Vianinha e o Comitê Cultural do PCB

Ricardo Costa (Rico) – Secretário de Comunicação do PCB

Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha, nasceu no Rio de Janeiro, em 1936, e foi um dos principais nomes da dramaturgia brasileira, apesar de ter morrido muito jovem, em 16 de julho de 1974, aos 38 anos, de câncer. Militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi dramaturgo, ator, roteirista de TV e influente ativista do mundo da cultura. Vianinha nasceu, cresceu, formou-se e tornou-se adulto em uma família de militantes comunistas, como eram seus pais, o dramaturgo Oduvaldo Vianna e Deocélia Vianna.

Foi destacado integrante do Comitê Cultural do PCB, que atuou no interior do mais importante aparelho privado de hegemonia diretamente influenciado pelo Partido no período, o CPC da UNE, cuja luta por uma cultura nacional-popular casava-se com a estratégia da revolução nacional democrática. Do CPC fizeram parte nomes que, mais tarde, despontariam como figuras de grande expressão na cultura brasileira: além de Oduvaldo Vianna Filho, Ferreira Gullar, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Pontes, Arnaldo Jabor, Carlos Diegues, Carlos Nélson Coutinho, Leon Hirszman, Carlos Estevam Martins, José Carlos Capinam, dentre os quais Vianinha destacava-se como “a grande cabeça” ou “a alma” dos movimentos liderados pelo CPC, conforme depoimentos daqueles que com ele conviveram.

Vianinha foi também um dos líderes do Teatro de Arena de São Paulo, criado em 1953 com o intuito de propor uma renovação e a nacionalização dos espetáculos teatrais, tendo assumido, no início da década de 1960, com Augusto Boal, Guarnieri e Vianinha, uma perspectiva cada vez mais crítica e revolucionária. Vianinha estudou arquitetura até o terceiro ano e depois abandonou o curso para se dedicar ao teatro. Começou em 1955, no Teatro Paulista do Estudante, atuando em vários espetáculos. Preocupado em criar uma dramaturgia vinculada aos problemas nacionais, promoveu o Seminário de Dramaturgia, visando a descoberta de novos talentos e a criação de textos vinculados à realidade brasileira.

A atuação do PCB em tempos de renovação política e cultural

Abandonada a política cultural zdanovista do período de Stalin, foram os próprios artistas e intelectuais ligados ao PCB, com atuação destacada nos movimentos sociais, que formularam, na prática, as novas diretrizes da política cultural do partido, num clima de significativa liberdade de ação e produção de ideias. O Comitê Cultural, órgão do PCB responsável por organizar a prática e as propostas dos militantes comunistas junto ao setor intelectual, artístico e cultural, nos dizeres de Leandro Konder, “não puniu ninguém, não excluiu ninguém. Não ditava regra, não impunha coisa alguma.”

O pacífico relacionamento dos militantes da área da cultura com a direção do PCB explica-se pela existência de uma “divisão do trabalho”, pela qual, se os ativistas do Comitê Cultural não discordassem da proposição política mais geral do Partido para aquele momento histórico e muito menos se arvorassem a ocupar o lugar da direção na elaboração da tática e da estratégia políticas, os dirigentes partidários, por sua vez, não se intrometiam nos assuntos diretamente associados à cultura.

Isso explica também, em grande parte, de que maneira foram inicialmente assimiladas pelos comunistas no Brasil as ideias de pensadores como Gramsci e Lukács. Os dois filósofos, responsáveis pela profunda renovação do pensamento comunista no ocidente, só passaram a ter suas obras reconhecidas e aceitas por setores consideráveis do movimento comunista internacional a partir do processo de desestalinização iniciado na União Soviética. No Brasil, suas contribuições, difundidas no início da década de 1960 por jovens intelectuais filiados ou próximos ao PCB, com destaque para Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder, naquele instante apareciam quase sempre vinculadas à batalha cultural antidogmática travada interna e externamente pelo Partido, restringindo seu campo de influência ao terreno da filosofia, da arte e da sociologia da cultura. Não era possível ainda que prevalecesse, por exemplo, a versão de um Gramsci eminentemente político, formulador da “teoria do Estado ampliado” e da estratégia socialista da “guerra de posições” nos países de capitalismo desenvolvido, em que os aparelhos privados de hegemonia funcionavam como verdadeiras fortalezas em defesa dos interesses do capital. Predominava o pensador que propusera uma leitura humanista e historicista do marxismo, em radical oposição aos princípios stalinianos até então dominantes entre os partidos comunistas.

Quanto a Lukács, suas ideias também serviam basicamente como referência para o ajuste de contas com o “realismo socialista” e para a defesa de uma cultura que, almejando o universalismo, não deixasse de buscar suas raízes nacionais. As discussões suscitadas em torno da questão nacional-popular, sob influências do pensamento lukacsiano e gramsciano, fizeram parte de acirradas disputas políticas e ideológicas naqueles anos, com maior ênfase no pós-64, quando recrudesceram as divergências entre os intelectuais ligados ou próximos ao PCB e os de outras correntes de esquerda. Além disso, havia grande afinidade entre a política desenvolvida pelo Comitê Cultural do PCB e a linha proposta por Lukács para o trabalho intelectual. Esta era um desdobramento de sua “política de frente”, apresentada pela primeira vez em 1929, através das “Teses de Blum”, a qual, por sua vez, guardava semelhanças com a estratégia nacional democrática adotada pelo PCB naquele período.

A controvertida linha política do PCB formulada a partir da Declaração de Março de 1958, que consolidou a tática de alianças com setores da chamada burguesia nacional para combater o imperialismo, permitia, por outro lado, uma forte aproximação dos comunistas com os intelectuais, principalmente os mais jovens, de igual forma atraídos pelo campo gravitacional do Partido em função do predomínio, naquele período histórico, da perspectiva nacionalista no interior dos movimentos revolucionários, a exemplo das lutas de libertação nacional na Ásia e na África e a vitória da Revolução Cubana, no ano de 1959.

A socialização da política verificada nos anos 1950 e princípios da década de 1960 no Brasil, com a ascensão do movimento operário e sindical, bem como o surgimento de diversas organizações sociais e populares em luta contra as mazelas impostas pelo capitalismo e o imperialismo, abrangia igualmente o terreno da cultura, em que, além das experiências marcantes na área do cinema, com o Cinema Novo, do teatro, com o Teatro de Arena, no campo editorial, com as revistas Brasiliense e Estudos Sociais, etc, os comunistas destacaram-se junto ao movimento que parecia melhor expressar aquele momento de explosão sócio-cultural: o CPC da UNE.

Os Centros Populares de Cultura foram engendrados a partir da defesa de uma arte nacional e popular voltada para a conscientização política, tendo sido, inclusive, criticada por outros setores da esquerda (mas também no interior do PCB) como proposta panfletária e subordinada a um projeto nacionalista, o que não deixava de ser verdade, em função do posicionamento político dominante entre os setores mais mobilizados do período, assim como por conta das fortes influências recebidas dos intelectuais do ISEB (com destaque para o historiador Nélson Werneck Sodré), que na época também marcaram profundamente as avaliações da esquerda sobre a realidade brasileira.

