VINTE ANOS SEM FLORESTAN FERNANDES

Homenageando FLORESTAN FERNANDES – falecido em 10 de agosto de 1995 – marxismo21 publica um novo e extenso dossiê sobre a produção teórica e a trajetória deste pensador.

 

Obras de Florestan (livros, artigos, entrevistas, vídeos) e artigos/trabalhos acadêmicos (teses e dissertações) sobre o autor permitem conhecer a fecunda, qualificada e diversificada produção intelectual do saudoso pensador marxista radical.

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Editores

 

Vinte anos sem Florestan

Heloísa Fernandes

Após vinte anos da morte do meu pai, Florestan Fernandes, fica para nós, da família, a lembrança da sua presença carinhosa, alegre, solidária. Para nós, brasileiras e brasileiros, fica sua lição de vida. Lição das lutas do menino que enfrentou tantas exclusões reservadas aos pobres do nosso país.

Graças a elas, Florestan nos deixou uma vasta obra na qual o olhar da pobreza adquiriu as lentes densas e profundas fornecidas pela Sociologia. Foi assim que Florestan analisou a sociedade brasileira denunciando suas exclusões, suas discriminações, seus preconceitos. Foi por isso que lutou pela democracia ampla, radical; única que poderia garantir e ampliar o acesso da grande maioria dos brasileiros à plena cidadania.

 

Nesta bela homenagem que lhe é prestada hoje, aqui, na Câmara Municipal, pensei trazer algumas citações que dessem voz ao menino e ao sociólogo.

Em 1991, numa entrevista a Paulo de Tarso Venceslau, Florestan fala das suas origens e recorda sua infância. Diz ele que “repartia com minha mãe a obrigação de sustentar o lar. Ela tinha dois filhos: eu e uma menina que morreu com cinco anos. Costumo dizer que nós vivíamos ao léu (…). Nós morávamos em pequenos cortiços ou em porões e, quando o aluguel subia, éramos obrigados a abandonar o lugar em que estávamos. Nós éramos tocados pela vida, de uma maneira dura”. (2008, p.174)

Quanto ao curso de madureza, feito aos 17 anos e que lhe permitiu o acesso à Universidade de São Paulo, Florestan recorda o ginásio Riachuelo que, graças ao professor Benedito de Oliveira, um grande educador, “era nossa casa. Nós tínhamos a chave e continuávamos a estudar depois que as aulas terminavam, durante uma hora ou mais, dependendo do horário do bonde”. (2008, p. 175/6)

E lembrou que durante “o período em que trabalhei como aprendiz, em marcenaria, alfaiataria, etc. havia certa inquietação social, de caráter populista. Em 1930, por exemplo, eu corri pelas ruas gritando ´queremos Getúlio’ .Porque o sentimento de oposição era muito forte nas massas populares. Eu era um autêntico condenado da terra. Descalço, corria pelas ruas com aquela multidão”. (2008, p.176)

Em 1989, numa entrevista radiofônica, o sociólogo e o socialista denunciam que nossa Constituição recém-promulgada estava incompleta por ter preservado privilégios e exclusões. Diz ele que “a questão mais chocante é a da reforma agrária, sem dúvida nenhuma. Num país como o Brasil, com tantos milhões de pessoas passando fome, migrando de uma região para outra, se quisermos nos tornar uma nação, é necessário pensar primeiro no povo, depois em outras coisas. Essa prioridade número um não foi atendida e a questão da reforma agrária mostra o quanto nossas elites, especialmente as elites econômicas, intelectuais e políticas, voltam às costas aos aspectos mais duros da realidade”. (2008, p.165)

Sabemos que nestes últimos vinte anos várias exclusões começaram a ser enfrentadas e avançamos na democratização do ensino e na luta contra a discriminação racial. Tragicamente, porém, mantivemos inúmeros privilégios e progredimos quase nada na reforma agrária, na reforma urbana e na luta contra inúmeras discriminações e preconceitos.

Bem se disse que a indignação foi uma marca registrada do Florestan. Indignação contra a exploração; indignação contra todas as formas da injustiça. Ainda agora, no último dia 29 de julho de 2015, a imprensa noticiou que os órgãos de fiscalização encontraram fazendas no Piauí nas quais os trabalhadores eram alojados junto com os porcos, sem carteira assinada, sem equipamentos de proteção individual e sem condições mínimas de higiene, saúde e segurança! (2015, p. A15)

Florestan corria descalço pelas ruas de São Paulo, nos inícios do século XX. Entramos no século XXI, completamos vinte anos sem Florestan, mas o mundo da sua infância ao léu resiste em muitos e inúmeros rincões do nosso país! Enquanto esse mundo persistir, Florestan continuará na lista de chamada do colégio Riachuelo. Nós todos, seus companheiros de indignação e de luta, respondemos por ele:

“Florestan?

– Presente!”

 

São Paulo, 8 de agosto de 2015.

 

 

Bibliografia:

– Cohn, A. (org.), Florestan Fernandes, Beco do Azougue, Rio de Janeiro, 2008.

– “Fazendas alojavam trabalhadores junto com porcos no Piauí”, Folha de S.Paulo, 29/07/15.