados no Brasil. Ao se considerar itens como a irregularidade de posse, o total sobe para 51,7 milhões, tornando o Brasil o país com a terceira maior população favelada do mundo, atrás apenas de Índia e China.

Favelização se agravou com neoliberalismo

O processo de favelização começou a se agravar em meados da década de 1970, resultado das crises do petróleo e das políticas impostas pelo FMI e o Banco Mundial. O Brasil, que entre 1940 e 1970 crescia 7% ao ano, viu sua economia patinar para 1,3% de crescimento médio nos anos 1980 e 2,1% nos 1990. O baixo crescimento e a não incorporação dos jovens que chegavam ao mercado de trabalho agravou a crise urbana.

O desemprego e a pobreza fizeram com que as cidades passassem a apresentar cada vez mais crianças abandonadas, epidemias, enchentes, desmoronamentos e violência. O Rio de Janeiro chega a ter favelas estratificadas, divididas em regiões pobres e outras “não tão pobres”.

Não basta fazer ações cosméticas. É preciso que os governos ofereçam soluções de transportes, geração e distribuição de renda, além de reforço em setores como saúde e educação. A prova é que dois projetos nas maiores cidades do país – o Favela-Bairro, no Rio de Janeiro; e o Cingapura, em São Paulo – não conseguiram incluir as populações que vivem nesses locais.