Vianinha: um guerreiro da cultura

Nenhum outro autor teatral brasileiro recebeu tantos prêmios por suas peças, a maioria das quais proibida pela ditadura, dentre elas a obra-prima Rasga Coração, que é dedicada por ele “à velha guarda comunista”, como uma homenagem pelas lições de coragem e combatividade em defesa das liberdades democráticas e do socialismo. Visando levar a arte diretamente à população, criou um elenco para percorrer, com sua peça A Mais Valia Vai Acabar Seu Edgar, escolas, favelas, sindicatos da cidade e do campo e organizações de bairro.

Em sua trajetória de artista do povo ganhou vários prêmios nacionais e internacionais, como Quartos Quadras de Terra, que recebeu o primeiro prêmio latino-americano da Casa das Américas, em Havana. Ganhou dois Moliéres, com as peças Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come e A Longa Noite de Cristal, além de outros prêmios em São Paulo e do Serviço Nacional de Dramaturgia. Vianinha também atuou no cinema, em Cinco Vezes Favela, de Cacá Diegues, e fez teledramas de agitação e teleteatro para uma comunicação rápida e direta com o público.

Em 1973 foi para a TV Globo, onde escreveu, em parceria com outros dois dramaturgos e militantes do PCB, Paulo Pontes e Armando Costa, o premiadíssimo seriado A Grande Família. Com rara habilidade para driblar as censuras policial e empresarial, essa comédia de costumes, protagonizada por uma família de classe média remediada, expunha as dificuldades enfrentadas pela população durante os anos de chumbo. Vianinha conseguiu atrair audiência de massa com um seriado que sutilmente criticava a política econômica antissocial vigente, bem como a mentalidade reacionária e repressiva do regime militar.

Mesmo assim, por suas posições políticas, foi duramente censurado pelo regime militar. A maior parte de suas obras não puderam ser exibidas a partir de 1964 porque estavam proibidas pela censura. Vianinha morreu aos 38 anos sem ver encenadas suas duas obras primas: Papa Highirte, escrita em 1968 e só montada onze anos depois, e a clássica Rasga Coração, cujos últimos diálogos foram ditados no leito da morte, e também só encenada muitos anos depois.

Como afirmou o escritor Dênis de Moraes, autor do livro Vianinha, Cúmplice da Paixão, a definitiva biografia de Oduvaldo Viana Filho:

“Vianinha, em apenas 38 anos, viveu pelo menos 100, tamanha a intensidade de seu envolvimento com suas crenças e com a exigência crucial de tentar transpô-las para fora de si, através do teatro e da arte, o que implicou um esforço descomunal para superar as contingências cotidianas e as barreiras impostas pelas circunstâncias dos contextos em que viveu, sobretudo durante a ditadura militar. Esse esforço o tornou um homem múltiplo e mesmo multimídia (fez teatro, televisão, cinema, jornalismo, teoria crítica da cultura), ao mesmo tempo em que era um militante comunista em tempo integral, no setor cultural. Tudo confluía para o ponto chave: fazer política, lutar sem trégua pelas causas democráticas, socialistas e humanistas, explorando todos os espaços possíveis na batalha das ideias.”

Fontes:

COSTA, Ricardo – Descaminhos da Revolução Brasileira: o PCB e a construção da estratégia nacional-democrática (1958-1964), disponível em https://www.historia.uff.br/stricto/teses/Tese-2005_Ricardo_da_Gama_Rosa_Costa-S.pdf

RIDENTI, Marcelo – Em Busca do Povo Brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV, Rio de Janeiro, Editora Record, 2000

A insistência no revolucionarismo sem cunho partidário

Ilustração: Friedrich Engels e Karl Marx no Congresso de Haia em 1872.

Camarada Janderson

https://funkeirocomunista.blogspot.com/2023/05/a-insistencia-no-revolucionarismo-sem_78.html

Na minha curta trajetória como militante, pude perceber que uma velha dúvida continua viva nos debates entre pessoas de esquerda, principalmente entre aquelas que se aproximaram das lutas sociais recentemente: é preciso necessariamente estar em um partido comunista para me considerar comunista e revolucionário(a)? Essa dúvida provoca uma outra cuja resposta é central para refletir sobre a primeira: nós precisaremos de um partido para organizar o processo revolucionário?

Há quem se coloque como marxista e responda negativamente às duas perguntas, acreditando que outros instrumentos de luta e organização terão um papel mais decisivo do que os partidos num processo revolucionário no Brasil. Acredito que sim, os partidos comunistas que existem hoje, cedo ou tarde, terão um papel central na luta de classes e, para melhor dirigir o processo revolucionário, é fundamental que os trabalhadores os procurem.

A questão do partido enquanto principal instrumento já foi debatida por respeitáveis revolucionários(as) no decorrer da história. É correto dizer que o debate sobre organização é um dilema universal da classe trabalhadora. É importante revisitar alguns clássicos, assim como atualizar essa discussão com base nos acontecimentos e situações contemporâneas.

Um dos motivos que me faz elaborar este escrito é o interesse em abrir o debate com os apartidaristas, com os não-leninistas e com outras correntes que subestimam a importância dos partidos comunistas; pois, quando eles se referem aos partidos, o fazem com desprezo, citam os partidos nominalmente e às vezes gozam de grande visibilidade na internet. Isso influencia no debate público. É necessário um contraponto.

Nas reflexões deste texto, busco demonstrar que defender a continuidade da luta revolucionária à margem dos partidos vai na contramão do posicionamento de Marx, Engels e alguns de seus seguidores mais destacados, sem deixar de considerar a contribuição e o papel organizador que as ações espontâneas cumprem no curso da luta de classes. Também analisarei alguns posicionamentos apartidaristas, seus limites e suas contradições. 

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Amílcar Cabral – Organização Política [PDF]

Via TraduAgindo

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O livro contem os seguintes textos de Amílcar Cabral:

  • Os Insubstituíveis
  • Nem Toda a Gente é do Partido
  • O Nosso Partido e a Luta
  • Aplicar na Prática os Princípios do Partido – Centralismo Democrático, Crítica e Autocrítica
  • Homenagem à Lênin
  • Poema

APRESENTAÇÃO

A presente coletânea de textos do revolucionário africano Amílcar Cabral, dirigente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde – PAIGC, surge com o intuito de fornecer de maneira ampla e acessível escritos que tratam do tema da organização partidária e seus desafios, desde a compreensão dos conceitos fundamentais do marxismo-leninismo, até sua aplicação no cotidiano da militância política.

Em cada um dos textos escolhidos, Amílcar Cabral realiza um breve e profundo exame do sentido da organização política, ação coletiva que não envolve apenas a identidade revolucionária, mas a prática revolucionária.

Organizar-se politicamente demanda que militantes tenham responsabilidade, disciplina, camaradagem, criatividade e espírito de iniciativa, demanda também que combatam quaisquer desvios individualistas e oportunistas. Ao mesmo tempo estimula a coletividade, o pensamento crítico e fornece forças para as atividades desenvolvidas em qualquer âmbito.

É por meio da luta que militantes se formam – nas palavras de Ho Chi Minh é como “o ouro que se purifica ainda mais no longo contato com o fogo” – e se tornam quadros, pessoas que tem domínio político da linha de sua organização e conseguem formular intervenções para sua realidade.

E para a luta ser desenvolvida com êxito, é necessário que exista um instrumento organizativo com funcionamento adequado e profissional, rompendo com o amadorismo.

Esta coletânea surge com este propósito: avançar o desenvolvimento de instrumentos de organização para um grau elevado e estabelecer bases sólidas para mais vitórias nas lutas.

Tenha uma boa leitura, aproveite!

EMPRESAS JUNIORES COMO APARELHOS DE HEGEMONIA DO CAPITAL: Discurso e disputa no espaço universitário

Por: Ghabriel Ibrahim, militante da UJC

Muito embora a posição contrária de nossa juventude frente às empresas juniores esteja colocada de modo explícito em nossas resoluções congressuais há alguns ciclos, a experiência cotidiana em mais de um núcleo universitário expõe que ainda há certa dificuldade na compreensão dos motivos pelos quais nos opomos a essas instituições. A resposta comum e apressada dá conta de denunciar as EJs como “ingerência privada” na educação pública, o que não deixa de ser verdade, mas também o é o fato de que são instrumentos criados pelos alunos sem possuir fins lucrativos. A “ingerência” é, portanto, muito mais sutil que a que se nota em outros mecanismos que podem ser acusados do mesmo mal que visam, de modo mais explícito, a privatização das IEs. No caso das Empresas Juniores, o fundamental é desvelar seu caráter instrumental na disputa ideológica – o que, também argumentarei, não se trata de questão menor.

O PCB compreende, a partir de acúmulo gerado pela larga tradição comunista e progressista de modo geral de nosso país, que o caráter da Revolução Brasileira é socialista. Isso se deve ao fato de compreender que as condições objetivas para uma revolução desse tipo estão postas: a predominância de relações capitalistas de produção, do assalariamento, as formas jurídicas que guardam relação dialética com a produção, tudo isso trata-se de condições objetivas. De modo sintético, o camarada Edmilson Costa (2013) aponta que “as condições objetivas são dadas pelo desenvolvimento das forças produtivas e da sociedade, portanto independem da vontade das pessoas, das organizações políticas e sociais.” Assim, o fundamental é avançar nas condições subjetivas para construir um processo revolucionário.

As condições subjetivas são intimamente relacionadas à consciência do povo. São afetadas pelo trabalho político cotidiano e dizem respeito à forma como cada indivíduo se enxerga dentro de sua classe, como enxerga sua classe, como enxerga sua relação com outros indivíduos de mesma ou outra classe… Enfim, historicamente os partidos de vanguarda tiveram como objetivo “elevar a consciência” das classes entendidas como revolucionárias com o intuito de, precisamente, conquistar as condições subjetivas necessárias para promover uma revolução.

A tal “consciência de classe” não se conquista de forma espontânea. Novamente, cabe lembrar do texto já citado do camarada Costa (2013):

Como dizia Lenin, a consciência do proletariado não é produto mecânico de sua condição de classe, pois na sociedade burguesa os trabalhadores são influenciados pela cultura dominante que, com seus meios de comunicação e seu aparato ideológico, diariamente procura manipular as informações, o ensino e a cultura no sentido de manutenção da ordem burguesa. Nessa conjuntura, o proletariado é influenciado pelos valores da sociedade capitalista. Lenin explica que a supremacia da sociedade burguesa no capitalismo se consolida porque a ideologia burguesa é muito mais antiga que a ideologia proletária, e, principalmente, porque possui meios de difusão incomparáveis maior e mais numeroso que a do proletariado.

De forma espontânea é possível que o trabalhador lute por melhores condições de trabalho, que desenvolva reivindicações específicas a partir de sua experiência cotidiana, e mesmo que entenda ser relevante se organizar em sindicatos. Mas a percepção de que integra uma classe revolucionária a cumprir um papel histórico de emancipação, de pôr fim à exploração do homem pelo homem, esta não vem senão a partir de um esforço interno que pode (e deve!) ser promovido por um partido de vanguarda, rompendo com o economicismo espontaneísta.

Os aparelhos ideológicos burgueses, portanto, são construídos e mantidos com o intuito de perpetuar a dominação de classe e impedir os avanços subjetivos necessários para a construção de uma revolução socialista. De modo geral, esses aparelhos atuam desdobrando, justificando e naturalizando certos efeitos subjetivos que o próprio modo de produção já impõe. Entre os mais relevantes no momento, destaco aqueles apontados por Marx em seu “Sobre a questão judaica”: ao criticar os recém surgidos “direitos do homem”, Marx aponta que a supervalorização da liberdade individual no capitalismo “faz com que cada homem veja no outro homem não a realização, mas, ao contrário, a restrição de sua liberdade”. Falando sobre a “igualdade”, destaca que se trata da igualdade dessa liberdade, isto é, a uniformização de todos os homens como “mônadas” independentes e rivais umas das outras. Pois bem. Retornemos em momento mais oportuno à discussão sobre ideologia: passemos a uma breve análise do projeto Empresa Júnior.

As empresas juniores surgem na França no ano de 1967 com o objetivo de oferecer aos estudantes melhor formação através de aprendizados práticos. Podem ser caracterizadas como associações sem fins lucrativos construídas pela iniciativa dos próprios estudantes. Já aí, porém, é relevante fazer uma ressalva: segundo Lopes, Lopes e Lima (2007, p.35) ao analisar as EJs em cursos de administração, “em muitos casos o surgimento da EJ não foi um processo espontâneo nascido da iniciativa dos estudantes, mas, ao contrário, uma medida que decorreu do interesse das IES que perceberam o alto valor atribuído, pelas instâncias oficiais, à existência dessas estruturas”. Normalmente, são organizadas através das seguintes instâncias: assembleia geral, conselho administrativo, diretoria executiva, conselho consultivo e conselho fiscal. Para além do fato de que, como já mencionado, não é incomum que não sejam fruto do desejo espontâneo dos estudantes, há uma questão bastante relevante no que diz respeito à organização dessas instituições: elas estão inseridas em uma organização nacional chamada Confederação Brasileira de Empresas Juniores (BrasilJunior) que se desdobra em órgãos regionais. Ou seja, há maior centralização política do que pode supor um olhar descuidado.

O site da BrasilJunior é claro em seus objetivos: “formar, por meio da vivência empresarial, lideranças comprometidas e capazes de transformar o Brasil em um país empreendedor”. Essa é, segundo seu site oficial, “a marca que querem deixar no mundo”. Ao longo de sua página principal, mais uma série de referências ao fazer “empreendedor”, grande falta em nosso país, podemos supor – muito embora já em 2001 fôssemos, de acordo com a própria BrasilJunior, o país com o maior número de EJs no mundo, com mais de 600 distribuídas por 14 estados. Hoje, suas mais de 1400 EJs filiadas contam com o apoio explícito, verificável ao fim da página principal, de empresas como Ambev, BTG e Americanas – próximas, para dizer o mínimo, de um grande patrono da privatização e da precarização do Ensino Público, José Paulo Lehman, recém envolvido em escândalo bilionário – além de multinacionais como Nestlé e Pirelli. A estes interessam o projeto “Brasil empreendedor”, certamente discutido à exaustão em seu último Congresso Nacional, o 28º Encontro Nacional de Empresas Juniores, em 2021. Lehman, através de sua Fundação, formou figuras políticas que constituem grupo relevante na Câmara, atuando com força em assuntos de seu interesse. Na recente discussão acerca do Fundeb, das cinco emendas que o relatório da PEC 15/2015 que altera o FUNDEB recebeu em sua reta final, quatro foram propostas por deputados formados pela Fundação Lemann e com base de financiamento de campanha no empresariado. De fato, eles compõem a Bancada da Lemann. As emendas foram apresentadas por Tiago Mitraud, Tabata Amaral e Felipe Rigoni

Mas a BrasilJunior também possui o que chama de “produtos”. Logo deve chamar a atenção da juventude universitária um denominado “Universidades Empreendedoras”. Trata-se de ranking elaborado pela confederação com “patrocínio estratégico essencial do Bradesco” com a intenção de medir a “cultura empreendedora, a inovação e a extensão das instituições de ensino superior do Brasil”, além de um ponto curiosamente associado a esses outros: a atração de capital financeiro.

O ranking não se trata de obra menor: foi lançado oficialmente em 8 de dezembro na Câmara dos Deputados, em Brasília. Evidencia a movimentação política da confederação em conluio com o grande capital e seus avanços programáticos sobre a coisa pública. O MEJ, afinal, se reivindica como apartidário, mas com “consciência do papel no diálogo por um país melhor e que para transformá-lo se faz importante a discussão política”. Por isso a Brasil Junior atua com o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) para “expandir o conceito de sucesso do Ranking das Universidades Empreendedoras”.

Analisemos brevemente alguns dos indicadores relevantes para o ranking, disponível no site da iniciativa.

Em primeiro lugar, a Cultura Empreendedora: esta é medida através da análise de “postura empreendedora” tanto entre os discentes quanto entre os docentes, além de uma avaliação da grade curricular. Os objetivos políticos se conquistam, fica claro, através também do controle pedagógico. Também interessante é o indicador chamado de “Capital Financeiro”: é explícita a importância dada no projeto para um “Brasil empreendedor” à presença de Fundos Patrimoniais na universidade. Já tratei brevemente do que são esses fundos e de seu perigo para a autonomia universitária em outro texto; basta apontar que integram o projeto do órgão nacional responsável pela “qualidade” das EJs.

A nível estadual, o Rio de Janeiro conta com a RioJunior, ligada a BrasilJunior, que tem entre seus produtos o “Papo Empreendedor”, primeiro contato da RioJunior com alguma EJ. Conta também, para que se evidencie novamente a importância dada à questão, com uma Diretora de Formação Empreendedora. Não há propriamente nenhum membro destacado de modo aberto à dimensão pedagógica de forma ampla: a grande formação adquirida parece ser esta introjeção da perspectiva do empreendedorismo. Em material oficial elaborado por seu então presidente, consta que o principal produto da RioJunior é “o empreendedor comprometido e capaz de transformar o país”. Por isso, cada EJ deve “promover a internalização da cultura empreendedora por seus membros”.

O destaque dado neste texto para o projeto empreendedor que parece assumir função central nas EJs se dá também por conta da relevância já apontada para a disputa ideológica. No trabalho corriqueiro de um partido de vanguarda de trazer as massas da luta particular de seu cotidiano para a luta geral pela emancipação humana, essa é das disputas mais encarniçadas. Nosso trabalho se expande e já possui relevância nacional no âmbito universitário, no que sua crescente qualificação não deve atingir barreiras, e para tanto é necessário que avancemos no acúmulo acerca da própria ideia de ideologia.

A obra marxista mais famosa sobre ideologia é a Ideologia alemã, série de escritos de Marx produzidos em cerca de 1846-1847, mas que teve sua primeira publicação somente em 1950. Certa tradição marxista tende a reduzir ideologia a “falsa consciência”, a um mero falseamento do real que impede o desvelamento da opressão. Reduzir ideologia a essa dimensão nos colocaria em uma posição cômoda de não pensar no PORQUÊ essa “falsa consciência” atinge tanta influência entre as massas. Por óbvio, os aparelhos de difusão ideológica cumprem seu papel, assim como a própria forma de viver e sobreviver, mas uma série de outros autores tentou complexificar de modo interessante essa categoria.

Entre os vários meios de difusão da ideologia, nenhum prescinde de uma linguagem. Nesse sentido, estudiosos nos mais diversos campos já apontaram que toda linguagem possui uma dimensão ideológica. Rompendo com o paradigma que entendia a linguagem como neutra, Bakhtin, linguista russo, notou que toda língua possui dimensão simultaneamente formal, subjetiva e social.  Helena Brandão, estudiosa de Bakhtin, afirma que

“a linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem natural, por isso o lugar privilegiado da manifestação da ideologia” (BRANDÃO, 2004).

Já segundo Misoczky, Fernandes e Bucco (apud COSTA, 2010), deve-se ressaltar que

em vez de tratar a ideologia como falsa consciência ou como sistema coerente de crenças, Bakhtin e os autores de seu Círculo consideravam ideologia como o meio simbólico essencial através do qual as relações sociais são constituídas. (…) As ideologias são materiais, não somente porque todas as formas possíveis da ação humana incluem algum tipo de símbolo semiótico – palavras, gestos, expressões, vestimentas, etc… – mas porque tais signos produzem efeitos reais nas relações sociais.

Em outras palavras, partindo de uma perspectiva histórico-discursiva, a ideologia corresponde à hegemonia do sentido. Trata-se, hoje, da Globalização da ordem do discurso neoliberal.

É a partir disso que chegamos à palavra da ordem: empreendedorismo. Como campo de estudo, surge em Harvard, em 1947, como um desdobramento de estudos acerca da história dos negócios, focando em empresas isoladas. Somente a partir de 1970, porém, começa a haver maior interesse pelo tema (KATZ apud COSTA, 2010). Sua expansão real se dá apenas em 1980, não coincidentemente período em que a própria ideia de neoliberalismo passa a integrar de forma mais corrente os vários discursos econômicos, sobretudo por conta de Pinochet e Thatcher. Até 1975, só havia um periódico – Journal of Small Business Management – que representava espaço para publicação sobre empreendedorismo. Nos últimos anos, o número de faculdades que oferecem cursos de empreendedorismo nos EUA é da casa de milhares.

No Brasil, a oferta de cursos de empreendedorismo data de 1990. A categoria incorpora-se às grades curriculares das IES por meio da Resolução CNE/CES 4 de 13/07/2005, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Administração. Lê-se que o perfil esperado de um administrador é voltado para “capacidade empreendedora e crítica”. Não é necessário ser marxista para saber, como Foucault, que “todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”. Hoje – ou melhor, já há quase vinte anos -, entende-se que é fundamental que o Administrador formado assuma “postura empreendedora”.

Em estudo fundamental para este artigo, a tese da professora Alessandra de Mello Costa recupera algumas tentativas de definir o “empreendedor”, tanto a nível internacional como nacionalmente. Foquemos nestas últimas por serem mais relevantes à nossa atuação. Após apontar três abordagens mais comuns para discutir a categoria de empreendedorismo (uma mais comportamental, outra derivada da literatura gerencial e uma terceira mais propriamente econômica), Costa nota que os empreendedores “são concebidos de forma semelhante como indivíduos que impulsionam a máquina capitalista ao prover novos bens de consumo, além de métodos inovadores de produção e transporte, com a inequívoca função social de identificar oportunidades e convertê-las em valores econômicos” (COSTA, 2010). Em artigo de 2008, a professora ressalta a coerência entre essa compreensão e a hegemonia discursiva neoliberal, em que uma figura idealizada do executivo de sucesso passa a ser exemplo de conduta para toda a sociedade a fim de disseminar “investimento constante e exclusivo da vontade na produção de riqueza abstrata” (grifos nossos), o que “prolonga e intensifica a obrigação do homem moderno de dedicar sua vida ao ganho” (BARROS, COSTA & MARTINS, 2008)

Politicamente, interessa em particular uma definição dada em 2006 pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores: segundo esta associação, o empreendedor é nada menos que “solução macroeconômica do problema do desemprego tecnológico generalizado”. O desemprego, portanto, passa a ser despolitizado, fruto inescapável do avanço tecnológico, e sua solução é individual: inovar, empreender, competir; enfim, passa pela vontade de cada indivíduo. Por óbvio, tendo em vista que a China é hoje vanguarda tecnológica e lá o desemprego não é sequer uma questão, esse ponto de vista se evidencia como pura propaganda liberal. A crítica de Saraiva (2011) vai nesse sentido: o pesquisador afirma que

ter uma formação empreendedora significa consentir, do ponto de vista profissional, às iniciativas empresariais pró-flexibilização do trabalho, já que passa a ser responsabilidade dos indivíduos “empreender” suas carreiras e oportunidades profissionais. À medida que considera como individuais as questões profissionais, que passam a ser definidas de acordo com a capacidade de competição (e vitória) dos indivíduos, esta visão enfraquece o coletivo e instala uma lógica darwiniana de todos contra todos, em que só se beneficiam as empresas, em detrimento da sociedade. (SARAIVA, 2011)

Como é possível conciliar uma defesa do fim da exploração do homem pelo homem com a defesa do projeto “Brasil Empreendedor”? Como é possível entender o trabalho como categoria eminentemente social e demandar independência econômica em nosso país de capitalismo dependente e ao mesmo tempo defender a compreensão de que o emprego, o desemprego e a inovação não são questões primordialmente políticas, mas sim individuais? A ideologia do empreendedorismo não é contrária somente ao marxismo: o é a qualquer linha política que entenda que para avançarmos enquanto nação não podemos ser coniventes com a cantilena neoliberal. Enquanto militantes por uma Universidade Popular, não é possível prescindir dessa denúncia.

Mas se os estudantes se interessam pelas EJs, e esse interesse parece ser crescente, o discurso ideológico deve estar mobilizando interesses reais. Para além das demandas econômicas como maior facilidade de conseguir um emprego após formado, o estudante sente falta de trabalhos mais práticos em sua formação. A educação pela prática também possui um histórico contraditório, decorrente dos descaminhos da história e da relação comum entre formação e trabalho. Saviani aponta como marco para seu desenvolvimento a abolição da escravidão, a partir da qual surge maior demanda por formação de mão de obra, e tem marco relevante nas Reformas Capanema que visaram capacitar um contingente para servir de mão de obra barata. A partir dessas reformas surge a divisão entre educação regular e cursos profissionalizantes e técnicos, reforçando a divisão social do trabalho.

Para uma crítica consequente das empresas juniores, a categoria “trabalho” é fundamental. Se pensamos que o papel da educação é a formação humana, logo temos que nos confrontar com uma pergunta: o que define a existência humana? Do ponto de vista marxista, o trabalho é intrínseco à experiência humana na medida em que “não é outra coisa senão agir sobre a natureza e transformá-la” (SAVIANI, 2003), e o ser humano tem como particularidade o fato de precisar continuamente produzir sua própria existência a partir do trabalho, de uma ação transformadora guiada por objetivos. Em outras palavras, “os animais têm sua existência garantida pela natureza e, por consequência, eles se adaptam à natureza. O homem tem de fazer o contrário: ele se constitui no momento em que necessita adaptar a natureza a si, não sendo mais suficiente adaptar-se à natureza” (SAVIANI, 2003). 

A crítica à forma alienada de trabalho que é hegemônica na sociedade capitalista já preencheu milhares de páginas de teóricos marxistas. Resta num texto como esse ressaltar, a partir da compreensão latu de trabalho, sua relação com a própria constituição da humanidade e com a pedagogia em termos históricos, refletindo, por sua vez, as contradições presentes nessa relação. A divisão entre educação regular e educação profissional, por exemplo, tipicamente burguesa, pressupõe a fragmentação do trabalho em especialidades autônomas mais demandadas em dado momento histórico e reforça, já na distribuição dos currículos, a divisão entre os que pensam o processo produtivo e os que o executam. Mas como ressalta Saviani, “a separação dessas funções é um produto histórico-social e não é absoluta, mas relativa” (2003). Cabe aos marxistas, a partir de uma crítica à forma particular com que se expressam as relações de trabalho no capitalismo, propor, a nível educacional, uma articulação maior entre ensino e trabalho, suprimindo a divisão artificial entre trabalho manual e trabalho intelectual, tensionando as contradições impostas pelo Capital no ensino.

É nesse sentido que certa identificação do alunado com parte do projeto das EJs é legítima: os estudantes querem aprendizagem na prática, não se satisfazem com a pura teoria, além de quererem remuneração para permanência estudantil, oportunidades profissionais e networking. Mas nas EJs se oferecem, como nota Doval (2012), oportunidades que aproveitam para inculcar nos indivíduos, num espaço de formação superior, “toda sorte de modelos de gestão e teorias organizacionais que possam reforçar de forma científica aquilo que já está apreendido a partir de conteúdos ditos e dos não ditos do seu dia a dia”. Conclui o pesquisador:

Desta forma, a participação dos estudantes de cursos de gestão em atividades como uma empresa júnior ou o intercâmbio internacional contribuem sobremaneira para o que Althusser (1980) aponta como a materialização da ideologia dominante por meio dos aparelhos ideológicos do Estado, dentre os quais a Escola é o mais importante, especialmente porque se constitui na forma mais acabada de reprodução das relações capitalistas. Para isto, ao assumir a responsabilidade de formação dos indivíduos de todas as classes sociais, lhes ‘ensina’ saberes práticos da ideologia dominante.

Se essas demandas legítimas geram identificação com o projeto das EJs, a disputa deve ser precisamente por serem sanadas sem que dependam dele. O reconhecimento do pesquisador como trabalhador, com todos os direitos que isso traz, permanência estudantil de qualidade e a luta por sofisticação produtiva e pleno emprego são as pautas que ajudam no enfrentamento do projeto “Brasil Empreendedor” e sua política econômica do “se vira”. Sobretudo essas últimas duas pautas, porém, parecem afastadas da realidade do estudante, também envolvido numa cultura em que cada trabalhador se vê isolado em seu ofício. Nesse sentido, é interessante resgatar experiências concretas de caráter popular que suplantam o projeto das EJs e que engajam os estudantes em construção coletiva para além dos muros das universidades – sem que sejam, ainda, projetos de extensão que, por mais valiosos que sejam, se inserem no contexto burocrático de universidades que não são ainda tudo o que sonhamos.

Um exemplo fundamental presente no Brasil são os EMAUs, Escritórios Modelos de Arquitetura e Urbanismo. São baseados em experiências de cooperativas uruguaias de construção civil (marxistas e anarquistas), e funcionam através de gestão estudantil sem fins lucrativos, com vistas à uma formação multidisciplinar e com fins sociais. Diferente das EJs, o órgão que apresenta diretrizes para cada Escritório Modelo é a Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Há aí experiência legítima de educação pela prática auto-organizada e socialmente referenciada.

Também é válida a lembrança do Instituto Universitario de Madres de Plaza de Mayo pelo que nos traz de positivo e de negativo. Seu projeto data de 1999 a partir da compreensão por parte da Asociación Madres de Plaza de Mayo de que era necessária a criação de uma Universidad Popular. Desde o ano seguinte se encontra em funcionamento ministrando cursos, e hoje já garante formações em advocacia e algumas licenciaturas com o reconhecimento por parte do governo argentino. As críticas de Néstor Kohan, grande educador popular que integrou os quadros docentes da universidade, no sentido de que havia ingerência pedagógica de forças antirrevolucionárias e de que o projeto político de ruptura foi substituído pela defesa do kirchnerismo nos mostram a importância de não nos furtarmos da ousadia para disputar ideologicamente mesmo espaços que parecem amistosos. A justa crítica não apaga o fato de que em nosso vizinho latino-americano um movimento social orgânico fundou um instituto universitário que exerce relevante papel formativo.

É, portanto, no sentido de reforçar a importância da construção de condições subjetivas para a revolução brasileira em cada espaço de atuação que concluo este texto que, espero, contribua para as disputas em ambiente de IESs. As Empresas Juniores não se tratam de projeto de extensão comum e desinteressado, e é fundamental que todas as forças políticas anticapitalistas se apropriem desse debate para formular a construção em todos os âmbitos de uma verdadeira Universidade Popular.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. Campinas, SP: Editora da

COSTA, A. M. da; BARROS, D. F.; MARTINS, P. E. M. Linguagem, relações de poder e o mundo do trabalho: a construção discursiva do conceito de empreendedorismo. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, RJ, v. 42, n. 5, p. 995 a 1018, 2008. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6662. Acesso em: 1 mar. 2023.

COSTA, A. M. da. Convergências, divergências e silêncios: o discurso contemporâneo sobre o empreeendedorismo nas empresas juniores e na mídia de negócios. 2010. Tese (doutorado em administração) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2010

COSTA, Edmilson. O Brasil está maduro para o socialismo. Resistir.info. 02 nov 2013. Disponível em: http://resistir.info/brasil/edmilson_01nov13.html#asterisco. Acesso em: 17 fev. 2023

DOVAL, J. L. M. Empresas Juniores e Intercâmbios em Gestão: Uma Visão Crítica. Revista Pensamento Contemporâneo em Administração. 2012;6(4):49-60. Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=441742847009. Acesso em: 17 fev. 2023

LOPES, M.C.; LOPES, P.C.; LIMA, Z.A.A. Contribuição da Empresa Junior de Administração no Brasil. Revista ANGRAD, 8 (1), jan/fev/mar, 2007.

MARX, Karl. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo Editorial, 2010

Unicamp, 2004.

SARAIVA, L. A. S. A Educação Superior em Administração no Brasil e a questão da emancipação: um túnel no fim da luz? Revista Gestão e Planejamento, BA, Salvador, v. 12, n.1, p. 41-60, jan./jun. 2011. Disponível em: https://revistas.unifacs.br/index.php/rgb/article/view/1296/1230 . Acesso em: 01/03/2023SAVIANI, D. O choque teórico da Politecnia. Trabalho, educação e saúde, v. 1, n. Trab. Educ. saúde, 2003 1(1), p. 131-152, mar. 2003.

PADRIM: Inscrições para o curso Economia Política para Trabalhadores

PUBLICAÇÃO DESTINADA AOS PADRINHOS E ÀS MADRINHAS DA FUNDAÇÃO DINARCO REIS

Olá, camaradas padrinhos e madrinhas da Fundação Dinarco Reis!

Anunciamos a abertura das inscrições gratuitas no curso online Economia Política para Trabalhadores (início 12 de janeiro de 2022) para aqueles e aquelas que apadrinham mensalmente a FDR nas categorias “Militante” e “Amiga(o) da Revolução“. Conforme a descrição das recompensas das faixas de contribuição do nosso perfil do PADRIM, vocês têm direito a:

  • Militante (partir de R$ 25,00 por mês)
  1. ACESSO gratuito a cada novo curso da FDR (1 vaga)
  2. Concorre ao SORTEIO de um (1) livro inédito editado pela FDR, após o seu lançamento

  • Amigo da revolução (a partir de R$ 50,00 por mês)
  1. ACESSO gratuito a cada novo curso da FDR (1 vaga)
  2. RECEBE um (1) livro inédito editado pela FDR, após o seu lançamento

PARA REALIZAR A INSCRIÇÃO GRATUITA NO CURSO, PREENCHA O FORMULÁRIO ABAIXO. A partir dessa manifestação de interesse, realizaremos manualmente as inscrições na plataforma do curso. Através do e-mail disponibilizados, vocês serão notificados sobre a efetuação da inscrição e sobre os links de acesso ao curso. Demais dúvidas, por gentileza, entrem em contato através do e-mail vendas@fdinarcoreis.org.br

Para maiores informações sobre o curso, acesse: https://fdinarcoreis.herospark.co/ecopol-para-trabalhadores

Assista à live de lançamento: https://www.youtube.com/watch?v=HrpluPgTNJk

CURSO: Economia Política para Trabalhadores com Sofia Manzano

Estão abertas as inscrições para o curso online “Economia Política para Trabalhadores” com a professora Sofia Manzano!

Ementa: O que é economia; Conceitos básicos; Formação do capitalismo; Antigo Sistema Colonial; Imperialismo e capital monopolista; Sistema Financeiro Internacional e Estado de Bem-Estar Social; Crise, Mundialização e capitalismo do Século XXI; Mercado de Trabalho e de Capital; Política Fiscal, Monetária e Cambial.

Objetivo: Apresentar os conceitos básicos, históricos e categoriais da economia capitalista atual. Proporcionar um instrumental introdutório para a compreensão da economia capitalista contemporânea.

20 aulas totalizando 40 horas com emissão de certificado.

Valor: R$300,00 (5x de R$60,00 sem juros)

Programa:

Módulo 1 – 5 aulas de 2 horas cada

1 – O que é economia e seus elementos fundamentais.

  1. Relações sociais
  2. Trabalho e Natureza
  3. Permanência e História

2 – Divisão do trabalho e Classes Sociais

  1. Divisão do trabalho e Troca
  2. Classes sociais e Ideologia

3 – Valor, Dinheiro e Capital

4 – Produção, Poder e Estado

Módulo 2 – 4 aulas de 2 horas cada

1 – História e Modo de Produção

  1. Estrutura e Superestrutura

2 – Transição do feudalismo para o Capitalismo

  1. Produção feudal, troca e moeda
  2. Poder feudal e classes sociais

3 – Capitalismo Originário Inglês

4 – O antigo sistema colonial

Módulo 3 – 4 aulas de 2 horas cada

1 – Capitalismo Monopolista e Imperialismo

  1. Concentração e centralização do capital
  2. Imperialismo
  3. Capitalismo e Crise

2 – Guerra e Fascismo

3 – Estado de Bem-Estar Social

  1. Sistema Financeiro Internacional
  2. Política e Luta de classes no pós-guerra

4 – Crise Estrutural do Capital

  1. Mundialização do Capital
  2. Financeirização e “neoliberalismo”
  3. Trabalho e Capital no século XXI

Módulo 4 – 2 aulas de 2 horas cada

1 – Mercado de Trabalho

2 – Mercado de Capitais

3 – Setores de Atividade

4 – Estrutura de Mercado

Módulo 5 – 5 aulas de 2 horas cada

1 – PIB e Balanço de Pagamentos

2 – Política Fiscal

  1. Tributação
  2. Gasto Público
  3. Déficit e Dívida Pública

3 – Política Monetária

  1. Capital e Dívida Pública
  2. Dinheiro, moeda e sistema monetário
  3. Funções da moeda
  4. Sistema monetário e sistema financeiro

4 – Política Cambial

  1. Sistema Financeiro Internacional
  2. Hierarquia de moedas e “risco país”
  3. Reservas cambiais, balanço de pagamentos e investimentos

INSCRIÇÕES

LIVE DE LANÇAMENTO dia 08/12 às 19h

CATARSE: Reedição do livro Ensaios sobre Consciência e Emancipação

O projeto

A reedição de Ensaios sobre Consciência e Emancipação, pela Fundação Dinarco Reis em parceria com a Editora LavraPalavra, é uma iniciativa absolutamente necessária para que os instigantes debates apresentados pelo professor, educador popular, escritor, poeta, chargista e militante comunista Mauro Iasi nesta obra possam chegar a mais gente, em especial às novas gerações de lutadores e lutadoras sociais, militantes que buscam revolucionar o mundo para superar o quadro de barbárie imposto pelo capitalismo e caminhar na direção do socialismo e da sociedade comunista.

Mauro nos convida a fazer importantes reflexões acerca de categorias e conceituações no campo do marxismo, sempre com a preocupação de que o estudo da teoria possibilite o embasamento, no âmbito das ideias, de uma ação militante voltada à luta transformadora. Com o devido cuidado para não tornar essa prática formativa em uma educação utilitarista e pragmática, tratando de forma rasa e superficial a teoria, como se fosse uma receita de bolo para a ação política. Mauro, pelo contrário, nos conduz sempre para a reflexão profunda dos temas, conceitos e categorias.

Longe de propor um mero exercício diletante na abordagem dos diferentes assuntos, o livro, assim como toda obra e atividade desenvolvidas pelo autor em sua vida de intelectual e militante comunista, busca, acima de tudo, colaborar com a construção de consciências voltadas à permanente reflexão crítica da realidade com vistas à sua radical transformação. Uma leitura, portanto, imprescindível.

Mauro Iasi é hoje um dos principais intelectuais orgânicos da classe trabalhadora brasileira. Autor de vários livros e artigos que tratam de aspectos centrais da teoria marxista, da história da luta de classes e dos movimentos contemporâneos, escreve regularmente para blogs e sites, é um poeta excepcional e vem se destacando também por suas charges carregadas de uma crítica ferina e irônica sobre a conjuntura atual.

Por Ricardo Costa, Historiador, Dirigente do PCB e Diretor da Fundação Dinarco Reis.

PRÉ-VENDA Livro-Agenda 2023: Arte, Cultura Popular e Revolução

A Agenda de 2023, Arte, Cultura Popular e Revolução, traz diversos artistas e intelectuais brasileiros e de outros países, que deram significativas contribuições para a cultura e a luta pela transformação de suas sociedades.

Desde o processo de sua formação, o PCB atraiu diversos intelectuais e artistas para a sua militância. Durante esses últimos cem anos, foram vários expoentes das artes e da cultura que atuaram ou foram muito próximos do partido. Poetas, músicos, compositores, escritores, atores, dramaturgos, cineastas, artistas plásticos, mulheres e homens que retrataram a dura realidade da sociedade brasileira.

Poucas formações partidárias no mundo podem exibir um portfólio tão expressivo de personalidades relevantes da vida cultural de seu país quanto o PCB. Os comunistas, mesmo aqueles e aquelas não diretamente ligados à produção artística, entendem a luta pela afirmação da cultura popular como elemento indissociável do processo revolucionário.

Artistas de todas partes do mundo também estão presentes, como os que atuaram na Revolução Russa, os que combateram toda forma de opressão e preconceito, como o nazifascismo na Europa e no mundo, defendendo os valores da liberdade e do Socialismo.

Da mesma forma, são retratados vários artistas da América Latina, resistentes às ditaduras que assolaram o nosso continente. Diversos artistas revolucionários, muitos presos e alguns assassinados, como Victor Jara. E aqueles que contribuíram nas diversas guerras de independência dos países africanos e asiáticos.

Convidamos a todas e todos a se deleitarem nessa leitura, recheada de poesia e referências às lutadoras e aos lutadores da área da cultura.

*PREVISÃO DE ENVIO: A PARTIR DE OUTUBRO DE 2022*

COMPRE ATRAVÉS DO LINK: https://vitrinecomunista.com.br/produtos/pre-venda-livro-agenda-2023-arte-cultura-popular-e-revolucao/

CAMARADA DINARCO REIS FILHO, PRESENTE!

Foto: Marianna Ferrodri

Na manhã de 31 de julho de 2022, o nosso Partido recebeu a triste notícia do falecimento do camarada Dinarco Reis Filho. Com idade avançada e padecendo de enfermidades, o nosso Dinarquinho, filho do Tenente Vermelho Dinarco Reis, até seus últimos momentos foi um militante dedicado à construção do PCB e à luta pelo Socialismo.
Prestes a completar 90 anos em novembro, vinculado à célula Claudino José da Silva, de Niterói/São Gonçalo – RJ, Dinarquinho, que brincava com o fato de “já ter nascido dentro do Partido”, foi e será exemplo para as futuras gerações de comunistas. Estas seguirão, a partir de agora, não mais com sua presença física, mas acompanhadas pela memória deste herói do povo brasileiro.
Todas as homenagens serão justas, merecidas e absolutamente necessárias. Mas nenhuma conseguirá traduzir a sua grandeza, a pessoa extraordinária que sempre foi, para além da militância comunista irrepreensível, coerente, desde os tempos de juventude até este 31 de julho, dia em que nos deixou. Deixarão saudades sua gargalhada estrondosa, sua simpatia extrema, seu coração gigantesco, sua solidariedade, seu amor à vida.

Dinarco Reis Filho nasceu em 14 de novembro de 1932, no bairro de Realengo, na Travessa Rodrigues Marques, filho do tenente de aviação militar Dinarco Reis e de Lygia França Reis. Seu pai participou do Levante Comunista de 1935, tendo ficado conhecido como o Tenente Vermelho.
Em 1948, Dinarco Filho entrou para a União da Juventude Comunista (UJC) e, em 1951, no PCB, participando das campanhas do Movimento O Petróleo é Nosso! Em 1959 foi admitido na Petrobrás, através de concurso público.Com o golpe empresarial militar de 1964, foi demitido e cassado, no dia 5 de maio, pelo delito de opinião, passando a viver na clandestinidade. Em São Paulo foi motorista e segurança do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro e participou da organização do VI Congresso do PCB, em 1967.
Foi um dos principais dirigentes do Partido na luta contra os liquidacionistas na década de 1990, tendo atuado com destaque à frente da reorganização partidária no processo de Reconstrução Revolucionária do PCB, juntamente com Zuleide Faria de Mello, Ivan Pinheiro, Horácio Macedo, Raimundo Alves, Pachecão, Edmilson Costa, Sofia Manzano, dentre tantos camaradas responsáveis pela manutenção e retomada em bases revolucionárias do glorioso Partido Comunista Brasileiro, a quem dedicou sua vida.

Quando o Comitê Central decidiu pela criação da Fundação de Estudos Políticos, Sociais e Econômicos Dinarco Reis, em homenagem ao seu pai, não caberia a outra pessoa assumir a presidência da instituição.
Na vibrante comemoração do centenário do PCB, em 25 de março deste ano, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, lotado pela presença dos comunistas, amigos e amigas do Partido, Dinarquinho recebeu das mãos da amiga e camarada Marta Barçante, atual presidente da FDR, a medalha Dinarco Reis, criada pela Fundação para homenagear militantes e dirigentes comunistas, heróis do povo brasileiro, que dedicaram suas forças às lutas em defesa da classe trabalhadora e pelo Socialismo.
Dinarco Reis Filho, presente agora e sempre!!

Reproduzimos abaixo entrevista concedida por Dinarco Reis Filho ao Jornal O Poder Popular, edição nº 16, de dezembro de 2016.

Iniciativa de petroleiros comunistas: a verdadeira história da criação do décimo terceiro salário

Em entrevista exclusiva à Mariana Nunes, Dinarco Reis Filho, presidente da Fundação Dinarco Reis e militante do PCB há cerca de 70 anos, conta a verdadeira história da criação do décimo terceiro salário no Brasil, uma iniciativa dos comunistas.

– Militantes comunistas da refinaria Duque de Caxias, da Fábrica de Borracha Sintética, de Cubatão, do Pará e outras empresas da Petrobrás realizamos, no final de 1962, uma conferência intersindical, na Praia Grande, em Santos, para discutir o acordo salarial com a empresa. Entre os pontos da pauta de reivindicações, decidimos acabar com a “natalina”, também chamada de “girafa”, um abono natalício fornecido pelas empresas petrolíferas, tanto Petrobrás, quanto Manguinhos e Ipiranga, no Rio Grande do Sul, entre outras.

Segundo Dinarco, existia uma disparidade muito grande na distribuição da natalina, que era feita através de notas atribuídas aos trabalhadores: – Nós, que éramos sindicalistas, só tirávamos nota 1, claro, mas os que eram chefes só tiravam nota 5, a máxima.  Mesmo o pessoal que era puxa-saco tirava abaixo de 5. Assim, quando chegava a época natalina, ninguém ficava satisfeito.

– Resolvemos fazer algo que acabasse com essa disparidade. O companheiro Silas Conforto, da refinaria Duque de Caxias, discutiu com a bancada de deputados federais do Rio de Janeiro e apresentou a proposta de que fosse dado o valor do maior salário adquirido no ano como décimo terceiro salário, incluindo todos os benefícios, pois existiam companheiros com 10 filhos. Tinha que incluir o salário família também, que naquela época não era calculado sobre o salário mínimo, mas um percentual sobre o salário que você recebia.

– Antes de irmos para a Petrobrás apresentar a proposta, como a cidade de Duque de Caxias tinha uma efervescência política muito grande, resolvemos conversar com as lideranças de lá, pois ia dar uma disparidade muito grande em relação à população da cidade, embora a maioria dos empregados da Petrobrás residisse em Caxias.

– Fomos falar com Tenório Cavalcanti, que disse: “Vocês não mexendo com o jogo do bicho, a prostituição e os menores empregados. Pra mim tudo bem”. Nos indicou, ainda, para falarmos com os representantes das associações comercial e industrial de Duque de Caxias. Na reunião com eles foram, como representantes sindicais, Chico Salgado, Silas Conforto e Aristélio Andrade, pela refinaria; e pela fábrica de borracha sintética Paulo de Araújo Sabóia, Dinarco Reis Filho e o presidente do sindicato. Apresentamos nossa proposta com medo do impacto que daria na região. O dirigente da Associação Comercial, surpreendentemente, disse que essa proposta não deveria abranger apenas os petroleiros, mas todos os trabalhadores do Brasil.

– Eu fiquei estupefato, pois não esperava um cara que diziam ser reacionário falar uma coisa dessas.  Ele não tinha nada com o Partido, representava o que tinha de mais reacionário na região. Já o representante da Associação Industrial, que nós pensávamos que iria apoiar, foi contra. Disse que aumentaria os encargos trabalhistas, que os patrões teriam que pagar mais. Em contraponto, o representante da Associação Comercial afirmou que, quando chegasse o final do ano, as indústrias iriam produzir mais, mais sapatos, mais roupas, mais sabão, mais cerveja, o povo iria ter dinheiro para comprar. Disse, então, que apresentaria para a comissão de trabalhadores um senador para levar o projeto a Brasília.

– Na ocasião, deixamos claro que queríamos que o povo brasileiro também tivesse o décimo terceiro salário, não queríamos ser excludentes, por isso somos sindicalistas comunistas.

– O representante da Associação Comercial indicou o senador Vasconcelos Torres, do Rio de Janeiro. O senador gostou da lei, disse que iria apresentar. Entretanto, como era ligado aos militares, que foram contra o projeto, ficou indeciso. Quando chegou a época de discuti-lo, pois já o havia apresentado no Senado, resolveu falar com o senador Aarão Steinbruch, também do Rio de Janeiro.  

– O senador Steinbruch fez algumas modificações e veio falar conosco. Como essas modificações não tiravam o espírito do projeto, concordamos. Assim foi aprovado o décimo terceiro salário, tanto no Senado quanto na Câmara, diante dos argumentos apresentados. Quando fomos ver a assinatura pelo então presidente João Goulart saiu uma caravana do Rio de Janeiro, com vários ônibus. Em um deles a polícia prendeu o Aristélio e o Silas. Quando eles chegaram a Brasília, nem sabiam da mudança do Vasconcelos Torres para o Aarão Steinbruch. Não fui porque minha mulher estava grávida, em fase adiantada. Foi uma delegação grande aqui do Rio de Janeiro.

– Essa é a verdadeira história do décimo terceiro salário, que surgiu através de uma reivindicação dos petroleiros. Existe outra história dizendo que os patrões teriam sido seus criadores, pois diminuiriam os salários e fariam uma complementação através do décimo terceiro. Balela! Patrão nunca faz nada para trabalhador, concluiu Dinarco.